O Movimento por Justiça de El Barrio pretende lutar pela libertação das mulheres, imigrantes, pessoas de cor, homossexuais e a comunidade transgênera. O neoliberalismo deseja nos dividir e evitar que nós juntemos as nossas forças. Nós vamos derrotá-lo ao continuar unificando toda nossa comunidade. Por R. J. Maccani
[Embora este artigo date de 2008, divulgamo-lo agora não só pela sua importância intrínseca mas também porque ajuda a compreender outros artigos sobre as lutas sociais em El Barrio, ou East Harlem, em Nova Iorque, que já publicámos – veja aqui – ou publicaremos futuramente. Passa Palavra]
“Para o Movimento por Justiça de El Barrio, a luta por justiça significa lutar pela libertação das mulheres, imigrantes, lésbicas, as pessoas de cor (latino-americanos, afro-americanos, asiáticos e indígenas), homossexuais e a comunidade transgênera. Todos temos um inimigo em comum que se chama neoliberalismo. O neoliberalismo deseja nos dividir e evitar que nós juntemos as nossas forças. Nós vamos derrotá-lo ao continuar unificando toda nossa comunidade até que conquistemos a libertação de todos”. (Declaração Internacional em Defesa de El Barrio, Movimento por Justiça de El Barrio, Março 2008)
Movimento por Justiça de El Barrio (Movimento) é uma organização composta majoritariamente por mexicanos de baixa renda, que estão lutando contra o despejo neoliberal de seus vizinhos há mais de três anos. Como aderentes à Sexta Declaração e à Outra Campanha, consideram que seu trabalho é “zapatismo urbano no coração da cidade de Nova Iorque”. Este zapatismo urbano é uma ponte pela qual os 400 integrantes do Movimento se encontram entre os 30 edifícios de apartamentos, nos quais vivem. Ao caminhar por esta ponte zapatista, eles se conectam a seus vizinhos, a outras pessoas que lutam contra os despejos por toda a cidade de Nova Iorque, a seus companheiros da Outra Campanha e a seus aliados de todas partes do mundo.
“Aqui estamos, e não vamos sair!”
A cidade de Nova Iorque está composta por cinco grande peças: Brooklyn, o Bronx, Manhattan, Queens e a Ilha da Estátua. Muitas vezes nos referimos a Manhattan simplesmente como “a cidade”, um lugar ao qual o resto de nós, os neoiorquinos, vamos para trabalhar, para nos encontrar ou para sair à noite. Manhattan, um muito importante centro comercial, financeiro e cultural dos Estados Unidos e do mundo, foi a terra e o território dos Lenape antes da colonização européia. Manhattan, que foi o lar de gerações de imigrantes revolucionários – desde Emma Goldman até os Young Lords – há várias décadas, vem sendo transformada pelo despejo neoliberal para converter-se num campo de jogo das ricas transnacionais.
Hoje, os cérebros do desenvolvimento imobiliário capitalista vêem o leste de Harlem como a “última fronteira” de Manhattan. É um dos últimos lugares que sobraram na cidade onde as pessoas pobres podem viver. Chamado comummente de “o Harlem Espanhol”, ou simplesmente “El Barrio”, o leste de Harlem é o lar de mais de cem mil habitantes, e a metade deles são latino-americanos.
O espanhol continua sendo o idioma que mais se fala aqui depois do inglês, agora seguido pelo chinês e outros idiomas asiáticos, assim como pelo árabe e vários idiomas africanos. Enquanto há uma geração atrás o rosto latino de El Barrio era predominantemente porto-riquenho – isto é, com condição de cidadão –, hoje está, cada vez mais, formado por imigrantes do México e de outros países latino-americanos, muitos dos quais não possuem cidadania estadunidense (nem, para o caso, qualquer situação migratória legal) e que formam essa população de língua hispânica. Quase 40% dos residentes de El Barrio vive na miséria. É aqui, neste lugar e neste tempo, que surgiu o Movimento.
Movimento por Justiça de El Barrio nasceu há mais de três anos, quando os residentes de El Barrio começaram a se organizar contra os problemas que enfrentavam com seus proprietários. Eles tinham o apoio do organizador Juan Haro, que foi membro fundador do grupo Amanhecer Zapatistas Unidos na Luta (AZUL), uma organização mexicana inspirada pelo zapatismo e em solidariedade aos zapatistas. Juntos, eles conseguiram se organizar contra os proprietários para ter suas demandas atendidas.
Com moradores organizados em cinco edifícios, Haro e os membros fundadores decidiram formar o Movimento, em dezembro de 2004, como uma organização de base popular conduzida por imigrantes que lutaria por justiça social e contra todas as formas de opressão em El Barrio. Nos últimos três anos e meio, o Movimento tem utilizado a difusão midiática, as demandas jurídicas, protestos públicos e ações diretas contra os proprietários, oficiais de hipotecas e dependências do governo municipal, para impugnar o injusto sistema de moradia que busca desalojá-los.
Em agosto de 2005 o Movimento começou a estudar os movimentos por justiça social com base local de todas as partes do mundo, para entender melhor sua própria luta neste contexto global e histórico. Os zapatistas e a Outra Campanha estavam entre os movimentos analisados. Inspirados pelo que aprenderam, eles decidiram aderir à Sexta Declaração e, como a maioria de sua população é mexicana, o Movimento decidiu unir-se também à Outra Campanha. Não o fizeram em silêncio…
A Outra Campanha no Outro Lado
O Movimento por Justiça de El Barrio organizou protestos no Consulado do México em Nova Iorque em solidariedade ao povo de Atenco e, a pedido de vários grupos aliados na região, começou a dar sinais do que é o zapatismo e a Outra Campanha.
Em novembro de 2006 os integrantes do Movimento viajaram cerca de 2 mil milhas na fronteira de El Paso com Ciudad Juárez para assistir às reuniões da Outra Campanha com a Comissão Sexta dos zapatistas. Participaram numa ocupação simbólica da fronteira, e num vídeo apresentaram as vozes e os rostos de uma dezena de seus companheiros que não podiam fazer a viagem. O vídeo foi criado coletivamente e se chama Nuestro Mensaje a los Zapatistas (Nossa Mensagem aos Zapatistas).
Apresentando passagens de entrevistas com os membros do Movimento, Nuestro Mensaje… é uma poderosa expressão de sua perspectiva, sua posição política e sua direção como imigrantes mexicanos lutando por justiça “do outro lado”. Discutindo vários temas conflitantes e com as vozes de homens e mulheres em igualdade, o vídeo captura seus pontos de vistas sobre por que deixaram o México, os partidos políticos corruptos mexicanos, suas lutas na cidade de Nova Iorque por moradia, trabalho, pela situação migratória e o Consulado do México, assim como seu compromisso com a igualdade de direitos de mulheres, lésbicas, homossexuais e transgêneros e suas razões para unir-se à Outra Campanha.
O vídeo é uma forte acusação contra o sistema político mexicano, a globalização neoliberal e a opressão nos Estados Unidos. Ao descrevê-lo como “o toque mágico para encontrar um novo caminho”, Víctor Caletre explica no vídeo que a Outra Campanha os inspira para “lutar na cidade de Nova Iorque e reclamar justiça agora”, ao tempo que se preparam para conseguir uma meta maior: “libertar o México e regressar”.
Em 2007 o Subcomandante Insurgente Marcos, durante sua assistência à reunião na fronteira, em sua qualidade de Delegado Zero, respondeu-lhes com um vídeo-comunicado com o título Mensagem dos Zapatistas. Dirigidas ao Movimento por Justiça de El Barrio, para todos os imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, assim como às pessoas de cor (latino-americanos, afro-americanos, asiáticos e povos indígenas), às mulheres, lésbicas, homossexuais e transgêneros que vivem aqui na cidade, as palavras do Subcomandante Marcos são um poderoso eco da mensagem original do Movimento, de autonomia e solidariedade.
Inspirados por este diálogo, os companheiros de Movimento começaram a falar de sua luta com comunidades por toda a cidade, utilizando os vídeos para conectar ativamente sua organização local e o trabalho da Outra Campanha com muitas outras lutas.
Também nesse verão, o Movimento começou a trabalhar para contribuir com a organização do Fórum Nacional contra a Repressão mobilizando integrantes da Outra Campanha que vivem nos Estados Unidos, assim como com aderentes da Sexta Declaração por todo o mundo, para fazer eco das iniciativas nacionais do Fórum.
“Do Norte do Rio Bravo, nos enche de dor e raiva saber da repressão exercida pelo governo mexicano contra a Outra Campanha. A repressão começou há mais de um ano com os terríveis acontecimentos repressivos em San Salvador Atenco. Enquanto a força da Outra Campanha foi crescendo, a repressão se estendeu a Oaxcaca, Yucatán, Chiapas, San Luis Potosí e por todos os lados do país… Tudo isto nos enche de indignação. Por isso, fazemos uma proposta para podernos unir nossas lutas como parte da Outra Campanha contra a repressão e pela liberdade d@s pres@s polític@s no México.”
E assim, junto com as ações que levaram a cabo por toda parte do México e do mundo, o Movimento realizou um fórum público em 18 de julho de 2007 sobre a repressão contra a Outra Campanha, ao qual assistiram trabalhadores chicanos e mexicanos, artistas, poetas, professores e trabalhadores da construção, entre outros. Pouco menos de um mês mais tarde, fez protestos e performances teatrais nas ruas do El Barrio, “para informar a comunidade sobre o que está acontecendo no México e que não se noticia na televisão nem daqui nem de lá, nem na imprensa escrita, nem em inglês nem em espanhol”.
Zapatismo urbano
Mais que suas conversas com os zapatistas ou seus atos públicos de solidariedade em defesa da Outra Campanha, o que mais tem chamado a atenção para o Movimento é a sua própria prática local de zapatismo urbano. As duas características principais que definem o zapatismo urbano do Movimento são seu anticapitalismo explícito e seu compromisso em respeitar e desenvolver a autodeterminação, a autonomia e a democracia participativa dentro e fora de sua organização e comunidade.
Isto significa, por exemplo, que, diferentemente de alguns outros proeminentes grupos de direitos de moradia na cidade de Nova Iorque, o Movimento não aceita nenhum financiamento governamental, e suas decisões táticas não são impostas de cima, mas sim tomadas por aqueles que as colocarão em prática.
“Nós representamos a nós mesmos”, afirmou o membro do Movimento, Víctor Caletre, durante o recente Encontro pela Dignidade e Contra o Despejo Neoliberal, realizado na cidade de Nova Iorque. “Cada um dos 23 edifícios [já são 30] que organizamos tem sua própria associação de inquilinos que decide o que vão fazer e como vão escolher lutar – prosseguiu explicando Caletre –, e o resto da organização apoia a sua decisão… Não é apenas uma organização que está lutando, mas sim uma comunidade, e essa comunidade tem o direito de decidir”. Com isso em mente, o Movimento realizou há pouco tempo uma “Consulta do Bairro”, na qual consultou os moradores de leste de Harlem para “escutar do povo a partir de onde devemos dirigir nossa próxima luta”.
Reconhecendo os muitos mundos que existem dentro do leste de Harlem, o integrante do Movimento Oscar Domínguez inaugurou a primeira assembléia municipal da Consulta do Bairro, dizendo: “Não somos mais que uma organização. Como podemos tomar decisões pelo El Barrio? Nós temos aprendido que podemos lutar juntos e que as próprias pessoas podem lutar sem ter que estar seguindo um líder”.
Este marco de construção de um movimento, enraizado numa prática ativa de autodeterminação de cada participante e cada organização envolvida, precisa ser cultivado conscientemente. O processo da Consulta do Bairro – seus fóruns públicos, seus diálogos comunitários, seu trabalho de busca extensiva de contato e comunicação nas ruas, batendo nas portas, fazendo reuniões na casa e realizando votações ao nível de toda a comunidade – é uma metodologia de luta e um modelo organizativo que sustenta este tipo de participação democrática de toda a comunidade. A extensa história das consultas zapatistas inspirou diretamente a Consulta do Bairro do Movimento por Justiça de El Barrio.
Mais de mil e quinhentos moradores da comunidade participaram na Consulta do Bairro, e o Movimento está atualmente sistematizando os resultados para lançar uma campanha em torno do novo tema que a comunidade elegeu. Com a Consulta do Bairro, o Movimento está incorporando ao trabalho mais residentes e, ao abrir suas metas para além da luta contra o despejo neoliberal, se aproxima da sua missão mais ampla de “lutar contra o neoliberalismo e a discriminação em todas as suas formas… racismo, homofobia, xenofobia, sexismo…”
No ano passado, o Movimento foi convidado a Barcelona para assistir à convenção de KRAX, uma reunião internacional de organizações que buscam respostas criativas ao conflito urbano. Juan Haro foi como delegado do Movimento e compartilhou o processo da Consulta do Bairro com 11 organizações de 11 diferentes países, como Argentina, Bosnia, Inglaterra, Japão e Venezuela, entre outros. O Movimento também foi convidado a se apresentar numa ampla gama de universidades estadounidenses e organizações populares durante 2007. “Realmente nos tem surpreendido – comentou a participante do Movimento, Ana Laura Merino – saber quantas organizações da cidade de Nova Iorque, de todo os Estados Unidos, do México e até de todas as partes do mundo tem se comunicado conosco querendo conhecer como lutamos na cidade de Nova Iorque, e nos tem oferecido apoio”.
Mediante ao primeiro Encontro pela Dignidade e Contra o Despejo Neoliberal na cidade de Nova Iorque, realizado em outubro passado [2006], o Movimento também começou a construir relações horizontais com outras organizações que lutam contra o despejo neoliberal na cidade. O Encontro foi um ato multicultural com apresentações multimídia que incluiu debates, obras teatrais, cantos, projeções de trechos de filmes e até uma pinhata do neoliberalismo para que fosse rasgada pelas crianças. Participaram representantes de 27 grupos provenientes do leste de Harlem e até de zonas muito distantes como Rhode Island, Pensilvânia, Connecticut e Nova Jersey. Este ano houve um ato para dar seguimento ao Encontro, desta vez se juntando às organizações de inquilinos contra o despejo neoliberal e aos aderentes internacionais da Sexta Declaração, em conjunto com a visita de Gloria Muñoz Ramírez à cidade de Nova Iorque.
A Campanha Internacional em Defesa de El Barrio
Há exatamente um ano, tod@s os integrantes do Movimento estavam celebrando sua vitória contra o multimilionário Steve Kessner, o pior proprietário de El Barrio. Ou, ao menos, foi o pior. O Movimento forçou Kessner a vender sua pasta completa de 47 edifícios do leste de Harlem justo alguns meses depois de que havia dito ao periódico The Village Voice: “Não estou vendendo… ninguém me está forçando a sair da vizinhança que eu ajudei a construir, este problema em particular com este grupo [Movimento] tem sido minha única dor de cabeça. Ouça: eu gosto muito dessa vizinhança. Tenho quatro filhos no negócio e vamos crescer. Vou terminar meu trabalho”.
A respeito desta vitória considerável, Óscar Domínguez, do Movimento, descreveu o horizonte mais amplo que tem o trabalho do grupo:
“Desde o início da nossa organização, nossa luta tem sido uma luta contra o neoliberalismo. Nossos alvos são: o Departamento Municipal de Preservação e Desenvolvimento de Moradia (o HPD, em sua sigla em inglês), as corporações multinacionais e os proprietários, que são todos eles capitalistas. Nós forçamos um poderoso capitalista a ir embora, seu nome é Steven Kessner. Foi substituído por outro capitalista, uma companhia multinacional de Londres, chamada Dawnay, Day Group. Esses são os nossos alvos. A luta é a mesma. Nossas campanhas são contra todos eles. A forma como estes capitalistas tratam de ganhar seu dinheiro é um crime contra a humanidade”.
Agora, o Movimento lançou sua Campanha Internacional em Defesa de El Barrio, uma iniciativa de proporções do tipo “Davi contra Golias”, que os têm mantido desafiando os encarregados capitalistas da re-zonificação [subdivisão] do El Barrio, em qualquer parte do Planeta Terra onde possam estar. Atualmente encontram-se fazendo uma jornada para fomentar a participação na campanha, visitando Califórnia, Texas, Connecticut, Pensilvânia e Massachusetts nos Estados Unidos, assim como Inglaterra, Escócia, Gales, Espanha, França e Grécia, na Europa.
A viagem ao Reino Unido, com paradas em Londres, Bristol, Reading, Birmingham, Manchester, Edinburgo, Glasgow, Liverpool, Brighton, Leeds, Stirling e Aberdeen, na Escócia, criou um apoio crucial local para lutar contra Dawnay, Day Group, em sua própria casa, organizando ações em frente aos seus escritórios principais em Londres.
Isto significa que o Movimento está uma vez mais indo contra o maior capitalista de El Barrio. Depois de haver comprado de Kessner os 47 edifícios do leste de Harlem pela enorme soma de 250 milhões de libras, Dawnay, Day Group informou ao periódico The London Times que o leste do Harlem “é a última parte de toda Manhattan que fica para ser rezonificada [subvidida]”, e que se propõe aproveitar a debilidade e escassez de leis de proteção dos inquilinos na cidade de Nova Iorque para aumentar dez vezes as rendas. No entanto, com o que Dawnay, Day Group está se deparando é com uma comunidade poderosa em resistência com uma rede internacional de partidários que se expande rapidamente.
Enquanto escrevo isso, o Movimento tem uma delegação em Atenas, Grécia, assistindo ao Encontro Europeu em Defesa e em Luta com as Comunidades Zapatistas e a Outra Campanha do México…. estão planejando ações a curto e a médio prazo de apoio à autonomia zapatista, assim como mobilizações de apoio à Outra Campanha…
Em menos de quatro anos, o Movimento está construindo uma luta eficaz no leste de Harlem, dando-lhe um rosto da Outra Campanha aqui na cidade de Nova Iorque e apoiando a organização de grupos por todo o mundo.
Agora, desde os assediados departamentos da “última fronteira” de Manhattan, o Movimento tem lançado a sua Declaração Internacional em Defesa de El Barrio. Com esta declaração, os integrantes do Movimento estão convidando vocês a atravessarem a ponte com eles: uma ponte para derrotar o neoliberalismo e construir uma democracia participativa de uma esquina a outra do quarteirão e do mundo. Vocês aceitarão o convite?
Para mais informação podem escrever diretamente ao Movimento por Justiça do Bairro: [email protected]
Tradução: Passa Palavra