Os Aliados preferiram bombardear o operariado alemão e austríaco, cujas simpatias comunistas e sociais-democratas eram bem conhecidas, do que aceitar a sua ajuda para combater o nazismo. Por João Bernardo
Os responsáveis da aviação aliada procuraram deliberadamente provocar vítimas entre a população civil. «Em Fevereiro de 1942», escreveu alguém que viveu estes acontecimentos, «o marechal do ar Arthur Harris recebeu o comando dos bombardeiros da RAF [Royal Air Force, força aérea britânica] com instruções do Gabinete de Guerra para desencadear uma ofensiva sistemática contra as cidades alemãs “tendo como alvo principal o moral da população civil e especialmente dos operários da indústria”» [1]. O mesmo sucedeu na Itália, onde os bombardeamentos aéreos procuraram sobretudo arrasar os bairros operários das principais cidades para minar o espírito de resistência dos habitantes [2]. E em Janeiro de 1943 a conferência anglo-americana de Casablanca decidiu lançar uma grande ofensiva aérea contra o Reich com o propósito de, segundo a directiva emanada dos estados-maiores, «destruir e desarticular progressivamente o sistema militar, industrial e económico alemão e minar o moral da população alemã até que esteja fatalmente comprometida a sua capacidade de resistência armada» [3]. Segundo os planos dos Aliados, os bombardeamentos aéreos previstos para 1943 e 1944 deveriam deixar sem abrigo três quartos da população urbana do Reich e fariam novecentos mil mortos e um milhão de feridos graves [4]. Tanto esta táctica como as expressões usadas se inspiraram nos bombardeamentos efectuados pela aviação nacionalista sobre a Madrid republicana em Outubro e Novembro de 1936, que deixaram alguns milhares de mortos e uma cidade em chamas. Também o chefe da aviação de Franco indicara a sua intenção de «desmoralizar a população através de bombardeamentos aéreos» [5]. As democracias tinham aprendido na boa escola, embora neste caso as ambições mortíferas do Aliados se revelassem talvez superiores às suas possibilidades [6].
Inicialmente as dificuldades sentidas pela RAF de efectuar voos diurnos sobre o Reich e a incapacidade de atingir os alvos com exactidão durante a noite poderiam explicar a preferência pelo bombardeamento global de áreas administrativas e industriais, o que era mais proveitoso do que tentar em vão arrasar objectivos precisos, mas provocava inevitavelmente o morticínio da população civil. Este sistema foi introduzido no final de 1940 e passou a ser adoptado com regularidade desde os meados do ano seguinte. De então em diante, todavia, novos instrumentos, novos aviões e novas técnicas de combate permitiram que os Aliados começassem a proceder sistematicamente a operações durante o dia e que, mesmo de noite, atingissem os alvos com grande precisão [7]. Poderia imaginar-se que a partir daí os estrategas dessem a prioridade aos objectivos industriais, e com efeito é isto que se lê na directiva emanada em Junho de 1943 do comité conjunto dos chefes de estado-maior anglo-americanos, confirmada dois meses depois pelo presidente dos Estados Unidos e pelo primeiro-ministro britânico na conferência de Québec [8]. Mas foi o contrário que sucedeu. Apesar destas duas directivas a aviação aliada não deixou de se mostrar interessada pelo bombardeamento global de áreas e pelo massacre de civis, e logo em Julho e Agosto desse ano os bombardeamentos de Hamburgo visaram principalmente os habitantes e fizeram quarenta e cinco mil mortos [9]. Mais tarde, nos últimos meses da guerra, a capacidade de concentrar poder destrutivo em alvos circunscritos, que serviu aos Aliados para atingir estabelecimentos fabris, foi usada igualmente para devastar os centros urbanos com uma eficácia sem precedentes e para chacinar a população civil em números sempre mais elevados [10]. E embora em Setembro de 1944 o comité conjunto dos chefes de estado-maior insistisse que os bombardeiros procurassem instalações industriais, chegou-se afinal ao resultado prático oposto [11]. Em Janeiro de 1945 o Ministério da Aviação britânico concebeu um novo plano de destruição sistemática dos maiores centros populacionais do Reich, executado nos meses seguintes pelas forças aéreas conjuntas no âmbito do supremo comando aliado, com o objectivo suplementar de agravar o caos económico perturbando os fluxos de refugiados e interrompendo o abastecimento alimentar [12]. Quando a guerra terminou estavam reduzidas a escombros todas as grandes cidades alemãs, com um custo em vidas de civis calculado entre setecentos e cinquenta mil e um milhão [13]. O mesmo sucedeu no resto da Europa ocupada pelos nazis. Em França a aviação aliada foi responsável pela morte de um número de civis superior ao provocado entre a população civil britânica pelos ataques da Luftwaffe [força aérea do Reich] [14]. E durante o período de vigência da República Social Italiana [o reduto de Mussolini no norte da Itália sob a tutela directa das tropas germânicas] mais de cinquenta mil civis pereceram nos centros urbanos do norte da Itália sob os bombardeamentos aéreos aliados [15].
Estavam aqui em disputa duas estratégias. Ou os Aliados bombardeavam a população operária dos países submetidos ao fascismo ou procuravam ampliar e fortalecer as suas redes de contactos com a resistência operária antifascista, e uma opção excluía a outra [16]. Esta alternativa fica muito clara quando vemos o marechal do ar Harris opor-se sistematicamente aos pedidos do SOE [Special Operations Executive, um organismo secreto britânico de carácter militar, criado para prosseguir acções de sabotagem e de apoio à resistência] para que fosse reforçado o auxílio à resistência [17] e no Inverno de 1943-1944 eram apenas vinte e três os aviões disponibilizados por Harris para transportar agentes de ligação e armas destinadas aos resistentes no noroeste do continente [18]. Só a partir do final de Janeiro de 1944, por pressão directa de Churchill e também graças à intervenção da aviação norte-americana, se intensificou o apoio aéreo à resistência francesa [19]. No que dizia respeito ao Reich, todavia, a estratégia manteve-se invariável e os Aliados preferiram bombardear o operariado alemão e austríaco, cujas simpatias comunistas e sociais-democratas eram bem conhecidas, do que aceitar a sua ajuda para combater o nazismo [20]. Mesmo a mão-de-obra estrangeira enviada para o Reich como escravos ou no âmbito do serviço de trabalho obrigatório não foi aproveitada para a actividade clandestina do SOE [21], e esta omissão foi o reverso da política do Gabinete de Guerra britânico, que optou por lançar bombas sobre os bairros operários da Itália e da França ocupada.
E assim, entre o começo de 1943 e o final de 1944, enquanto os aviões dos Aliados chacinavam metodicamente a população civil, a produção de armamentos do Reich aumentou duas vezes e meia [22]. Nas suas memórias, Albert Speer, que depois de ter sido o arquitecto particular de Hitler e um dos seus mais próximos colaboradores foi nomeado, no início de 1942, ministro encarregado de supervisionar o esforço de guerra da indústria germânica, fingiu um espanto ingénuo perante o facto de a aviação aliada não ter alvejado com afinco as principais instalações industriais, o que teria impedido a produção de material de guerra e antecipado o final do conflito. Por exemplo, o bombardeamento aéreo das grandes fábricas de rolamentos de esferas iniciou-se em Agosto de 1943, mas foi prosseguido de maneira dispersa e não se renovou com regularidade, recomeçando em Fevereiro do ano seguinte para ser novamente suspenso em Abril. «Pela sua falta de persistência», escreveu Speer, «os Aliados deixavam uma vez mais escapar-lhes o êxito. Se tivessem continuado com a mesma tenacidade os bombardeamentos de Maio e de Abril depressa teríamos chegado ao limite dos nossos recursos». Ninguém era mais competente do que ele para afirmar que quatro meses de ataques simultâneos dirigidos contra todas as fábricas de rolamentos de esferas e renovados sistematicamente deixariam a produção de armamento do Reich completamente paralisada [23]. O mesmo tipo de situações repetiu-se em relação a outros ramos da economia [24] e Speer observou que «o inimigo teria sem dúvida tido mais oportunidades de realizar a sua esperança de concluir a guerra durante o Inverno de 1944-1945 se tivesse aniquilado a nossa indústria química» [25]. Mas para alguém com o seu passado e saído da prisão há poucos anos, referir este assunto era como pisar ovos. Decerto ele se apercebeu de que não eram convincentes as hipóteses que propunha para explicar a estratégia dos Aliados e que se resumiam em admitir que os seus estados-maiores estivessem mal informados [26]. Ao mesmo tempo que apresentava esta versão no corpo do texto, nas notas Speer insinuava algo muito diferente, mostrando como o marechal Harris, comandante-chefe dos bombardeiros britânicos, se opôs tenazmente ao seu próprio director de operações, que pretendia prosseguir a destruição sistemática das fábricas de rolamentos de esferas, o que o marechal conseguiu a todo o custo evitar [27], preferindo alvos civis. Era suspensa a devastação de instalações industriais indispensáveis ao esforço de guerra nazi para se lançarem terríveis ataques aéreos que chacinavam os habitantes dos grandes centros urbanos do Reich [28]. O mesmo princípio vigorou para o resto da Europa ocupada pelos nazis. Em Julho de 1943, por exemplo, a aviação britânica atacou Sochaux, no leste da França, onde a fábrica Peugeot produzia componentes de tanques de guerra. Houve um grande número de vítimas civis, mas o único estrago nas instalações fabris foram os vidros das janelas partidos pela explosões [29].
Um especialista da economia alemã do imediato pós-guerra descreveu com lógica rigorosa as consequências desta estratégia, considerando que «é um facto de importância capital, e que domina toda a economia alemã de hoje, que os bombardeamentos tivessem sido muito mais sensíveis sobre as cidades e os nós de comunicação do que sobre as forças produtivas». Ao analisar em seguida os diferentes graus de violência com que foram visados os vários ramos da indústria, este autor concluiu que «a indústria pesada, base essencial da indústria de guerra, saía do conflito menos atingida do que qualquer outra», e prosseguiu: «Esta situação das estruturas de produção, que foram relativamente poupadas, contrastava com as destruições muito mais graves dos meios de comunicação. […] Mas nenhuma ruína se comparava às das grandes cidades». As destruições de imóveis em Hamburgo, por exemplo, foram superiores às verificadas em toda a Grã-Bretanha, e não foi sequer essa a cidade que mais sofreu. «Os elos resultantes de interesses económicos ou financeiros passando por cima das fronteiras […] foram em alguns casos um factor de protecção, de que as imensas instalações da I. G. Farben, poupadas no meio das ruínas, oferecem em Frankfurt um exemplo ostensivo», escreveu aquele economista. «No mesmo sentido pôde exercer efeitos o desejo de proteger certas empresas na vanguarda do progresso técnico. Senão, como explicar, para citar apenas este exemplo, que a fábrica do Wiedia (aço especial, duro como o diamante “wie Diamant”), um dos motivos de orgulho da técnica alemã, tivesse sido a única intacta das fábricas Krupp em Essen, a duzentos metros de um campo de ruínas?». Recorrendo ao conveniente estilo retórico – «Como explicar esta fúria desencadeada sobre as cidades, mais do que sobre as fábricas?» – aquele autor encerrou o balanço com o cinismo de que os verdadeiros académicos são mestres: «viu-se que era sobretudo eficaz, para atingir uma indústria, visar o pessoal de preferência ao material» [30]. Escrevendo quase meio século depois, não foram diferentes as conclusões a que chegou outro especialista. «Os bombardeiros de longo alcance da RAF foram usados contra alvos civis e apagaram assim a distinção entre combatentes e não combatentes, colocando os operários fabris numa situação de perigo tão mortal como aquela a que se expunham as tropas de infantaria» [31].
Não posso senão pasmar perante uma tão sábia divisão do trabalho. Enquanto davam aos nazis toda a latitude para massacrarem os judeus e o «bolchevismo judaico», os Aliados iam chacinando a população operária na Europa submetida aos nazis. Como poderiam alguma vez as democracias combater os fundamentos do Terceiro Reich?
Nota do Passa Palavra
Aproveitando as lacunas da historiografia comum sobre a acção dos Aliados na segunda guerra mundial, os movimentos neonazis têm tentado instrumentalizar para a sua causa o bombardeamento de Dresden, realizando todos os anos manifestações de «desagravo» naquela cidade. Mas desta vez foram impedidos de desfilar por uma grande mobilização de partidos e grupos da esquerda alemã. Veja o vídeo Dresden (Alemanha): neonazis impedidos de desfilar.
Notas
[1] G. Vassiltchikov (org. 1991) 71. Ver também A. Calder (1991) 39. Em 1 de Maio de 1944, o judeu alemão Victor Klemperer registou no seu diário: «Enquanto meio de pressão sobre o moral, a ofensiva aérea é um fracasso». Ver M. Chalmers (org. 2006) 361. Note-se que em 1939 e em 1940, durante a drôle de guerre, a aviação britânica não lançara bombas, mas panfletos, sobre as cidades do Reich, como indica Angus Calder em op. cit., 21.
[2] R. Overy, «Strategic Air Offensives, 2. Against Europe outside Germany», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 1073.
[3] Citada em «Combined Bomber Offensive», em id., ibid., 253.
[4] A. Calder (1991) 39.
[5] General Alfredo Kindélan citado em P. Broué et al. (1961) 229.
[6] A. Calder (1991) 39.
[7] A. N. Frankland, «Strategic Air Offensives, 1. Against Germany», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 1071-1073; D. Richards, «Air Power», em id., ibid., 19-20.
[8] «Combined Bomber Offensive», em id., ibid., 253.
[9] «Hamburg Air Offensive», em id., ibid., 523. A. Calder (1991) 40 considerou que talvez tivesse havido cinquenta mil mortos e quarenta mil feridos.
[10] A. N. Frankland, «Strategic Air Offensives, 1. Against Germany», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 1073.
[11] «Portal, Marshal of the Royal Air Force Sir Charles», em id., ibid., 910.
[12] Ch. Messenger, «Dresden, Raid on», em id., ibid., 311-312.
[13] A. N. Frankland, «Strategic Air Offensives, 1. Against Germany», em id., ibid., 1073. Por seu lado, G. Vassiltchikov (org. 1991) 71 mencionou cerca de seiscentas mil vítimas civis.
[14] J. Galtier-Boissière et al. (1949) V 374-375; R. Overy, «Strategic Air Offensives, 2. Against Europe outside Germany», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 1076; R. O. Paxton (1973) 230, 289. A crer em R. Belin (1978) 193, mais de setenta mil civis franceses foram mortos nos bombardeamentos aliados, mas um documento de origem norte-americana, transcrito por Jean Galtier-Boissière et al. em op. cit., V 391, contabilizou cinquenta e cinco mil vítimas mortais. Segundo D. Wolf (1969) 391 n. 1, que me parece melhor documentado, os ataques aéreos aliados teriam provocado na população civil francesa mais de sessenta e sete mil mortos, enquanto se contaram em cerca de sessenta mil os civis britânicos que morreram devido às operações efectuadas pela aviação do Reich. Também Dear et al. em op. cit., 1135 calcularam em sessenta mil as vítimas mortais dos bombardeamentos aéreos germânicos sobre a Inglaterra e indicaram de forma vaga (pág. 393) que as vítimas francesas da aviação aliada somaram mais de sessenta mil.
[15] R. Overy, «Strategic Air Offensives, 2. Against Europe outside Germany», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 1073-1074.
[16] M. R. D. Foot (2008) 28.
[17] Id., ibid., 112.
[18] Id., ibid., 269.
[19] Id., ibid., 270.
[20] Id., ibid., 245.
[21] Id., ibid., 192.
[22] A. Calder (1991) 40.
[23] A. Speer (1979) 380-382. O trecho citado encontra-se na pág. 382.
[24] Id., ibid., 465-466, 468, 530-531, 548.
[25] Id., ibid., 747 n. 5.
[26] Id., ibid., 382-383, 721 n. 22.
[27] Id., ibid., 719-720 nn. 17, 20.
[28] Id., ibid., 380, 383, 720 n. 17.
[29] M. R. D. Foot (2008) 266.
[30] A. Piettre (1952) 65-67 (subs. orig.). Segundo H. Langbein (1981) 75, apesar das mensagens enviadas pelos organismos de resistência dos prisioneiros de Auschwitz reclamando bombardeamentos aéreos que destruíssem, além das câmaras de gás e dos fornos crematórios, as fábricas que a Krupp instalara ao lado do campo de concentração, tanto aquelas instalações do genocício como as da indústria de guerra foram poupadas pela aviação aliada.
[31] M. Fritz, «Economic Warfare», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 320.
Referências
René BELIN (1978) Du Secrétariat de la C. G. T. au Gouvernement de Vichy (Mémoires 1933-1942), Paris: Albatros.
Pierre BROUÉ e Émile TEMIME (1961) La Révolution et la Guerre d’Espagne, Paris: Minuit.
Angus CALDER (1991) The Myth of the Blitz, Londres: Jonathan Cape.
Martin CHALMERS (org. 2006) To the Bitter End. The Diaries of Victor Klemperer, 1942-1945, Londres: The Folio Society.
I. C. B. DEAR e M. R. D. FOOT (orgs. 1995) The Oxford Companion to the Second World War, Oxford e Nova Iorque: Oxford University Press.
M. R. D. FOOT (2008) SOE. An Outline History of the Special Operations Executive 1940-1946, Londres: The Folio Society.
Jean GALTIER-BOISSIERE e Charles ALEXANDRE (1949) Histoire de la Guerre, 1939-1945, vols. IV e V, Paris: Crapouillot.
Hermann LANGBEIN (1981) La Résistance dans les Camps de Concentration Nationaux-Socialistes, 1938-1945, [Paris]: Arthème Fayard.
Robert O. PAXTON (1973) La France de Vichy, 1940-1944, Paris: Seuil.
André PIETTRE (1952) L’Économie Allemande Contemporaine (Allemagne Occidentale) 1945-1952, Paris: M. Th. Génin.
Albert SPEER (1979) Au Coeur du Troisième Reich, [Paris]: Fayard (Le Livre de Poche).
George VASSILTCHIKOV (org. 1991) The Berlin Diaries 1940-1945 of Marie “Missie” Vassiltchikov, Londres: The Folio Society.
Dieter WOLF (1969) Doriot. Du Communisme à la Collaboration, Paris: Fayard.
Eu não tinha entendido este artigo até ver o vídeo e o comentário sobre a marcha anti-nazi em Dresden.
A nova literatura de história militar toca no tema, como o Beevor que ficou famoso ao tratar de aspectos desagradáveis da ocupação soviética em Berlin e da defesa de Estalingrado, com o uso de desperdício humano.
http://en.wikipedia.org/wiki/Bombing_of_Dresden_in_World_War_II
O bombardeio “por Carpete” pulverizando bombas numa área calculada em metros quadrados em áreas havia sido desenvolvido e calculada por precisão por engenheiros e estatísticos (como o Macnamara) com bombas menores espalhadas em áreas concentradas de modo preciso), os EUA utilizaram sucessivamente no Japão, incendiando em média 40 a 60% das cidades, ou como Dresden na Alemanha, Vietnã, etc. O que envolve estes bombardeios é uma configuração múltipla que passa, principalmente, pela aterrorização da população civil, evitando que se reorganizem e fazendo com que se rompam os vínculos sociais e comunitários.
Outra situação derivada foi a destruição da represa de Mohne com a bomba que quicava na água, calculada e feita só para isso: “barragem cedeu… Uma torrente de mais de 40 metros se precipitou para o vazio. O espetáculo, dantesco, se ofereceu ante os olhos dos pilotos britânicos. Milhões de toneladas de água, precipitando-se sobre o vale, alagando tudo, tudo destruindo à sua passagem. Gibson, disse, referindo-se a esse momento, que “provavelmente nenhum homem terá ocasião jamais de contemplar espetáculo semelhante”.
Mas porque este terror todo? Talvez por causa do conceito operador de origem militar de Material Humano (estou terminando texto a respeito), conforme prevalecia na primeira guerra mundial, isto é, o volume de população mandada para o combate em termos demográficos é determinante na primeira guerra como fator que garantiria a vitória (mandando-se as paessoas para a morte sucessivamente, até que ao final quem possuir mais população em reserva, ganha o combate) o que chamavam Guerra de Desgaste ou guerra de materiais.
“Mas porque este terror todo?”
E porque não considerar a hipótese de se ter como objectivo impedir qualquer veleidade revolucionária por parte do proletariado, tal como tinha acontecido no final da 1ª grande guerra imperialista? Afinal, sempre apanharam um susto dos grandes e tudo foi mobilizado para o combater.
como aqui:
http://gci-icg.org/spanish/comunismo39.htm#dresde
Acho que para compreender o bombardeio somam-se estes elementos:
A) Combater a possibilidade de ação revolucionária e de resistência popular auto-organizada e, dentro desta, tanto tendências comunistas e socialistas radicais quando simplesmente “progressitas” em aliança com comunistas que deixariam o conflito interno principal para mais tarde, como na resistência francesa citada por João Bernardo que também em outras ocasiões mostra que passa a ser não só uma aliança comunista ou classista, mas uma aliança com a burguesia nacional e mesmo fascistas franceses contra a ocupação por facistas estrangeiros.
Aliás regiões industriais na alemanha encontravam sim militantes escondidos e muitas vezes em redes de comunicação. Os oficiais do exército vermelho também, quando os viam, mandavam para os Gulag e submetiam à violências ou prendiam com a justificativa de que se fossem social-democratas resistentes ou comunistas teriam organizados a guerrilha no interior da Alemanha. – Aliás muitos dos fugitivos da SPD e comunistas alemães que fugiram para a URSS foram mandados também para os Gulag.
B) O fator de possível resistência nazi com apoio entre a população, o que ocorreria em setores como o Sul da Alemanha, mas não em Dresden.
C) Desgaste demográfico em relação ao fornecimento de elementos para o exército.
D) Tornar a população desorganizada internamente e submissa a qualquer grupo de auxílio enviado posteriormente.
Mas cabe colocar que não acho que qualquer resitência nazi que houvesse antes do bombardeio acabasse resvalando no apoio posterior, mas, ao contrário, encontra a base de apoio na disputa a respeito da memória do bombardeio como humilhação nacional e a construção da ideologia de que a violência teria sido maior que a sofrida pelos judeus ou ainda que a dos campos teria sido mentira criada pelos aliados.
E acredito que a questão da resistência popular armada e a sua base de apoio na população são as questões mais visadas, mas, na cabeça dos estrategos e especialistas, são tratados simplesmente como material humano descartável, pois não seria garantida sua inteira submissão aos projetos que viriam depois, como a partilha da Europa entre os vencedores do conflito.
As resistências deixam muito a desejar enquanto forças empenhadas no comunismo e na revolução. Além de terem desarmado qualquer veleidade desse género, em França e Itália,por exemplo, chegaram ao ponto de perseguir e mesmo assassinar militantes internacionalistas que não se deixaram arrastar para um dos lados do conflito inter-imperialista em nome do antifascismo. Por exemplo: o assassinato de Mario Acquaviva e Fausto Atti pelos estalinistas italianos que por outro lado amnistiavam os fascistas.
Sobre aspectos desagradáveis da ocupação soviética de Berlim, existe um texto contemporâneo (dos acontecimentos, 1948) do comunista de conselhos Paul Mattick:
http://www.marxists.org/archive/mattick-paul/1948/10/berlin.htm