No Centro de Arte Contemporânea de Punta della Dogana, em Veneza, pode ver-se uma das mais ferozes obras plásticas actuais, «Fucking Hell», de Jake e Dino Chapman. Trata-se de uma reflexão política onde, como sempre na arte, o conteúdo é expresso pela forma. Em nove grandes receptáculos de vidro, entre os quais os visitantes têm de se esgueirar e espremer, milhares e milhares − ou serão milhões? − de pequeninos bonecos, com dois ou dois e meio centímetros de altura, encenam um jogo da morte em que os nazis perseguem e aprisionam e torturam e matam e despojam e esquartejam os prisioneiros e fazem o mesmo uns aos outros, de maneira que, se sabemos quem são os carrascos, é impossível distinguir as vítimas, porque todos são trucidados na mesma farândola sanguinária. Raras excepções. Numa ilha, de costas para o resto, há uma espécie de personagem hollywoodesco que se bronzeia admirando três beldades bicéfalas de bikini, e num canto de outro recéptáculo uma personificação de Hitler pinta placidamente uma paisagem idílica perante um vale atulhado de muitos milhares de mortos. Nem durante um ano de observação diária poderíamos dar conta de todos os detalhes de uma obra que iguala ou supera os quadros de Hieronymus Bosch pela riqueza e crueldade da imaginação. «E você tem de ver isto o dia inteiro», comentou um visitante para uma guarda do museu; «tenho pena de si». O artista pretende ensinar a ver, mas o público escapa-se vendo só a obra e não o mundo nela. Os irmãos Chapman ensinam-nos a olhar a paisagem de horror que nos envolve, mas, como não existe artista inovador sem público inovador, há visitantes a respirar de alívio julgando que a tragédia macabra está bem fechada naquelas caixas de vidro. Passa Palavra