COMUNICADO DAS MÃES DE MAIO
06 de Janeiro de 2010

POR UMA “COMISSÃO DA VERDADE” AMPLA, GERAL E IRRESTRITA
Solidariedade a Paulo Vanucchi e Alípio Freire

NÓS, MÃES E FAMILIARES DAS VÍTIMAS DO ESTADO BRASILEIRO EM MAIO DE 2006, ESCREVEMOS AQUI NO INÍCIO DE 2010 PARA NOS SOLIDARIZARMOS COM OS COMPANHEIROS ALÍPIO FREIRE E COM O MINISTRO DA SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS, PAULO VANUCCHI, NESTE RECENTE EPISÓDIO CRIADO PELO MINISTRO DA DEFESA NELSON JOBIM E PELOS COMANDANTES DAS TRÊS ARMAS BRASILEIRAS.

AS MÃES DE MAIO SEMPRE FORAM, E CONTINUARÃO SENDO, SOLIDÁRIAS À LUTA PELO DIREITO À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA DE TOD@S @S PERSEGUID@S E PRES@S POLÍTIC@S DO ESTADO BRASILEIRO: DESDE @S INDÍGENAS MASSACRAD@S, @S AFRICAN@S ESCRAVIZAD@S, OS CAMPONESES E CAMPONESAS EXPULS@S DE SUAS TERRAS E ASSASSINAD@S, @S OPERÁRI@S EXPLORAD@S, AS VÍTIMAS E PARENTES DE PRES@S E PERSEGUID@S POLÍTICOS DA DITADURA CIVIL-MILITAR, E A@S MILHARES DE PRES@S POLÍTIC@S ATUAIS DO ESTADO BRASILEIRO, EM SUA MAIORIA NEGRA E POBRE DAS PERIFERIAS E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS!

NAS FOTOS QUE SEGUEM EM ANEXO, NÓS – MÃES DE MAIO – ESTAMOS PARTICIPANDO DE MANIFESTAÇÃO EM BRASÍLIA JUNTO A@S FAMILIARES E EX-PRES@S E PERSEGUID@S POLÍTIC@S DA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA, PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA E PELA LIBERDADE DE CESARE BATTISTI. ESTA SOLIDARIEDADE ENTRE SETORES, ENTRE NAÇÕES E ENTRE TEMPOS HISTÓRICOS DIFERENTES É FUNDAMENTAL PARA AS NOSSAS VIDAS E PARA A NOSSA LUTA!

A INSTAURAÇÃO, PREVISTA NO PLANO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, DE UMA AMPLA “COMISSÃO DA VERDADE” QUE APURE TODOS OS CRIMES COMETIDOS POR AGENTES AUTORITÁRIOS DO ESTADO BRASILEIRO, EM TEMPOS DE DITADURA OU DE “DEMOCRADURA”, É UMA CONDIÇÃO MÍNIMA NECESSÁRIA PARA O REAL AVANÇO DA DEMOCRACIA NO PAÍS. E NÃO É MAIS ADMISSÍVEL UMA SOCIEDADE QUE SE DIZ DEMOCRÁTICA, NÃO APENAS DEIXAR IMPUNES ESTES CRIMINOSOS DE LESA-HUMANIDADE, COMO SEGUIR CULTUANDO EM RUAS, MONUMENTOS E ESPAÇOS PÚBLICOS PESSOAS QUE COMETERAM VERDADEIRAS BARBARIDADES CONTRA O PAÍS, CONTRA SUA POPULAÇÃO E CONTRA A HUMANIDADE.

É SEMPRE IMPORTANTE LEMBRAR QUE, NA NOSSA OPINIÃO, VIVEMOS AINDA HOJE, NAS FAVELAS E PERIFERIAS DO PAÍS, UM VERDADEIRO ESTADO DE GENOCÍDIO BURGUES, RACISTA E AÚTORITARIO, CUJOS AGENTES ESTATAIS DE TODAS AS INSTÂNCIAS SE ACHAM DONOS DE TUDO E DE TODOS. A COMEÇAR PELA VIDA DAS PESSOAS, GERALMENTE POBRES E NEGRAS, QUE ELES ACHAM QUE SÃO DESCARTÁVEIS, CRIANDO UMA VERDADEIRA DITADURA CONTINUADA NO PAÍS.

HOJE MESMO ACABAMOS DE RECEBER A NOTÍCIA, VINDA DE COMPANHEIROS DA REDE CONTRA VIOLÊNCIA (RJ), QUE MAIS UM SENHOR COM CERCA DE 70 ANOS FOI ASSASSINADO GRATUITAMENTE POR AGENTES POLICIAIS NA FAVELA DE ACARI, QUANDO VOLTAVA DO MERCADO COM AS COMPRAS DEBAIXO DOS BRAÇOS. MAIS UMA FAMÍLIA QUE SE DESTROÇA!

A NOSSO VER, ESTA CONTINUIDADE DO HORROR SE DÁ, ENTRE OUTRAS RAZÕES, PELO SEQUESTRO DA HISTÓRIA E DA VERDADE SOBRE OS FATOS PASSADOS – QUE CRIARAM AS CONDIÇÕES PARA OS ATUAIS – E PELA IMPUNIDADE HISTÓRICA DISFRUTADA POR SEQUESTRADORES, TORTURADORES E ASSASSINOS AINDA HOJE PENDURADOS DENTRO DO ESTADO BRASILEIRO, BEM COMO EM GRUPOS PÁRA-MILITARES PRIVADOS LIGADOS A ELE. A LÓGICA DESTAS PESSOAS SEMPRE FOI DEFENDER OS ALTOS INTERESSES FINANCEIROS DE GRANDES GRUPOS ECONÔMICOS, CUSTE O QUÊ CUSTAR AO PAÍS E A NOSSA POPULAÇÃO.

POR ISSO TUDO NÓS, MÃES DE MAIO, SUBSCREVEMOS A CARTA ABAIXO, ESCRITA PELO COMPANHEIRO JORNALISTA ALÍPIO FREIRE, DESTINADA AO MINISTRO PAULO VANUCCHI, A QUEM TAMBÉM APOIAMOS NESTE EPISÓDIO QUE O COLOCOU FRENTE AOS PODERES MAIS CONSERVADORES E REACIONÁRIOS DO PAÍS.

ESPERAMOS, PROFUNDAMENTE, QUE O PRESIDENTE LULA NÃO DÊ SEQUER UM PASSO ATRÁS EM RELAÇÃO A ESTES IMPORTANTES AVANÇOS ANUNCIADOS FORMALMENTE PELO PLANO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. E QUE, AO CONTRÁRIO, POSSAMOS AMPLIAR IMEDIATAMENTE ESTA “COMISSÃO DA VERDADE” PARA QUE ELA TAMBÉM APURE OS ABUSOS E CRIMES RECENTES COMETIDOS AINDA HOJE POR DIVERSOS AGENTES DO ESTADO BRASILEIRO, NAS SUAS DIVERSAS INSTÂNCIAS.

UMA SOCIEDADE QUE NÃO ENCARA DE FRENTE SEU PASSADO,
TEM O PRESENTE CRIADO POR ELE, E PODE NÃO TER NENHUM FUTURO!

SEGUIREMOS ATENTAS E COM ATITUDE!
MÃES DE MAIO
em memória do senhor assassinado hoje na Favela de Acari (RJ)

Carta aberta a Paulo Vannuchi,
Ministro, Cidadão Brasileiro,
Companheiro e Amigo

Alipio Freire

Caro Paulo,

acabo de tomar conhecimento da notícia (abaixo) sobre a ameaça de pedido de demissão do ministro da Defesa Nelson Jobim, e dos seus patronos, os comandantes das Três Armas, e da negociação encaminhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A indignidade e o golpismo desses setores representados pelo ministro Jobim e os três comandantes não nos surpreende. Não nos surpreende sequer a escolha dos momentos de maior desmobilização (como as festas de final de ano) para que façam suas chantagens e gerem crises: entre outras medidas, o Ato Institucional Número 5 também foi anunciado na noite de uma sexta-feira, às vésperas das festas de final de ano de 1968 (13 de dezembro).

Gostaria sinceramente de me orgulhar das nossas Forças Armadas, que nos deram homens da envergadura de João Cândido, Luiz Carlos Prestes, Apolônio de Carvalho, Henrique Dufles Teixeira Lott, Alfeu D’Alcântara Monteiro, Carlos Lamarca – para ficarmos apenas no universo dos nomes mais conhecidos publicamente, sem citar os milhares de Marco Antônio da Silva Lima, José Raimundo da Costa, Otacílio Pereira da Silva, José Mariane Alves Ferreira, Onofre Pinto e tantos outros, alguns dos quais constam da lista daqueles que foram assassinados e outros que, além de assassinados, tiveram seus cadáveres ocultados – os “desaparecidos”, por ordem de seus antigos companheiros de farda.

A verdade, porém, é que a cúpula atual das nossas Armas, em sua grande maioria, pouco difere daqueles energúmenos que rasgaram a nossa Constituição com o golpe de 1964, e instalaram o Terror de Estado, para garantir os privilégios da elite econômica, o esbulho da classe trabalhadora e do nosso povo, e instituir consignas aviltantes, do tipo “O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”. Assim, por maior que sejam a minha boa vontade e meu esforço nesse sentido, não há como nos orgulharmos de instituições comandadas por políticas desse tipo. Mas, um dia as mudaremos, também.

Sim, senhor Ministro; sim, Cidadão Paulo Vannuchi; sim meu amigo e companheiro de todas as lutas e jornadas pela democratização e aprofundamento da democracia em nosso país: esses senhores de hoje são os mesmos de sempre. São aqueles mesmos que, com base na truculenta Doutrina de Segurança Nacional forjada no War College de Washington no imediato pós Guerra, forjaram a Lei de Segurança Nacional – LSN, que vigorou durante a ditadura, até ser derrubada pelas nossas jornadas democráticas da segunda metade dos anos 1970 e início dos 1980. A mesma torpe e sinistra LSN que o senhor ministro da Defesa Nelson Jobim tenta hoje restaurar, a mando dos seus superiores (os comandantes das Três Armas), a serviço dos interesses que em 1964 empolgaram grande parte da cúpula militar de então. Uma Doutrina e uma Lei de Segurança Nacional que transforma a nossa classe trabalhadora, nosso povo e todos os democratas e homens e mulheres de bem deste País, em “inimigos internos”, e achincalha nosso Exército, Marinha e Aeronáutica, conferindo-lhes o papel de polícias, de forças repressivas contra os nossos melhores cidadãos e cidadãs. Uma Doutrina e Lei de Segurança Nacional que transformam, enfim, nossas Forças Armadas, em Forças de Ocupação Interna, para a defesa dos interesses dos grandes centros econômicos internacionais, retirando-lhes e invertendo, assim, o papel mais digno, honrado e decente que deveriam cumprir: o de defensores da nossa soberania, e fiadores da nossa Constituição.

A impostura que eles e seus representados têm utilizado, é a questão do “revanchismo”, cada vez que falamos responsabilização judicial e punição nos termos das leis da Nossa República, que devem ser aperfeiçoadas nesse sentido. E isto, ainda que, a rigor, sequer necessitemos mudanças na atual Lei da Anistia, para levarmos aos nossos tribunais de hoje, os celerados de antanho. A leitura e argumentos do professor e jurista Fábio Konder Comparato sobre o texto da Lei de Anistia em vigor, especialmente no que diz respeito aos “crimes conexos”, são suficientes para levarmos em frente os processos – e esses generais, brigadeiros e almirantes que ora se insubordinam, sabem disto.

E sabem também que “revanchismo” seria pretender que os acusados (diretos ou indiretos) de crimes de tortura fossem seqüestrados, levados para cárceres clandestinos onde permaneceriam desaparecidos durante o tempo que melhor aprouvesse aos seus seqüestradores; onde seriam interrogados sob as mais aviltantes torturas; e, depois, aqueles que sobrevivessem aos meses de incomunicabilidade e sevícias, que sobrevivessem ao chamado “terror dos porões”, fossem submetidos à farsa burlesca do julgamento nos tribunais de guerra. Esses senhores sabem muito bem que não nos propomos a isto a que fomos submetidos; que não nos propomos a qualquer terror que lembre, sequer aparentemente, os métodos por eles utilizados, e que agora tentam acobertar. Sabem muito bem que somos homens e mulheres formados em outros princípios, e que jamais nos utilizaríamos de qualquer dos seus métodos, ou com eles seríamos coniventes. O que pretendemos pura e simplesmente é apenas responsabilização judicial e punição nos termos das leis da nossa República, dos responsáveis diretos pelas torturas e de seus mandantes, garantindo-lhes todo o direito de assistência jurídica e de defesa.

Exercer e/ou aperfeiçoar os mecanismos legais que constituem a República, é praticar a democracia – pois, para nós, a democracia é o exercício permanente de direitos isonômicos, e não um palavreado ambíguo e balofo, um florilégio para ornamentar discursos autoritários de lobos travestidos de cordeiros, como as recentes chantagens de pedido de demissão e criação de uma crise militar, num momento em que os chamados movimentos e organizações da sociedade civil estão desmobilizados, o Congresso Nacional e demais esferas legislativas em recesso e, no que diz respeito ao Judiciário, o País está à mercê do arbítrio pessoal de um trânsfuga que ocupará a Presidência do Supremo Tribunal Federal até o próximo dia 31 de dezembro, o doutor Gilmar Mendes.

Obviamente, num quadro como o descrito acima, o armistício foi a saída imediata possível – até por que, uma guerra não se perde e não se ganha numa única batalha. Além disto, nenhuma vitória (bem como nenhuma derrota) é definitiva. O certo é que nessa medição de forças experimentada – cujo desfecho esperado pelo ministro Jobim e seus patrões, seria a queda do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos – Paulo Vannuchi, tal não aconteceu e, se depender dos setores democráticos e mais bem informados do nosso povo, ao contrário do que pretendem os três comandantes militares (os homens fortes do Ministério da Defesa), quem poderá cair será o próprio senhor Nelson Jobim – o que entendemos, seria um grande avanço para a nossa ainda frágil democracia.

E não se trata de triunfalismo, ou efeito retórico: apesar da desmobilização de final de ano, lançado há apenas duas semanas, o Manifesto Contra Anistia a Torturadores, da Associação Juízes para a Democracia e dirigido  aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Procurador Geral da República e que circula na internet (acesse http://www.ajd.org.br/contraanistia_port.php), já reuniu cerca de 10 mil assinaturas. Iremos reforça-lo.

Sem dúvida, o respaldo do senhor Jobim – além dos tanques e baionetas, que encarnam apenas o braço armado de um conjunto de interesses econômicos e eleitorais – são aquelas mesmas forças que tramaram e organizaram há cerca de dois anos a crise dos aeroportos,  cuja culminância foi um dos maiores desastres aéreos dos últimos tempos, com mais de duas centenas de mortos, no aeroporto de Congonhas. Mas, que importância têm vidas humanas para ambições políticas, econômicas e pessoais de homens como o doutor Jobim e seus pares? O importante para eles é que toda a armação tramada resultou na queda do então ministro da Defesa, senhor Valdir Pires, e na ascensão do senhor Nelson Jobim.

Apenas para refrescar as nossas memórias, lembramos que, a primeira visita feita em São Paulo pelo ministro Jobim, depois de se deixar fotografar fantasiado de bombeiro entre os escombros do avião acidentado, foi ao seu amigo de longa data, o governador José Serra.

Entre outros, os interesses eleitoreiros da crise inaugurada neste 22 de dezembro de 2009 são tão óbvios, que nem merecem que os analisemos – sobretudo depois das sucessivas investidas neste sentido, ao longo deste ano (2009). Sobre o que eles prometem para o próximo ano, basta acessarmos “Reparação”, no link http://www.youtube.com/watch?v=8d61_1u1s2o – três minutos do trailer oficial do documentário longa-metragem que a direita lançará em 2010. Verdadeiro primor: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, lado a lado com outros coristas da dimensão do jornalista Demétrio Magnoli e do acadêmico Marco Antônio Villa – sim, amigo Vannuchi, uma verdadeira quadrilha naturalista (talvez não tão naturalista…).

Mas, continuaremos as nossas batalhas – que não começaram ontem, nem acabarão amanhã. E temos ainda toda energia necessária para as enfrentar e vencer. A mesma energia que nos garantiu poder chegar aos dias de hoje, de cabeça erguida, podendo olhar nos olhos de qualquer cidadão, pois jamais fomos reféns de quem quer que fosse, menos ainda, de canalhas.

A esse respeito, é muito interessante lermos e relermos cuidadosamente o depoimento (ver no pé desta mensagem) do coronel e torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-COD e que está sendo processado por familiares de algumas das suas vítimas: uma obra prima de ameaças e chantagens contra seus superiores hierárquicos nos tempos da ditadura. Lá estão todos os nomes. É como se o senhor Ustra dissesse: “Não senhores, não cairei sozinho. Tratem de livrar a minha barra, pois, do contrário, arrasto todos comigo”. Imagine, caro ministro Vannuchi, o pânico desses quatro senhores que ameaçaram criar uma crise militar… como se dizia em gíria de cadeia, “o maior sapo-seco”, “uma p… sugesta!”.

Pois é, meu Companheiro Vannucchi, seguimos mais uma vez juntos, e até o fim, nesta nova trincheira onde, mais uma vez ainda, o que está em jogo é a classe trabalhadora, o povo e todos os/as democratas e homens e mulheres de bem deste País.

Com o mais forte e fraternal abraço,

ao Ministro, ao Cidadão Brasileiro, ao Companheiro e ao Amigo,

de Alipio Freire

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here