não li a crítica para não perder a liberdade e o meu / dom impreparado. Por Sylvia Beirute [*]

 

 

não escrevi um livro em miniatura sob uma lupa falsa.

não pedi qualidade aos clássicos.

não pretendi reparar a eficácia de qualquer sistema humano.

não endossei poemas porque os poemas não são cartas.

não tenho um cativeiro de poetas.

não visitei cidades-poema.

não segui preceitos que se vejam.

não azuleci por pertencer ao céu.

não tive ilusão e coragem para crer na desistência.

não escrevi que o fingimento pode ser um ódio com casca.

não tenho maneiras puramente estéticas.

não tenho processos literários.

não tenho dois corações.

não li masaoka shiki ou matsuo bashō.

não li a crítica para não perder a liberdade e o meu

dom impreparado.

não peguei no tempo e o atirei para dentro do corpo

como células estaminais.

não escrevi sobre a revolução industrial.

não respeitei o meu passado enquanto índice temático.

não estimulei diagnósticos de subtileza grosseira.

não recuperei emoções com a cabeça.

não coloquei questões delicadas no campo da poesia suprema.

não transferi permissões de mim para mim.

não imaginei versos paralelos para prender significados.

[*] Natural de Faro, Portugal. Estuda cinema e teatro e nasceu em 1984. Escreve poesia e teatro para mudar o seu mundo e diz-se a favor do Acordo Ortográfico na versão de 1945. Tem colaborações dispersas em revistas literárias de Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. É autora do blogue Uma casa em Beirute.

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Maurizio Cattelan, All (Todos), conjunto escultórico de 2008.

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