No exílio, os membros da Oposição Sindical juntaram-se a outros militantes banidos, com diversas origens políticas, fundando o GAOS, com sede em Paris. O movimento de articulação das Oposições Sindicais, atuante em vários estados brasileiros, era já o resultado de uma avaliação do caminho da luta armada e apontava para uma espécie de “volta às fábricas”. Por Cláudio Nascimento

gaos-cNos anos de chumbo da década de 70, o exílio e o banimento afastaram milhares de cidadãos brasileiros de seu país. A história do exílio tem dado ênfase àqueles que participavam das organizações revolucionárias da época, sendo poucas as referências na literatura aos trabalhadores e lideranças sindicais que se viram forçados a ir para o estrangeiro. Dentre os trabalhadores exilados nos países da Europa, encontravam-se diversos operários que participavam das oposições sindicais, cujas saídas do país deram-se sobretudo após 1973, ano em que o regime intensificou a repressão dentro e fora das fábricas, resultando na prisão de centenas de militantes e dirigentes operários em todo o Brasil.

Nessa diáspora operária, os membros da Oposição Sindical juntaram-se a outros militantes banidos e/ou exilados em função da participação na resistência à ditadura militar, com diversas origens políticas e doutrinárias. Essa articulação entre os operários exilados na Europa resultou na fundação do Grupo de Apoio à Oposição Sindical (GAOS), com sede em Paris, que contou fundamentalmente para a realização das suas ações com a ajuda da CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho). Dentre seus membros, pode-se destacar a presença de importantes dirigentes operários brasileiros: Rolando Fratti, Manuel da Conceição, José Ibrahim, Roque Aparecido da Silva, José Cardoso (Ferreirinha), Luiz Cardoso (Luisão), Antonio Flores, José Barbosa, Afonso Delelis, entre outros. Várias dessas lideranças pertenciam ao movimento de articulação das Oposições Sindicais, atuante em vários estados brasileiros, que era já o resultado de uma avaliação do caminho da luta armada e apontava para uma espécie de “volta às fábricas”.

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Da esquerda para a direita, em pé: Luís Travassos, José Dirceu, José Ibrahim, Onofre Pinto, Ricardo Vilas Boas, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Ricardo Zarattini e Rolando Frati. Agachados: João Leonardo da Silva Rocha, Agonalto Pacheco, Vladimir Palmeira, Ivens Marchetti e Flávio Tavares. A foto foi tirada no Rio de Janeiro, pouco antes de eles embarcarem no avião Hércules 56 que os levou para o México. Gregório Bezerra juntou-se ao grupo em Recife e Mário Zanconato em Belém.

Durante sua existência, o GAOS realizou o importante trabalho de recepção e acolhimento dos militantes operários que tomavam o caminho do estrangeiro como única forma de garantia da sua integridade física; de denúncia das péssimas condições de trabalho nas fábricas e no campo no Brasil junto a organismos internacionais; e de divulgação da intensa exploração a que estava submetida a classe trabalhadora brasileira sob o regime ditatorial. Para isso, além da publicação em vários idiomas de quatro edições do boletim Unité Syndicale [Unidade Sindical], o GAOS travou contato com as principais organizações sindicais européias e de outros países e continentes, articulando formas efetivas de solidariedade dos trabalhadores das empresas multinacionais para com os trabalhadores das filiais dessas empresas no Brasil.

Do trabalho realizado pelo GAOS, merece destaque o Encontro Internacional da Oposição Sindical Brasileira, realizado em Bruxelas [na Bélgica] nos dias 31 de abril, 1 e 2 de maio de 1979 [*], pouco antes de ter início o processo de retorno ao Brasil. Além dos membros da Oposição Sindical que estavam no exílio, o Encontro contou com a participação de representantes de mais de 20 organizações sindicais européias e americanas e duas internacionais sindicais. Do Brasil, foram enviados especialmente para esta atividade quatro militantes da “Oposição no Interior”, que eram os seguintes: Zé Pedro (Metalúrgicos de Osasco/SP); Hélio Bombardi (Metalúrgicos de São Paulo); Ademir B. de Oliveira (Metalúrgicos de Contagem/MG) e Antônio Portella (Bancários de SP, que recentemente havia vencido as eleições).

Cópias das fitas (de rolo) contendo praticamente a totalidade das intervenções dos trabalhadores brasileiros (do Interior e do Exterior) e das representações estrangeiras presentes no Encontro foram recentemente recuperadas, digitalizadas e parte do seu conteúdo já está gravado, o que nos permite tomá-las como fonte principal da presente série de artigos. Os temas gerais debatidos no Encontro versaram sobre a história das lutas dos trabalhadores no Brasil, a situação da classe trabalhadora no campo e na cidade após 15 anos de ditadura, a importância da solidariedade internacional entre os trabalhadores e, como temas centrais, a plataforma política da Oposição Sindical Brasileira e a análise do movimento grevista iniciado em 1978, o papel das comissões de fábrica e a articulação com o movimento popular, destacando-se a greve dos metalúrgicos do ABC nos meses de março e abril de 1979, realizada portanto ainda com o calor dos acontecimentos. Através das várias exposições e debates realizados no Encontro, podemos retraçar o espírito que animou a construção do “novo sindicalismo” no Brasil.

«Encontro Internacional. Oposição Sindical Brasileira. Bruxelas. 30/31 março / 1 abril 1979»
«Encontro Internacional. Oposição Sindical Brasileira. Bruxelas. 30/31 março / 1 abril 1979»

Esta série de artigos visa especialmente reconstruir a experiência do GAOS, incorporando-a à memória social dos trabalhadores brasileiros. Nesse aspecto, o texto estrutura-se em três momentos: o processo que levou os trabalhadores ao exílio; a articulação no exterior, a criação e a experiência do GAOS; e o conteúdo do Encontro realizado em Bruxelas em 1979 a partir das intervenções dos brasileiros. Com isso, pretende-se também refazer alguns laços da vocação internacional do movimento sindical/operário que deu origem à CUT, recuperando as relações estabelecidas entre os operários brasileiros no exílio e a “corrente autogestionária francesa”, sobretudo originada do movimento sindical metalúrgico francês que deu origem à CFDT. Cabe salientar, nesse sentido, que muitos dos membros do GAOS participaram da fundação de diversas entidades de assessoria e formação sindical, tendo como um dos eixos temáticos o “socialismo autogestionário”, e que participaram diretamente da criação do Partido dos Trabalhadores e da CUT.

Por fim, busca-se contribuir para a identificação e compreensão de uma das matrizes que constituem as experiências em curso no campo da autogestão no Brasil, sobretudo nas últimas décadas, a partir da recuperação de fábricas falidas e de algumas experiências da economia solidária, como por exemplo, os debates atuais sobre a questão do desenvolvimento territorial sustentável, com base na autogestão.

Nota

[*] A data inicial era a que consta no cartaz aqui reproduzido, mas como entretanto foi convocado para Bruxelas um encontro internacional de centrais sindicais, alterou-se a data para que os sindicalistas presentes nesse encontro pudessem participar no evento organizado pelos brasileiros. Este detalhe é importante, explicando o motivo por que centrais de vários países puderam estar presentes no Encontro Internacional da Oposição Sindical Brasileira.

[Leia aqui a continuação deste artigo.]

9 COMENTÁRIOS

  1. Nesta primeira parte do artigo fala-se de socialismo autogestionário. Eu pergunto: o socialismo autogestionário é consoante com os sindicatos e a estrutura sindical?

  2. Olá,
    Giancarlo,
    Em sua longa experiencia historica,o movimento pela autogestão cria suas proprias formas de organização com base na auto-organização dos trabalhadores.Esse processo conduz a alterações profundas no sindicalismo,sobretudo,em suas organizações de base.
    Veja,ocaso da Polonia nos anos 80.que é uma bela ilustração da dialetica Autogestão – Sindicatos.O Solidarnosc como sindicalismo defendia os interesses dos trabalhadores frente ao Estado burocratico.Mas,a Rede de Autogestão,articulando as 3.000 maiores empresas da polonia tinha por base a autogestão.O proprio Walesa dizia que a autogestão não era asssunto dos sindicatos.E,a Rede autogestionaria fez parte do Solidarnosc APENAS com carater consultivo.
    Há uma contradição entre autogestão e sindicalismo que só o processo revolucionario resolverá.Cada pais teve sua experiencia de forma singular.Mas,podemos dizer que na autogestão os sindicatos devem permanecer para controle do processo democratico,sobretudo,nas empresas.

  3. Cláudio,
    O que você chama de “controle do processo democrático, sobretudo nas empresas”?
    É certo que em situações revolucionárias, quando o proletariado se organiza para enfrentar os patrões ou/e a burocracia (como no caso do capitalismo de estado, eles criam as suas próprias instituições autogestionários, como por exemplo os comitês de fábrica, e a sua organização com outros comitês, os conselhos operários. Nesta “dialética da revolução”, o papel que cabe aos sindicatos, enquanto instituições hierarquizadas, e a sua direção sindical (burocracia sindical) é o papel da contra-revolução. Aqui não é caso de seguir e defender o caminho dos países que passaram pela contra-revolução burocrática, defendendo o atrelamento do sindicato ao estado e ao partido único. Com o fim do trabalho assalariado (autogestão), o sindicato, uma instituição burguesa, perde o sentido de existir, pelo menos para o proletariado…

  4. Olá Giancarlo,
    A autogestão é uma estrategia de luta e um objetivo. Até o fim do trabalho assalariado há um longo processo de lutas, de varios tipos e contradições. Neste sentido, os trabalhadores precisam de seus órgãos para defesa de seus interesses estratégicos visando superar os inúmeros problemas que surgem nas experiencias de autogestão, de criar relações entre os vários níveis de autogestão, a da produção, a territorial, a cultural.

  5. Ora, eu postei uma mensagem que não entrou nos comentários? Onde ela foi parar?

  6. Caro Giancarlo,
    Há já alguns dias, escrevemos para o seu e-mail dizendo que, por erro técnico nosso, a mensagem tinha sido apagada e pedindo que você a inserisse de novo, dada a importância do debate.
    As nossas desculpas.

  7. Caro Cláudio, concordo com a sua afirmação de que “até o fim do trabalho assalariado há um longo processo de lutas, de varios tipos e contradições”, no entanto incluo os sindicatos neste processo no campo contra-revolucionário, sendo uma barreira na luta do proletariado para superar a sociedade de classes e instaurar relações de produção baseadas na autogestão.

  8. Olá prof. Cláudio.

    Muito bom o seu artigo. Sou professor da Universidade Candido Mendes, aqui no RJ, e estou tentando realizar uma pesquisa sobre o GAOS. Poderíamos trocar emails?

    atenciosamente,

  9. Ola Ricardo,

    Pena que só hoje vi seu comentario,pois,3a e 4a feiras estive no Rio.
    deixo-te meu msn= [email protected]
    eo [email protected]
    e cel=51-84909449

    Alias,na 4a feira ainda no Rio,recebi ligação de SP,onde o centro memoria metalurgica,da antiga Oposição Sindical ,está para publicar o GAOS.Localizaram os 4 brasileiros que foram a belgia na epoca,e vamos fazer um Video e entrevista para por no livro.
    Abraços.

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