Dois anos do desaparecimento forçado de Michel Antônio de Oliveira da Silva

No ano em que o Caso Acari completa 20 anos de impunidade a luta por justiça e contra o esquecimento deve continuar porque a “arte” macabra de matar e desaparecer com os corpos continua. Ontem, dia 05 de abril de 2010, completaram dois anos de mais um caso de desaparecimento forçado na cidade do Rio de Janeiro. Mais um entre vários semelhantes por todo o Brasil.

Há dois anos, no dia 05 de abril de 2008, desaparecia, na Praia de Ramos, Michel Antônio de Oliveira da Silva. Michel, 20 anos, era ajudante de caminhão e às vezes também trabalhava com sua mãe em um estacionamento, como guardador de carros e tinha uma filha pequena. Foi torturado, morto e teve o corpo desaparecido por milicianos de Ramos. Há relatos de moradores e familiares de vítimas de que há uma grande quantidade de pessoas desaparecidas em Ramos em razão da ação de milicianos. O silenciamento imposto pelos milicianos impede que muitos familiares possam denunciar os casos.

Dona Ana Lúcia de Oliveira, mãe de Michel, só conseguiu encontrar o corpo meses depois do desaparecimento, graças à sua persistência nas buscas. Depois de passar meses peregrinando por delegacias de polícia, hospitais e IML’s, tornando-se já conhecida nestes lugares, dona Ana Lúcia conseguiu fazer o reconhecimento do filho a partir de uma foto exibida no computador doIML e identificou que se tratava de seu filho por meio de um chaveiro que ela o havia presenteado no dia de seu aniversário, onde estava escrita a palavra “Jesus”, e pela tatuagem que ele tinha nas costas.

No IML, dona Ana ficara sabendo que o corpo do filho havia sido encontrado na praia da Ilha do Governador, em estado de decomposição depois de ter ficado nove dias dentro d´água. Mesmo com todo sofrimento e dor que sentia e que quase a impedia de agir, Dona Ana ainda teve que arrumar forças para correr atrás das burocracias a fim de conseguir identificar o corpo através de um exame de DNA, senão ainda teria que ver o filho enterrado como indigente. Quando chegou o momento de ver o corpo do filho de perto, no IML, o funcionário recomendou a dona Ana Lúcia que não olhasse porque iria sofrer ainda mais com a imagem que veria. E realmente a cena foi tão forte que abalou dona Ana Lúcia de uma tal forma que durante o enterro não teve mais força para acompanhar a descida do caixão: o corpo estava sem cabeça.

Há relato de outro caso, também em Ramos, de uma mãe, conhecida de dona Ana Lúcia inclusive, e cujos filhos também se conheciam, que encontrou apenas a cabeça do filho sem o resto do corpo e conseguiu provar que era seu filho através do exame de DNA, mas neste caso o filho foi enterrado como indigente e a mãe ainda hoje não conseguiu o atestado de óbito. Dona Ana Lúcia se queixa e protesta contra o despreparo dos funcionários das repartições públicas, principalmente quando se trata da polícia, em lidar com seu sofrimento e sua indignação.

O Brasil é um país atrasadíssimo na discussão sobre desaparecimento forçado de pessoas, a começar pelos desaparecidos políticos, uma questão até hoje não resolvida e ponto polêmico e incômodo no programa de direitos humanos de todos os governos pós-ditadura e que prossegue agora durante o governo Lula. Enquanto isto muitos familiares, de ontem e de hoje, prosseguem as rotinas agonizantes de busca, sem praticamente nenhum acesso aos serviços de justiça ou a algum tipo de acompanhamento psicológico. São as mortes sem sepultura de um luto permanente. Dona Ana Lúcia passou a participar da militância pelos direitos humanos, onde tem encontrado espaço para socializar sua dor e politizar sua luta.

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