Um grupo de activistas europeus apoiantes do zapatismo percorre a região de San Cristóbal para manifestar a sua solidariedade e conhecer melhor as lutas. Desta série de Diários, eis a primeira etapa: a comunidade de Mitzitón, que enfrenta a violência e o saque dos paramilitares apoiados pelo “mau governo”. Por Brigada Europeia em Apoio aos Zapatistas
¡Los zapatistas no están solos
…y tampoco quien lucha por Tierra y Libertad!
Da Europa solidária chegaram os elementos da Brigada Europeia de Apoio aos Zapatistas, e a primeira etapa da sua estadia consistiu em visitar a comunidade de Mitzitón. Antes de sair em direcção à barreira na estrada, colocada há 5 dias pelos ejidatários [1] de Mitzitón para impedirem o trânsito entre Comitán e San Cristobal, a Brigada emitiu um boletim para a imprensa onde explica os seus objectivos e o seu carácter (ver aqui).
Em Mitzitón não existem bases de apoio zapatistas, apenas elementos de “La Otra” [Campaña], mas a luta é a mesma: defender o próprio território contra o mau governo que quer tirar a terra aos camponeses para entregá-la aos grandes investidores, sobretudo europeus, para fomentar projectos de turismo massivos, utilizando como estratégia o apoio a grupos paramilitares que tratem do trabalho sujo.
Em Março passado, a Brigada, formada por 12 companheiras e companheiros, foi de San Cristóbal para Comitán. O veículo que transporta a Brigada chegou à barreira de estrada instalada pela comunidade em Mitzitón. Numerosos veículos atravessados do lado de cá da barricada camponesa esperam a chegada de pessoal proveniente de Comitán para terminar o seu trajecto até San Cristóbal. Panos pendurados de ambos os lados da estrada denunciam os ataques do grupo paramilitar “Exército de Deus” e exigem ao “mau governo” do Estado a sua imediata retirada.
As autoridades do ejido e representantes comunitários de La Otra Campaña recebem a Brigada na Casa Ejidal. Vários membros da associação CIEPAC, solidários com a luta de Mitzitón, participam no encontro. As autoridades comunitárias agradecem a visita da Brigada no duro momento de luta que estão a viver e a colaboração da CIEPAC, da FrayBa e da Otra Campaña.
As autoridades relatam os crimes e agressões sofridos às mãos dos paramilitares. Em 21 de Julho de 2009, um carro pilotado pelo paramilitar Francisco Jiménez Vicente atropelou várias pessoas. Matou uma delas – Aurelio Diaz Hernández – e feriu outras cinco gravemente. Uma destas continua inválida desde então. As autoridades queixam-se de que o responsável pela agressão foi posto em liberdade pelo “mau governo” após 3 meses de prisão: “Neste momento, esse Francisco anda a cortar madeira e a traficar livremente”.
Dizem as autoridades que o conflito já vem de há 13 anos atrás. Desde essa data, as pessoas do credo evangélico “Asas de Águia” deixaram de cooperar no colectivo da comunidade. Este sector da comunidade, dirigido por um conhecido delinquente chamado “Carmen”, negou-se a contribuir para as despesas colectivas e incumpriu todos os preceitos comunitários. Foi especialmente grave o uso unilateral e depredador dos escassos recursos florestais do povoado. Eles têm vindo a cometer todos estes actos contrários aos usos e obrigações do ejido com a ajuda da estrutura paramilitar que os protege e de que alguns deles fazem parte, o chamado “Exército de Deus”.
Um dos elementos da autoridade conta como foi agredido e sequestrado pelo “Exército de Deus” no seguimento de uma reunião da mesa ejidal, quando foram ter uma conversa com os seguidores de Carmen Díaz: “Aproximámo-nos para conversas com eles, para tratar de resolver por palavras o conflito do roubo de madeira. Agarraram-nos, amarraram-nos e começaram a bater-nos. Regaram-nos com gasolina para nos pegarem fogo. Estive sequestrado desde as 5 da tarde até às 3 da madrugada. Apresentámos queixa ao governo do Estado, mas este nada fez para intervir no delito”.
Refere, indignado, que os “Asas de Águia” levam lenha, água e colheitas sem cooperar com a comunidade. Diz: “Acaso somos escravos deles? Nunca lhes negámos nada e eles só se aproveitaram. Mataram, tentaram violar mulheres e criaram uma situação insustentável. Muitos de nós já não aguentam e querem defrontar-se com eles. Nós, as autoridades, travámo-los para que não corra mais sangue. Eles aproveitam-se das suas armas e do apoio do “mau governo”.
Outra autoridade conta que o “Exército de Deus” anda aos tiros contra a comunidade durante a noite. Que são portadores de armas de grande calibre e se vestem com roupas militares. Uma moça ouviu disparos e viu que estavam a treinar-se no lugar a que chamam Kalestik. Suspeita-se que possam ser treinados por elementos uniformizados do governo. Os elementos do “Exército de Deus” vivem basicamente do tráfico de emigrantes e de madeira.
Diz que as pessoas da comunidade têm muito medo. Que temem sobretudo pelas crianças e pelas mulheres. E por isso montaram o bloqueio na estrada San Cristóbal-Comitán, na passagem por Mitzitón. Que já aguentaram demasiado tempo e não vão aguentar mais. Que exigem que o “mau governo” proceda à deslocação destes do “Exército de Deus” para fora da comunidade. Que podem passar fome e frio mas não levantarão o bloqueio até que o problema esteja resolvido. Diz que foi a comunidade que acordou isto, pois os paramilitares dão mau exemplo às crianças. Ensinam-lhes a roubar e a matar. Querem viver em paz e que os seus filhos sejam educados para o bem. Querem que as suas mulheres estejam tranquilas na comunidade. E querem que deixem de roubar a madeira comunitária e de traficar com ela.
Outro elemento da autoridade diz que o problema hoje é o corte ilegal de madeira, mas que antes haviam sido as tentativas de Carmen Díaz para vender terras do ejido. Diz que, há 13 anos atrás, Carmen Díaz López saiu da comunidade. A sua parcela de terra ficou como colectiva, como estabelece a tradição ejidal. Mas esse Carmen soube mais tarde dos planos estatais para fazer passar uma auto-estrada pelas que foram as suas terras na comunidade. A comunidade não teve conhecimento desses planos do “mau governo”. Um dia esse Carmen regressou e voltou a colocar cercas nas suas terras para vendê-las ao presidente do município de San Cristóbal.
Diz que a comunidade não quer a auto-estrada, não quer vender terras comunitárias. Diz que as obras vão afectar muito a água. Mas o “mau governo” quer essas terras e quer expulsar delas os ejidatários. Na comunidade vivem mais de 2.000 habitantes e a grande maioria não quer vender a terra colectiva. “A comunidade coopera para o colectivo, mas esses “Asas de Águia” não cooperam. Por isso perderam o seu direito ejidal sobre a terra. “Agora andam [disfarçados] de mercadores de frangos a traficar com emigrantes centro-americanos. Não vivem do seu trabalho, mas do crime. Por isso andam armados e querem enfrentar a comunidade com as armas. Só querem matar-nos e roubar-nos as terras”.
A autoridade diz que não vai ceder à provocação. Ao governo, exigem uma data para a deslocação dos paramilitares. Senão, continuará o bloqueio da estrada. Mas o governo estatal limita-se a oferecer dinheiro para o problema continuar como está. Desde então Carmen Díaz López anda a hostilizar a comunidade, agredindo os ejidatários e ameaçando-os. O que interessa muito aos planos do “mau governo”.
Todavia, o problema mais importante neste momento é o corte ilegal [de madeira] e a violência do “Exército de Deus”. Diz que a comunidade anda há 29 anos a cuidar das suas árvores, enquanto estes “Asas de Águia” não cooperam com nada e não cumprem o regulamento da comunidade. Cortam madeira sem licença das autoridades, ameaçando alvejá-las a tiro. Juntam-se uma centena deles, armados, e cortam o que lhes apetece. O governo e a segurança pública não ligam às queixas da autoridade ejidal. A polícia do sector e o seu chefe nesta zona, Romero, anda a proteger os paramilitares.
Após uma hora intensa, termina o encontro da Brigada com as autoridades ejidais, e depois de se tomar um cafezinho preparado na cozinha ejidal, aproxima-se a hora de voltar a San Cristóbal. Então as autoridades falam, mas “quem manda são as pessoas”.
Original em castelhano aqui. Tradução: Passa Palavra
Nota:
[1] Ejido é um sistema de distribuição e posse da terra que se institucionalizou após a Revolução Mexicana e que consiste em outorgar território a uma comunidade para a sua exploração. Ejidatário é a pessoa a quem o governo outorgou um ejido [NDT].
[FIM DO 1º DIÁRIO]