Imenso aparato policial mobilizado para a manifestação das favelas de Niterói

Ontem (15/04) uma grande manifestação reuniu em Niterói cerca de mil pessoas, a maioria moradores de comunidades que sofreram grandes perdas, inclusive vidas humanas, nas recentes chuvas que castigaram a região metropolitana do Rio. O protesto atingiu seu objetivo, chamou a atenção da cidade e da imprensa para o drama das favelas, e entregou uma pauta objetiva de reivindicações à prefeitura.

Entretanto, horas antes da manifestação, o governo do estado preparou uma verdadeira operação de guerra no centro de Niterói, principalmente em torno das comunidades do Morro do Estado, Chácara e Arroz. Dezenas de viaturas, inclusive várias do GTAR (Grupo Tático de Ações Rápidas) da PM, motociclistas e boa parte do 12o BPM ocuparam e ficaram circulando em toda a área, como esperando algum distúrbio de grandes proporções.

Na Rua Moacir Padilha, próximo à subida do Morro do Estado e bem em frente aos dois pontos onde houve grandes deslizamentos que destruíram casas e mataram três pessoas, moradores das três comunidades concentravam-se desde as 14h para participar da manifestação. A polícia escolheu exatamente esse ponto para estacionar ou desfilar com suas viaturas ou motos, congestionando ainda mais a rua estreita, onde disputavam espaço manifestantes, carros da imprensa, escombros que até ontem não haviam sido retirados, e automóveis que passavam em direção ao centro vindo da Rua Fagundes Varela.

Aliás, moradores do Morro do Estado contaram que também houve deslizamentos sobre a Fagundes Varela, mas os escombros foram retirados rapidamente, pois trata-se de importante via de ligação entre Icaraí e o Centro. Já na Moacir Padilha…

Bem em frente ao principal desmoronamento, onde morreram os três moradores do Morro do Estado, fica o condomínio de classe média Solar Clube das Praias, que precavidamente realizou, com recursos próprios, obras de contenção de encostas. Os moradores das favelas em torno, dependentes de recursos públicos para o mesmo tipo de obra, ficaram tragicamente desprotegidos.

Os organizadores da manifestação notificaram todas as autoridades necessárias, inclusive a Secretaria de Estado de Segurança Pública, mas estavam apreensivas com possíveis atitudes repressivas. Inclusive porque, no dia 08/04, quando uma grande assembléia no Morro do Estado decidiu pela realização do protesto, um boato infundado de “arrastão” paralisou o centro e mesmo alguns bairros afastados de Niterói. Naqueles dias, logo após as chuvas, grandes protestos de favelas como Preventório (Charitas) e Beltrão (Cubango) tomaram as ruas, surpreendendo uma cidade acostumada a esconder e desprezar suas áreas pobres. O lendário medo do “asfalto” ver “o morro descer”, assumiu em Niterói as formas quase cômicas do pânico sem motivo e do aparato policial desproporcional.

Não confiando plenamente na “civilidade” das forças policiais, devido à experiência direta e cotidiana que os moradores de favela tem com elas, os organizadores convocaram amplamente a imprensa, inclusive como forma de coibir qualquer abuso ou provocação da corporação militar. Deu certo, a imprensa compareceu em peso, mesmo na entrada da favela, e acompanhou os manifestantes e a polícia quando todos começaram a descer a Moacir Padilhaem direção à prefeitura velha, na Rua da Conceição.

Entretanto, ao contrário do pânico do dia 8, ontem o comércio do centro permaneceu aberto e todos puderam ver uma manifestação organizada, forte e com objetivos claros, conduzida e composta por favelados. O pânico e o aparato policial ficaram sem motivo e sem ter o que fazer.

Vejam fotos no Centro de Mídia Independente.

1 COMENTÁRIO

  1. Lições da tragédia

    Politização e sensacionalismo contaminaram as análises sobre os desastres provocados pelas chuvas no Sudeste.
    Caso São Paulo não fosse governado por José Serra, haveria um escândalo perante o despreparo material da Defesa Civil e dos Corpos de Bombeiros no atendimento imediato às vítimas. Não se trata de incompetência das corporações, mas de negligência administrativa: as cidades ribeirinhas do Estado estavam e continuam entregues às próprias sortes. Também seria a última vez que esses governantes descarados escapariam de fornecer satisfações sobre as fortunas incalculáveis empenhadas nas obras das marginais paulistanas.
    As autoridades fluminenses são historicamente omissas na questão das moradias irregulares. Elas preferem assistir ao martírio dos desvalidos a agir com o rigor da legalidade, politicamente desgastante. É óbvio que as famílias alojadas em situação periclitante precisam ser removidas. Como sugerir pretexto “social” para manter seres humanos pendurados em precipícios, à mercê de temporais?
    A sociedade precisa reagir à hipocrisia surpresa dos governantes. Ninguém esperava que aqueles casebres de papelão, montados nas enlameadas encostas de morros íngremes, fossem obedecer à lei rudimentar da gravidade? O que as oligarquias conservadoras que dominam São Paulo há quase três décadas fizeram para prevenir o alagamento das ruas da capital, salvo reclamar da atmosfera?
    Não se iludam: no ano que vem, as chuvas voltarão. E as verdadeiras responsabilidades passarão incólumes, novamente, até nova mortandade.

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