“…Legitimam-se não pela propriedade, mas pelo trabalho, nesse mundo em que o trabalho está em extinção. Legitimam-se porque fazem História, num mundo que já proclamou o fim da História. Esses homens e mulheres são um contra-senso porque restituem à vida um sentido que se perdeu…” (“Notícias dos sobreviventes”, Eldorado dos Carajás, 1996).

A construção da democracia no Brasil exige, há trinta anos, enormes sacrifícios das classes trabalhadoras. Desde a reconstrução de suas organizações, destruídas por duas décadas de repressão da ditadura militar, até a invenção de novas formas de Movimentos e de lutas capazes de responder ao desafio de enfrentar uma das mais desiguais sociedades do mundo. O que também implica apresentar aos herdeiros da cultura escravocrata de cinco séculos, os trabalhadores da cidade e do campo como cidadãos e como participantes legítimos não apenas da produção da riqueza do país como ocorreu desde sempre, mas também como destinatários na partilha da riqueza produzida.

O ódio das oligarquias rurais e urbanas não perde de vista um único dia, um desses novos instrumentos de luta criados pelos trabalhadores brasileiros a partir de 1984: o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST. E esse Movimento paga diariamente com suor e sangue – como ocorreu há poucos dias no Rio Grande do Sul, pela sua ousadia de questionar um dos pilares da desigualdade social no Brasil: o monopólio da terra. O gesto de levantar sua bandeira numa ocupação se traduz numa frase simples de entender e, por isso, intolerável aos ouvidos dos senhores da terra e do agronegócio. Um País, onde 1% da população tem a propriedade de 46% do território, defendida por cercas, agentes do Estado e matadores de aluguel, não podemos considerar uma República, e menos ainda, uma democracia social.

A Constituição de 1988 determina que os latifúndios improdutivos e terras usadas para a plantação de matérias primas para a produção de drogas devem ser destinados à Reforma Agrária. Mas, desde a assinatura da nova Carta,  os sucessivos Governos têm negligenciado o seu cumprimento. À ousadia do MST de garantir esses direitos, pressionando as autoridades através de ocupações pacíficas conquistados na Constituição, soma-se outra ousadia, igualmente intolerável para os senhores do grande capital do campo e das cidades: a disputa legítima e legal do orçamento público.

Em quarenta anos, desde a criação do INCRA (1970), cerca de um milhão de famílias rurais foram assentadas. Mais da metade, entre 2003 e 2008. Para viabilizar a atividade econômica dessas famílias, para integrá-las ao processo produtivo de alimentos e divisas no novo ciclo de desenvolvimento, é necessário travar a disputa diária pelos recursos públicos. Daí resulta o ódio dos ruralistas e outros setores do grande capital, habituados desde sempre ao acesso exclusivo aos créditos, subsídios e ao perdão periódico de suas dívidas.

O compromisso do Governo de rever os critérios de produtividade para a agricultura brasileira, responde a uma bandeira de quatro décadas de lutas dos movimentos dos trabalhadores do campo. Ao exigir a atualização desses índices, os trabalhadores do campo estão apenas exigindo o cumprimento da Constituição Federal e que os avanços científicos e tecnológicos ocorridos nas últimas quatro décadas, sejam incorporados aos métodos de medir a produtividade agrícola do nosso país.

É contra essa bandeira que a bancada ruralista do Congresso Nacional reage atacando o MST. Como represália,  buscam, mais uma vez,  articular a formação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra o MST. Seria a terceira em 5 anos. Se agricultura brasileira é tão moderna e produtiva, como alardeia o agronegócio, porque  temem tanto a atualização desses índices? E, por que não é criada uma única CPI para analisar os recursos públicos destinados às organizações da classe patronal rural?

O que ocorreu ao longo desses quarenta anos no campo brasileiro em termos de ganho de produtividade? Quanto a sociedade brasileira investiu para que uma verdadeira revolução – do ponto de vista de incorporação de novas tecnologias – tornasse a agricultura brasileira capaz de alimentar nosso povo e se afirmar como uma das maiores exportadoras de alimentos? Quantos perdões da dívida agrícola foram oferecidos pelos cofres públicos aos grandes proprietários de terra, nesse período?

O ataque ao MST extrapola a luta pela Reforma Agrária. É um ataque aos avanços democráticos conquistados na Constituição de 1988 – como o que estabelece a função social da propriedade agrícola –  e contra os direitos imprescindíveis para a reconstrução democrática do nosso País. É, portanto, contra essa reconstrução democrática que se levantam as lideranças do agronegócio e seus aliados no campo e nas cidades. E isso é grave. E isso é uma ameaça não apenas contra os movimentos dos trabalhadores rurais e urbanos, como para toda a sociedade. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que custou os esforços e mesmo a vida de muitos brasileiros, que está sendo posta em xeque. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que está sendo violentada.

É por essa razão que se arma, hoje, uma nova ofensiva dos setores mais conservadores da sociedade contra o Movimento dos Sem Terra – seja no Congresso Nacional, seja nos monopólios de comunicação, seja nos lobbies de pressão em todas as esferas de Poder. Trata-se, assim, ainda uma vez, de criminalizar um movimento que se mantém como uma bandeira acesa inquietando a consciência democrática do país: a nossa democracia só será digna desse nome quando incorporar todos os brasileiros e lhes conferir, como cidadãos e cidadãs, o direito a participar da partilha da riqueza que produzem ao longo de suas vidas, com suas mãos, o seu talento, o seu amor pela pátria de todos nós.

CONTRA A CRIMINALIZACÃO DO MOVIMENTO DOS SEM TERRA.

PELO CUMPRIMENTO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE DEFINEM AS TERRAS DESTINADAS À REFORMA AGRÁRIA.

PELA ADOCÃO IMEDIATA DOS NOVOS CRITÉRIOS DE PRODUTIVIDADE PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA.

Brasília, 21 de setembro de 2009.

Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, ex-Deputado Federal Constituinte pelo PT-SP (1985-1991) e ex-consultor da FAO

Osvaldo Russo, estatístico, ex-presidente do INCRA (1993-1994), diretor da ABRA e coordenador do núcleo agrário nacional do PT

Hamilton Pereira, o Pedro Tierra, 61, é poeta e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

Antônio Cândido, crítico literário, USP

Leandro Konder, filósofo, PUC-RJ

István Mészáros, Hungria, filósofo

Eduardo Galeano, Uruguai, escritor

Alípio Freire, escritor

Fábio Konder Comparato, jurista, USP e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra

Fernando Morais, jornalista e escritor

Dr. Jacques Alfonsin, jurista, Porto Alegre

Altamiro Borges, PCdoB

Nilo Batista, jurista

Alberto Broch, Presidente da CONTAG

Artur Henrique, Presidente da CUT

Augusto Chagas, Presidente da UNE

Bartira Lima da Costa, Presidente da CONAM

Ivan Pinheiro, secretario geral do PCB

Ivan Valente, Deputador Federal PSOL/SP

José Antonio Moroni, diretor da ABONG e do INESC

José Maria de Almeida, CONLUTAS, presidente do PSTU

Nalu Faria, coordenadora geral da Sempreviva Organização Feminista – SOF e integrante da executiva nacional da Marcha Mundial das Mulheres.

Paulo Pereira da Silva, Deputado Federal PDT-SP e presidente da Força Sindical

Renato Rabelo, presidente do PcdoB

Renato Simões, Secretário de Movimentos Populares do PT

Roberto Amaral, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia, Secretário Geral do PSB

Sérgio Miranda, PDT-MG

Valter Pomar, Secretário de Relações Internacionais do PT

Wagner Gomes, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB

Dom Ladislau Biernaski, Presidente da CPT

Dom Pedro Casaldáliga, Bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia – MT

Dom Tomás Balduino, conselheiro permanente da CPT

Frei Betto, escritor

Leonardo Boff, escritor

Reverendo Carlos Alberto Tomé da Silva, TSSF, Anglicano, Capelão Militar

Miguel Urbano, Portugal, jornalista

Anita Leocádia Prestes, historiadora, UFRJ

Beth Carvalho, sambista

Adriana Pacheco, Venezuela, ViveTV

Adelaide Gonçalves, historiadora, UFCE

Ana Esther Ceceña, UNAN

Antonio Moraes, Federação Única dos Petroleiros – FUP

Associação Brasileira de ONG’s – ABONG

Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)

Chico Diaz, ator

Cândido Grzybowski – IBASE

Comitè italiano de apoio ao Movimento Sem Terra (Amigos MST-Italia)

Antônio Carlos Spis, CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais)

Dora Martins, juíza de direito, e presidenta da Associação de Juízes pela Democracia

Emir Sader, sociólogo, LPP/UERJ

Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)

Hamilton de Souza, jornalista, PUC-SP

Heloísa Fernandes, socióloga, USP e ENFF

Jose Arbex, jornalista, PUC-SP

Maria Rita Kehl, psicanalista, São Paulo

Osmar Prado, ator

Paulo Arantes, filósofo, USP e ENFF

Vandana Shiva, Índia, cientista

Virginia Fontes, historiadora, UFF/Fiocruz

Vito Gianotti, jornalista e historiador, Núcleo Piratininga de Comunicação – Rio de janeiro

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