Moradores de Vila no centro de São Paulo, construída na década de 1920, lutam contra a especulação imobiliária. Por Rener Reges Dantas*

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São quase 9 horas da manhã, em mais um caloroso dia. Onde o sol reina majestosamente sobrepondo-se às místicas e desgastadas edificações da Vila Itororó. Contrastando-se à nítida claridade predominante, dá para ver aqui das escadas, as escuras sombras que se formam advindas do castelo. Figura principal deste amontoado de casas antigas. Através do meu olhar leigo, que pouco difere dos demais moradores, consigo sentir a vivacidade presente na inércia deste lugar. Na música dos guetos, que aflora de dentro de suas casas, e na gritaria destas crianças, que, mesmo de pés descalços, correm euforicamente na disputa por uma bola. Talvez para eles, se não o mais caro, com certeza o mais belo brinquedo de que dispõem. Para assim passarem horas e horas, tendo nestes momentos eternos o ápice de suas lembranças desta época de travessuras. Estes com pouco se divertem, e com sua inocência permanecem alheios ao futuro que lhes bate à porta. Neste cenário de “vila viva”, com gritaria e céu anil, dá para ver nos telhados algumas pombas, que coincidentemente também escolheram este lugar para sua moradia. Hoje aqui ainda há vida, talvez como previa Francisco de Castro, ao materializar os esboços de sua visão futurista. Passados todos estes anos, aqui estamos, moradores e também parte desta história. Muitos presentes de longas datas, alguns talvez nem tanto. Mas, algo comum entre todos daqui; os vínculos familiares e sociais adquiridos e a incerteza quanto ao seu futuro. Diga-se da bizavó quase centenária, a maior parte da vida vivida aqui, ou do recém-nascido que acabou de chegar. Pois muito se ouvia de promessas de melhorias, que das falácias não saíam. Mas, essa gente é de fibra e o descaso não os venceu. Do contrário, os fez mais fortes! Para adaptarem-se a esta exclusão. Passadas uma sucessão de gestões, eis que se anunciam as “boas novas”. (As melhorias agora chegarão, e o lugar ficará como novo). Porém, infelizmente, os moradores, estes não mais ficarão! Pois como antes, não são dignos destas benfeitorias. Desta forma, talvez apenas seus pedidos por justiça ecoarão pelo vão deste pátio. Tal qual os gritos das crianças, que inocentemente corriam e brincavam pelos espaços largos e íngremes onde viveu gente um dia. Este inédito e repentino desejo de intervenção da administração pública na Vila Itororó equipara-se ao futuro dizimando o presente. Que incontestavelmente se faz com gente. Mas, o que é gente? Se comparada aos anseios e empreendimentos dos que detém o poder. Pois é deles o todo certo! Assim sendo, há mais glamour em grandes feitos. Que embora não eternos, também resistem ao tempo. Gente é apenas gente, meras vidas que se ceifam, que hora ou outra também cessam. Não eternas como ideais ou diamantes.

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Com a dúvida na frente e a incerteza nas mãos, esperamos, ora apreensivos, pelas decisões dos “senhores dos destinos”. Pois não temos armas nem estratégias, temos apenas nossa dignidade que “legalmente” eles estão tentando nos tirar.

* Morador da Vila

Texto originalmente publicado em: http://saju.comli.com/

Blog da Vila Itororó: http://vilaitororo.blogspot.com/

Reportagem do jornal Brasil de Fato: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/a-historia-do-palacete-surrealista-que-virou-a-casa-de-gente-simples

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