Por Viviane

 

escola-particular-4“Vigiar e punir” não parece ser só o bom livro de Foucault, mas um dos lemas, sobretudo, de escolas particulares em São Paulo. Controladas e mantidas por pequenos administradores, recai ao professor a obediência às suas intransigências, muitas vezes pautadas por ordens já prontas e decretadas.

Não bastassem os salários de fome e as péssimas condições de trabalho, querem a ‘perfeição’ neoclássica do século XVI dos professores. Ressalto a idéia no sentido de que ainda hoje, em pleno século XXI, fui testemunha da demissão de professores não aceitos por seu ‘perfil’ não compatível com o da escola. Essa é a desculpa pedagógica dos diretores quando valorizam seus profissionais apenas pelo que aparentam. Entretanto, o uso desse eufemismo reforça ainda mais a farsa da postura desses burgueses, ou seja, além de tomarem decisões simplistas diante dos fatos, mandam e desmandam a hora que querem nas pessoas. Contudo, o motivo real dessas demissões, que se calou por tempos, foi mais uma vez o preconceito racial. Eis a descrição do fato:

Quinta-feira – Dezembro de 2008:

Estava eu, professora de Língua Portuguesa, e a professora de Matemática a dar prova de ‘recuperação’ ao estudante Lucas. Esse, por sua vez, havia fracassado em suas notas, estando prestes a ser retido pelo conselho escolar. Depois de realizar a avaliação de Língua Portuguesa realizou a de Matemática. Ao término, como eu e ela não iríamos à reunião do conselho que se daria no próximo dia, realizamos por nossa conta um pré-conselho junto com a diretora (e na época também coordenadora) da escola. Argumentamos em todos os sentidos sobre o estudante em questão: seu comportamento e rendimento em sala sozinho e com os colegas, os avisos da mãe, os problemas com a ausência do pai, a decadência das notas e da falta de atenção nas atividades, enfim, sobre como foi o ano do Lucas.

A professora de Matemática, então, por sua larga experiência em sala, inclusive já aposentada da Rede Estadual, apresentou à diretora suas anotações contínuas e seus relatórios sobre o estudante, os aspectos positivos e negativos do estudante, de modo a tratar a avaliação como processual e global. Portanto, não o reteríamos neste ano, a fim de darmos uma chance a ele.

A professora fez o que nem a metade do quadro docente faria: dedicou uma atenção sempre especial ao adolescente.

Depois de finalizarmos nossos pontos de vista, a diretora nos comunicou que no dia seguinte perguntaria aos demais professores se eles estariam de acordo com a proposta de não reter o estudante, já que poderia prejudicar seu desenvolvimento escolar.

Ao nos despedir, a diretora perguntou mais uma vez se não iríamos ao conselho oficial, pois seria um desfalque para o fechamento do ano. Respondemos que não poderíamos comparecer, uma vez que, de acordo com o nosso cronograma de atividades, estaríamos em compromisso com as outras escolas.escola-particular-3

Fomos embora.

Sexta-feira – Dezembro de 2008:

Ocorreu o conselho escolar.

Sábado – Dezembro de 2008:

Quando todos os professores já estavam em férias, recebo a ligação de um colega, professor da mesma escola, comunicando que a professora de Matemática fora demitida. Sem mais nem menos. Ele me disse que simplesmente a diretora (no momento da despedida) a chamara em particular e dissera que ela não faria mais parte da equipe do colégio. Sem mencionar justificativas ou insatisfações com o seu trabalho, não mais se pronunciou. Sem saber como reagir, a professora ficara abismada e foi-se embora.

Negra, esforçada, não-vaidosa e de aparência humilde, mais uma vez não se enquadrou no perfil da escola. Mais uma vez fôra vítima do esquecimento de todos, inclusive dos próprios estudantes, não habituados a questionar. Este relato serve para pensarmos criticamente em que medida podemos nos posicionar para o combate gradual ou definitivo deste tipo de fato em escolas e na sociedade.

Somos avaliados pelo que aparentamos e não pelo que somos: se vestimos ou deixamos de vestir determinada marca de roupa, de tênis ou o tipo de carro que paramos na porta da escola. A todo momento nos vigiam, isto quando não colocam as câmeras filmadoras por toda a escola. Vigiam se falamos baixo e suavemente com os estudantes, ou se estamos sorrindo demais, ou se falamos aquilo que os pais vão querer escutar, etc.

Hoje, também nas relações sociais das escolas particulares, os professores tendem a ser moldados como meros robôs programados apenas para dizerem sim; e sorrir diante das situações já se tornou uma constante, senão um vício exacerbado. O mesmo ocorre com os estudantes, todavia com um fundamental detalhe: são esses os alunos-clientes, os que mantêm financeiramente viva (ou funcionando) a escola.

Quanto aos alunos, chegamos ao ponto da formação em massa de pequenos burgueses, muito ou pouco endinheirados, inocentes e vítimas do sistema, dotados de superproteção familiar e, sobretudo, pedagógica. Barateia-se o ensino em troca do capital como garantia de existência dessas instituições. Pequenos burgueses alimentados por outros pequenos burgueses, os quais, sem capacidade de argumentos ou até mesmo do pensar, proliferam novamente, a cada momento, a doença social dos discursos e das opiniões prontas.

'Perfil' pedagógico preferido pelos colégios particulares
‘Perfil’ pedagógico preferido pelos colégios particulares

O medo de perderem seus investimentos lucrativos é que torna cada vez mais a educação, ou melhor, o ensino, “um negócio”. Busco refletir, portanto, a derradeira e delicada situação do professor em sala de aula, que muitas vezes, atado e sobrecarregado, é massacrado pelo sistema escolar.

Maria Rita Kehl, psicanalista e conferencista pela PUC-SP, diz que o professor não deve abrir mão da sua matéria-prima de trabalho que é o conhecimento. O laço pedagógico se afrouxou tanto que o estudante chega a tratar a relação ensino-aprendizagem como mero objeto mercadológico.

Onde vamos parar com esse excesso de mimo e superproteção a essa nova geração que mal consegue se posicionar diante de questões básicas de vida? Ninguém mais lê os clássicos gregos obrigatórios para a formação de um mínimo caráter… estão todos arraigados no vicioso hábito da não-leitura, grudados [colados] a todo momento no aparelho de televisão que muitas vezes é bem prejudicial… Qual será o futuro desses jovens vítimas de um assistencialismo barato, facilitados cada vez mais a não refletirem criticamente sobre suas ações na escola, na sociedade e na vida?

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