Por Leo Vinicius
Há algumas horas, antes de começar a escrever estas linhas, se encerrou o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti. Na verdade, ele não chegou ao fim, pois foi suspenso devido a um pedido de vistas por parte do ministro Marco Aurélio de Mello.
Não pretendo aqui fazer uma descrição das 11 horas de julgamento, porque seria estafante e desnecessário. Desnecessário antes de tudo porque sabemos que decisões do judiciário são políticas, principalmente em casos tão claramente políticos. Portanto, os “fundamentos técnicos” das decisões têm uma posição secundária numa análise efetiva do evento. Como um companheiro escreveu certa vez sobre uma decisão de desembargadores, fazendo referência ao professor de Direito Alessandro Nepomoceno em sua obra Além da Lei, “o magistrado faz escolhas diante do caso concreto analisando-o sob o seu prisma ético, moral, o senso comum, o tráfico de influências etc, ou seja, o seu código ideológico, só depois reveste tal decisão de uma roupagem técnica para legitimá-la”. Não devemos pois nos iludir, os ministros já foram com seus votos prontos e imutáveis para o julgamento, decididos politicamente e ideologicamente.
Pelo que os jornais divulgavam em antecipação esperava-se que a decisão a favor ou contra Cesare Battisti (a favor ou contra a decisão do governo federal brasileiro de conceder refúgio a Cesare) seria por 5 a 4, para um dos lados. O voto do relator Cezar Peluso já se sabia que iria ser a favor da extradição. Entrar em detalhes da sua argumentação seria algo cansativo, uma vez que ele teve que passar por cima de vários obstáculos jurídicos que impediam um voto favorável à extradição. O primeiro deles era a própria lei e jurisprudência, que determinavam que uma vez concedido refúgio o processo de extradição tinha que ser extinto. Cezar Peluzo usou então o recurso de analisar a legalidade do ato do Ministro da Justiça, de modo a encontrar algum vício para considerá-lo ilegal. Esse vício, para o relator, seria de motivo. Não haveria na decisão do Ministro da Justiça nada que, segundo ele, mostrasse “temor fundamentado de perseguição política” a Cesare Battisti, portanto o ato seria juridicamente nulo ou inválido. Tal argumento foi usado pelos outros 4 ministros que votaram pela extradição. Numa clara tentativa de usurpar uma prerrogativa do Poder Executivo, tal argumentação foi rechaçada pelos 4 ministros que votaram a favor da não extradição, afirmando que o STF não teria essa competência. Embora com a retórica de estar exercendo o chamado “controle de ofício judicial de atos administrativos”, de fato foi uma manobra para poder decidir em favor da extradição, usurpando prerrogativa do Ministro da Justiça. Não se tratou de controle judicial de um ato de outro poder, mas de se colocar como instância superior, reformando uma decisão, ou seja, usurpação de poder. Os quatro ministros que votaram pela extradição ainda fundamentaram a mesma nos argumentos utilizados pelo governo italiano: tratam-se de crimes comuns e não políticos, e a Itália seria um Estado Democrático de Direito. Bem, não entraremos em mais detalhes sobre a pobreza desses argumentos e nem nos seus fundamentos jurídicos. Apenas como ilustração, respondendo à intervenção feita pelo advogado de Cesare Battisti (veja aqui uma boa entrevista com ele, embora num sítio de direita), Cezar Peluso afirmou que a reação destemperada do governo italiano frente a concessão de refúgio teria sido uma reação justificada em face do que expôs o Ministro da Justiça em sua decisão!
A sessão foi suspensa pelo pedido de vistas de Marco Aurélio de Mello, o penúltimo a votar. A decisão se encaminhava para terminar em 5 a 4 pela extradição. Sem contar o voto de Marco Aurélio de Mello, que se posicionou contra a extradição, faltaria o voto de Gilmar Mendes, o presidente do STF, que indubitavelmente votará pela extradição. Vale notar que logo no início da sessão Marco Aurélio de Mello insinuou achar abusivo ou ilegal um refugiado político ficar preso em custódia. Algo que o ministro Joaquim Barbosa disse sem meias palavras em seu voto: Battisti estaria sendo mantido preso ilegalmente. Votaram pela extradição, além do relator Cezar Peluso, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski e Carlos Brito. Votaram contra, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carmem Lúcia. Um ministro não esteve presente na sessão, Celso de Melo.
Importante questão para um análise política é o fato de que os ministros se dividiram também quanto ao STF ou o presidente da república ter a prerrogativa da última palavra sobre a extradição. Os que votaram a favor da extradição, na tentativa de não dar nenhuma margem para que Battisti não seja extraditado, argumentaram também que o presidente Lula seria obrigado a extraditar Battisti se o STF decidisse pela extradição, enquanto os que votaram contra a extradição postularam que o presidente da república teria a prerrogativa de extraditar ou não. Tal discussão aponta já o possível campo de batalha político, tendo em vista a maior probabilidade de que na continuidade do julgamento o STF decida em maioria pela extradição. Além da extradição de Battisti, tal posicionamento do STF em relação ao refúgio, e usurpando prerrogativa do executivo, é altamente reacionário, ensejando jurisprudência e cultura que nos faz voltar anos em relação a conquistas básicas. O Judiciário no Brasil é o poder mais conservador, como João Pedro Stédile, do MST, também afirmou recentemente em entrevista. O aumento de seu poder, que não possui controle externo institucional e nem sequer frágil controle pelo voto popular, é um retrocesso em termos de justiça social.
O que se desenha na frente é uma batalha para convencer o governo federal, o presidente, a não extraditar Battisti. E ao mesmo tempo para conseguir dar-lhe a liberdade. A direita e o Estado italiano não terão escrúpulos para pressionar Lula a extraditá-lo. A mídia burguesa, que a todo custo tenta diminuir a popularidade de Lula senão derrubá-lo, tentará usar o fato, nesse caso, para atacá-lo, usando o argumento do descumprimento da lei (pois, infelizmente, no imaginário popular decisão de Tribunal é “a Lei”). Temos o exemplo próximo de Honduras, onde a suprema corte foi participante ativa de um golpe de Estado, expedindo até mesmo mandados de prisão contra o presidente. Nesse sentido, Marco Aurélio de Mello chegou a ser irônico com aqueles que achavam que o presidente era obrigado a extraditar, perguntando a eles se expediriam um mandado de prisão contra o presidente caso não o fizesse, em claro posicionamento sobre o absurdo que isso seria. Embora seja uma composição bastante conservadora, pela votação, vemos que o STF está dividido na questão, e portanto não daria respaldo a tal atitude golpista sem rachar. Mas o fato é que, com toda cautela de governabilidade que caracteriza Lula, dificilmente ele colocaria isso em risco por Cesare Battisti, mesmo que não queira entrar para a história como aquele que deu Cesare Battisti aos fascistas, como Getúlio Vargas havia dado Olga Benário aos nazistas. O que parece se desenhar adiante é uma batalha não só para pressionar o governo a não extraditar Cesare Battisti, como para dar terreno social para que essa vontade de não-extradição, que possivelmente o governo brasileiro possui, possa se tornar factual. Sabemos que o PT age na real politik, principalmente enquanto governo federal. Se não criarmos apelo social, mobilização, que crie condições para o Poder Executivo bancar politicamente a não-extradição de Battisti, a extradição se tornará mais iminente. A hora é desde já buscarmos dar organicidade à rede de solidariedade e apoio a Battisti, nos juntando àqueles engajados na tarefa há mais tempo, procurando dar unidade, criando comitês nas cidades, tirando ações, calendários, estratégias de mobilização institucional e de ação direta. A batalha no STF também não pode ser considerada ainda perdida.
Na argüição de Luis Roberto Barroso, advogado de Cesare Battisti, no início da sessão, ele fez questão de dizer que Cesare havia pedido para ele dizer uma coisa. Uma coisa, por questão de dignidade. Cesare pode suportar essa perseguição sem fim contra ele, mas pediu para que seu advogado dissesse que ao contrário do que seus detratores afirmam, de que seria delinqüente, e delinqüente comum, ele nasceu numa família de comunistas, e militou desde os 10 anos de idade. Militou na Juventude do Partido Comunista, depois na Lotta Continua, na Autonomia Operária e então no Proletários Armados pelo Comunismo. Ele sempre foi um militante político, suas ações sempre foram políticas. Não deixar tombar nas garras da extrema-direita, mesmo que travestida de ex-comunistas, um militante com essa dignidade diz respeito a todos nós.
É preciso fazer entender que essa batalha não é só de Cesare Battisti, mas é também uma batalha contra o obscurantismo, contra o avanço de forças reacionárias, no Brasil, na Itália, e para além desses países.
As lúcidas ponderações e votos proferidos pelos eminente Ministros Carmen Lucia, Eros Grau e Joaquim Barbosa marcam que ainda existe uma luz no final do túnel. Por sua vez, o eminente Ministro MARCO AURÉLIO, mais uma vez, nos fez sentir o orgulho de sermos brasileiros! Na contramão, o voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso não surpreendeu no mundo jurídico. Todos sabemos que ele é um “juiz” conservador que, em que pese a completar mais de 40 anos de “magistratura”, se trata de um elemento totalmente despreparado que sempre resolveu os conflitos que teve subjudice tendo fundamentalmente presente o poder de fogo das partes em litígio, sistematicamente se inclinando pelos mais fortes e ainda embasando suas vacilantes “decisões” prolatadas nos últimos anos e desde que infelizmente atua em nossa Suprema Corte – inclusive substituindo eminente técnico como o Ministro Sydney Sanches – em opiniões pessoais, pouco se importando com a Constituição Federal e as leis de regência de nossa República. A esses dados veio a somar-se, nesse caso específico, o peculiar ÓDIO e o DESPREZO que o Ministro Cezar Peluso sempre demonstrou pelo PT – até se olvidando que foi o Presidente Lula do PT quem DEMOCRATICAMENTE lhe deu a cadeira que ocupa no STF desde 2004 – e sobretudo, pela militância de esquerda. Esperada também era a posição assumida pelos Ministros Ellen Gracie, até mesmo porque a mesma não apenas se mostrou sempre como uma recalcitrante conservadora cujo reconhecido afã seria o de longe do Brasil ocupar cadeira vitalícia em alguma Corte Internacional, senão que – conjuntamente com o ex-Ministro Nelson Jobim – foi a pivô e uma das principais executoras no lamentável processo de perda de parâmetros e de esvaziamento e destruição que hoje se nota no Supremo Tribunal Federal. O voto do Ministro Ricardo Lewandowski apenas mostrou como mais um ato cinzento de um magistrado que não tem mínimas qualidades para integrar a Suprema Corte. Lamentável sim – e por isso se espera até uma mudança de posicionamento -, foi a postura assumida no julgamento da Extradição nº 1085 pelo eminente Ministro Ayres Brito, que, desde que ocupa cadeira, sempre se destacou por sua postura altruísta e humanitária, em favor dos mais desfavorecidos. O julgamento ainda não acabou e por isso talvez o escritor Cessare Battisti alcance a liberdade que já deveria lhe ter sido concedida há muito.tempo. Contudo, a última palavra – que em relação a nossa SOBERANIA NACIONAL – será do Exmo. Senhor Presidente da República que, até para que sejamos respeitados no exterior e na ITÁLIA, certamente, irá HONRAR a sua condição de BRASILEIRO NATO.
Mais um belo artigo de Celso Lungaretti, que esteve presente no plenário assitindo à votação:
ROLO COMPRESSOR DO STF INFRINGE SEPARAÇÃO DE PODERES
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/09/escalada-direitista-do-stf-infringe.html
Segue aqui um comentário de um professor de direito, que posta comentário no blog do jornalista Luis Nassif com o nome de Marco Antonio, sobre a decisão do STF (destaque para o último parágrafo):
“Logo, se, pretendo-se justificar esse_ não ativismo_ mas gerenciamento do Poder Judiciário sobre qualquer ato de qualquer conteúdo, haverá não apenas uma usurpação constitucional de poderes concedidos ao Executivo e ao Legislativo, mas a própria desnecessidade destes. Por esse prisma, o Poder Judiciário poderá simplesmente anular leis não sob o enfoque da inconstitucionalidade, mas de que a motivação destas não as justifica. Ou que politicamente elas não são interessantes para o país. Poderá, daqui a pouco, decidir onde o Poder Executivo aplica os recursos do país, já que é uma decisão política.
“Como eu sempre digo aos meus alunos, não é perspicaz saber que Hitler foi um ditador. Lucidez era saber disso em 1933. Mas no Brasil, as nuvens de nada adiantam. É preciso esperar o raio”.
Tarso diz que Battisti é “preso político” e que extradição pode abrir crise
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u622162.shtml
CRISE INSTITUCIONAL SIM
O julgamento pelo STF do pedido de extradição de Césare Battisti feito pelo Governo da Itália revela gravidade e confronto aberto da Corte Suprema com o Poder Executivo Nacional, abala os alicerces do “asilo político”, abre precedente perigoso para situações futuras e faz com que a nossa Corte Suprema se coloque acima da lei.
O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela Resolução 217-A, da Assembléia Geral das Nações Unidas de 10.12.1948, que prevê no nº 1 do seu art. XIV: “Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.”, como também da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22.11.1969, ratificada pelo Brasil em 25.09.1992, que em seu no seu art. 22, 7, estatui: “Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais.”
Por se tratar de normas supranacionais elas obrigam aos países signatários, sendo vedado a qualquer legislação nacional, a elas se contrapor por qualquer dos seus Poderes, o que vale dizer, nenhum Estado Nacional poderá suprimir de sua legislação a previsão de se conceder asilo político ao estrangeiro.
A nossa Carta Federal de 1988 sobre a concessão do asilo manifesta: “Art. 4° A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: X – concessão de asilo político.” Como instituto de direito nacional e supranacional, a concessão dele é ato da competência do Poder Executivo Nacional, por intermédio do Ministro da Justiça, entre nós.
O ato de concessão de asilo é de soberania nacional, uma vez concedido o instituto de direito internacional, não concebe reforma pelo Poder Judiciário, sob pena do Juiz não somente solapar a consolidação interna de sua própria soberania pátria, como também, por desvirtuar a finalidade e o objetivo da norma supranacional. Admitir que o STF venha modificar decisão do Poder Executivo concessiva de asilo político, se abrirá precedente perigoso e o instituto passará depender do bom humor das forças internas e dos membros da Corte Federal, e não ato de soberania.
O processo de concessão de asilo político se processa no âmbito interno do Poder Executivo e mesmo que CONARE venha concluir pelo indeferimento do pedido, em grau de recurso interno, ato discricionário, o Ministro da Justiça poderá deferi-lo, arts. 29 e 31 da Lei nº. 9.474, de 22.07.1977, que definiu os mecanismos para implementação do Estatuto dos Refugiados.
O ato do Ministro concedendo asilo político é ato discricionário que não se sujeita ao controle do Poder Judiciário. A intervenção do Poder Judiciário somente tem valia quando disser respeito ao ato vinculado e de forma restritiva, operando-se o controle sobre o princípio da legalidade, alcançando o mérito, em caso de desvio de finalidade.
A própria Lei 9.474 em seu art. 33 diz que: “O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.”.
Não fosse o caráter golpista do julgamento do pedido de Extradição formulado pelo Governo Italiano, a tutela pretendida seria indeferida de plano, em razão de cláusula pétrea do art. 5º, LII, da CF, que traz consigo: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;.”
Doravante, o que já vinha sendo anunciado, uma vez que o STF opera a revisão de um ato discricionário do Poder executivo, de futuro ele dirá que o Presidente da República nomeie ou exonere um Ministro de Estado e passe a administrar os destinos da Nação. Essa é a forma mais odiosa de interferência de um Poder sobre outro.
Nos mandatos do Presidente Lula a economia se estabilizou, a inflação está sob controle, houve avanço social relevante e aumento do poder aquisitivo das camadas mais pobres da população, a economia brasileira e o Brasil passou a influenciar o cenário mundial. Esse é o cara segundo Obama.
O julgamento do pedido de Extradição de Césare Battisti mais se assemelha aos precedentes do Golpe de 1964. É preciso estar atento e forte (Gilberto Gil – è Divino Maravilhoso).
Paulo Afonso – BA, 12 de setembro de 2009.
Fernando Montalvão.
MONTALVÃO. Fernando. CRISE INSTITUCIONAL SIM. Montalvão Advogados Associados. Paulo Afonso – BA, 12 de setembro de 2009. Disponível em: http://www.montalvao.adv.br/plexus/artigos_conxoespoliticas.asp
Postado por J.Montalvao
Além da questão da competência para conceder asilo político (privativa do Executivo – seja na pessoa de seu chefe ou do ministro da área afeta, já que pela Constituição Federal o presidente não atua sozinho, mas delega poderes aos ministros para atuarem em cada área), além disso, há a questão da prescrição. Pela lei brasileira, o crime pelo qual Battisti foi condenado na Itália em 1981 (formação de bando e posse de armas) já estaria prescrito. Pelo Estatuto do Estrangeiro, não se pode extraditar ninguém por um crime prescrito. Por outro lado, há outra lei, de 1997, que diz que não se extraditarão refugiados por idênticas razões pelas quais foi concedida tal condição. Se o Executivo concede asilo ou refúgio e o Supremo extradita, forma-se o caos institucional: um poder manda e outro desmanda …