Com a chegada das eleições, muitos sindicatos são tomados pela “febre das urnas”, o que tende a levar a um distanciamento cada vez maior entre a direção e a base da categoria – que tende a ser tratada como gado. Por Hugo Scabello de Mello [*]

sindicato2Assim que o espetáculo eleitoral entra em cartaz, assistimos passivamente o desenrolar do mesmo roteiro de sempre: velhos e novos rostos sujam nossos espaços públicos com velhas promessas ocas, nos forçando a escolher como será a distribuição dos privilégios e poderes entre as diferentes facções mafiosas do atual cenário político. Lideranças comunitárias aderem às campanhas, grandes empresas as financiam, associações de bairro se enchem de faixas, e alguns trabalhadores cansados agitam bandeiras nas avenidas, enquanto outros distribuem panfletos; em todo lugar, e a todo momento, candidatos esmolam votos para seus números identificadores. E tudo isso – todos nós sabemos – sumirá, num passe de mágica, ao término de um punhado de meses: a interação com o espetáculo da política parlamentar voltará a ser, para a grande maioria do povo, uma série de shows transmitidos pelos canais de televisão estatais (tevê senado, tevê câmara, tevê justiça, etc.), aos quais os jornais e revistas dão especial atenção. Com a redistribuição de cadeiras terminada, a oligarquia dos representantes retorna às frias, secas e distantes câmaras palacianas do planalto para continuarem seus vis jogos de poder e opressão.

Nosso mundo sindical não foge à regra, é igualmente tomado pela sazonal febre das urnas: os espaços de nossas sedes são usados para comícios eleitorais, showmícios, ou mesmo como base estratégica de candidaturas; congressos sindicais são usados como apoio para presidenciáveis, centrais sindicais apoiam e participam abertamente de campanhas eleitorais; revistas e jornais servem como veículos de propaganda, sindicatodiversos sindicalistas anunciam suas candidaturas. Todo espaço sindical sofre constante ameaça de ser transformado num palanque eleitoral. Enfim, a estrutura sindical inteira do país, a qual deveria servir exclusivamente para defender os interesses das diversas categorias que constituem a classe trabalhadora, é colocada a serviço das camarilhas eleitorais. Inclusive, já tomamos essa sequência de cenas como normal e cotidiana – afinal de contas até nosso atual presidente, nosso patrão maior da política, fez seu nome no sindicalismo.

Contudo, quanto mais o fenômeno da parlamentarização/burocratização se dissemina pelo movimento sindical, mais seus males tornam-se realidade, e, portanto, ficam facilmente visíveis. Estes “efeitos colaterais” podem ser entendidos como consequências de duas contradições intrínsecas ao sindicalismo eleitoral: 1. os interesses particulares dos conluios eleitorais constantemente entram em conflito com os da categoria, e, de maneira geral, os sobrepõem; 2. O movimento sindical, assim como qualquer outro movimento social, constrói sua força política através da mobilização de massas, sendo assim, ele não deve, de maneira alguma, se tornar a extensão de um partido eleitoral – pois no universo de qualquer categoria de trabalhadores existem eleitores de diferentes partidos, ou mesmo de nenhum – e sindicato nenhum pode se dar ao luxo de contar apenas com eleitores simpatizantes duma determinada facção, sem pagar o preço de perder sua força política.

Quanto mais os trabalhadores são colocados em segundo plano, e seus interesses traídos incessantemente, menos estes se sentem representados por suas entidades (que de fato não o representam), menos veem a luta coletiva como alternativa para melhora da situação da categoria e da classe como um todo, resultando numa busca de melhoria de vida através de saídas individuais (ascensão na hierarquia da empresa por exemplo). A consequência final do sindicalismo eleitoreiro é uma apatia despolitizadora da categoria em geral, um distanciamento cada vez maior da direção à base da categoria – que tende a ser tratada como gado. Distância esta que, pouco a pouco, se transforma em repúdio.

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A greve, de Cândido Portinari

Não por acaso o ápice de combatividade – e também da capacidade de mobilização – do sindicalismo CUTista fora nos anos oitenta, precisamente quando as ambições parlamentares das pessoas envolvidas na CUT/PT não passavam de sonhos longínquos. Durante esses anos, esta central conseguiu mobilizar diversas greves fortes e importantes. Mobilizou, até mesmo, greves gerais, as quais foram importantíssimas para a situação política nacional, e também para conquista de direitos para a classe trabalhadora. Nossa categoria, por exemplo, arrancou sua merecida jornada de trabalho de seis horas nessa época. Contudo, quanto mais o projeto CUT/PT se orientava para a conquista de espaço – e aceitação – dentro da instituição política da classe dominante (o Estado), mais os interesses da classe trabalhadora entravam em conflito com os interesses partidários. Até chegarmos aos dias atuais: como justificar, perante os interesses da categoria bancária, um calendário de “enrolação permanente” que se estende até depois do primeiro turno eleitoral? Isso sendo sabido que o momento imediatamente anterior ao eleitoral é estrategicamente benéfico aos trabalhadores e suas reivindicações; a eleição é um momento de vulnerabilidade para os poderosos, pois estes são forçados a evitarem atitudes antipopulares, ao custo de perderem votos e, consequentemente, assentos na máquina estatal.

A única explicação plausível para a nossa campanha salarial ser jogada para depois das eleições é a priorização dos interesses partidários em detrimento dos interesses dos trabalhadores bancários. Nossos dirigentes não querem: 1. correr o risco de que uma greve forte em instituições do governo federal venha a manchar a imagem da candidata deles à sucessão do trono brasiliense; 2. trabalhar numa campanha salarial no momento, pois, é nítido que estes preferem dedicar seu tempo às suas próprias candidaturas do que à defesa de nossos direitos trabalhista. Apesar disso, não devemos nos surpreender com esta postura das pessoas envolvidas na CUT/PT, já que, hoje, o interesse principal desse grupo tornou-se a manutenção de sua inserção na máquina estatal, isto é, manter os privilégios, o poder, e as mamatas, conferidos aos “iluminados” de Brasília.

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O anúncio da CLT, em 1943.

Também não é por acaso que o auge do movimento sindical, em terras brasileiras, tenha se dado no primeiro quarto do século passado. Os nossos pioneiros sindicalistas, já nessa época, tinham consciência da importância da autonomia para a construção da força do movimento. E de fato este princípio permeou toda a malha de organizações de trabalhadores: estava presente nos documentos de sindicatos, federações e confederações. A força deste sindicalismo “sem rabo preso” fora demonstrada em diversas manifestações, greves (a primeira greve geral do Brasil fora deflagrada ainda em 1913, e já em 1917 outro importante movimento paredista estoura em nossas terras), e até mesmo numa desastrada, porém corajosa, tentativa de insurreição em 1918 no Rio de Janeiro. Os frutos colhidos pela classe advindos desse período intenso de luta abrangem todos os direitos trabalhistas, que futuramente serão concentrados e “oficializados” pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – a jornada de trabalho de 8 horas, por exemplo, fora conquistada já em 1908 pelos trabalhadores da construção civil.

Entretanto, gostaria de deixar claro que meu esforço não é no sentido de glorificar de maneira mistificadora o passado brasileiro do movimento dos trabalhadores, mas sim de estudar os acertos e as limitações das diferentes propostas sindicais já tentadas na terra do pau-brasil, de maneira a termos um terreno sólido para edificarmos um novo sindicalismo capaz de superar a atual crise do movimento. Crise esta caracterizada pela burocratização, partidarização (subordinação do sindicalismo aos interesses eleitorais) e engessamento despótico da estrutura sindical, e que tem, como outra face da moeda, a apatia, a despolitização, e o repúdio ao sindicalismo.

Fora eleitoreiros dos sindicatos!
Sindicato é pra lutar, não pra eleger novos e velhos abutres de colarinho!
Bancários de base por um sindicalismo classista, autônomo e democrático!

[*] Militante da FASP [Federação Anarquista de São Paulo], OPA [Organização Popular Aymberê] e Bancários de Base.

6 COMENTÁRIOS

  1. a eleição é um momento de vulnerabilidade para os poderosos,…

    e desse jeito em que se ex-tende, continua a ser para os subalternos tambem…ou as medidas corporativistas de classe falam mais alto que os pueblos..!!!

  2. Agradeço a oportunidade de pensar sobre o tema do sindicalismo na política das eleições; esse tema caro merece atenção redobrada no contexto da chamada “revolução burguesa” no Brasil, em que se planeja um Estado Novo ou um Brasil Novo, racionalizado no presente e orientado para o futuro. Sua busca, me parece, concentra-se em navegar pelas narrativas da ordem e da desordem, a fim de perceber as possibilidades humanas do sindicalismo como instancia da vida social prática no tempo presente. O sindicalismo, no Brasil, como indicado no texto, é um fenômeno social cheio de vida, apesar das aparências outorgadas que limitam sua identidade política. Concordo que os trabalhadores estão na luta por direitos desde os tempos da república dos “bruzundangas” e, neste ponto, acho justa sua reflexão acerca de práticas sindicais “positivas” para orientar o cotidiano do trabalhador no tempo presente. Ponto delicado e controverso do fenômeno estudado é o seu papel político na sociedade e sua “filiação” política, necessárias como ponto de vista para a sua orientação. Pare estar claro que, no Brasil, o sindicalismo está aceito como instancia distributivista das políticas econômicas dos governos com os empresários, num sentido de assistirem socialmente e orientarem politicamente o direcionamento da vida prática dos trabalhadores segundo determinações racionalistas derivadas do complexo Estado nacional. Aceito como agência de negociação, o sindicalismo atua como um departamento de pessoal. Essa parece ser a crítica mais acentuada hoje em dia, acerca da crise do sindicalismo. Mas, daí eu pergunto, seja como for a participação do sindicalismo nas eleições, não terá sido para isto que ele se formou e lutou autonomamente, em especial, desde as décadas de 1970-80, motivados por uma memória sindical contruída à luz da ideologia da cultura brasileira costurada desde a década de 1930? Quer dizer, para participar do jogo eleitoreiro da política brasileira? Mais que justa, sua denuncia é pertinente para pensarmos o sentido do sindicalismo no contexto de uma sociedade em crise de pensamento. Afinal, quem são os candidatos, senão os eleitos pelo mercado e megacorporações que se fiam nos negócios com os gestores públicos para garantirem a continuidade de seus lucros. Eleições servem para escolher uns, dentre vários possíveis, que já foram definidos pelos patrocinadores de campanhas. Escolhemos entre aqueles que escolheram para nós. É claro que existem os votos e os eleitos em forma de protesto, mas dái, mantem-se a mesma mediocridade de sempre; nada de novo parece abalar as estruturas. O sentido e o significado do trabalho para o indivíduo concreto e comum, o trabalhador, seja ele qual for, permanece obstruído pela lógica objetivista da tácnica sobreposta à qualquer possibilidade de alternativa fora do eixo.
    Parabéns pelo trabalho e pelo texto publicado,
    saudações amigas,
    N.

  3. Você lida muito bem com as palavras. Mas acaba por se enrolar nas idéias e parece ser muito jovem. Lhe falta um pouco de conhecimento histórico e a compreenção do movimento que a luta de classes tem empreendido a lusitana que nao para de rodar. Antes “o gado” votava em quem era indicado pelos patrões, industriais ou fazendeiros. Hoje no seio do conflito entre os que têm (e que podem olhar para realidade com desdém [como você]) e os que não têm nascem os candidatos a mudar a realidade. Sejamos guerreiros e construamos o mundo de amanha!! Você não está perdido, só desorientado por sua própria contradição! Tem o olhar de quem não toca em nada e não faz nada para mudar o mundo para poder ter o “poder” de criticar depois… estimo melhoras
    Sindicalista Guerreiro

  4. Muito interessante seu texto, porém só toca no tema historia nos pontos em que lhe convém. A CUT sempre teve lado e o fato de um sujeito ser diretor sindical não o impede de assumir lado partidario, isso seria um absurdo. Não é a politica que despolitiza o trabalhador, existem uma dezenas de outras coisas que fazem isso. Você mantem criticas que engessam qualquer tipo de ação inclusive a sua. Isso mostra que você não esta mudando nada, e esse é apenas um discurso do tipo classe media ou classe media alta tipico da USP, PUC ou que a valha. Outra coisa não da pra existir uma mudança na essencia da nossa sociedade atravez do estado, o estado pode ajudar democcratizando suas relações. Mas concordo com o sindicalista guerreiro acima, acho que voce aprende, eu aprendi!

  5. Gostaria de ter que responder críticas a meu texto, ao invés de ralas críticas a minha pessoa… Acho bastante baixo esse tipo de argumento de autoridade, que, não tendo bons argumentos para atacar uma idéia, tenta diminuir o autor. Enfim…

    Não estudo na USP, tampouco na PUC. Não faço curso superior algum, e não sou formado. Sou somente um mero trabalhador bancário precarizado – de forma alguma é meu salário que me permite olhar a realidade com desdém (e tenha certeza que candidato nenhum vai nascer pra mudar a realidade. Impressionante uma pessoa envolvida com política continuar tendo essa falsa esperança ingenua depois de mais de um século de “democracia” representativa. Citando o chavão: “Se o voto mudasse qualquer coisa, já teria sido proibido).

    Desnecessário dizer que acho que esse papo de democratizar o estado uma grande bobagem. Estado algum pode ser democratico, ele é opressor, criador de excluídos e privilegiados, por natureza. A instituição Estado precisa ser demolida, não tranformada. Superada, transcendida, não reformada.

    Por fim, minhas críticas não engessam qualquer tipo de ação. Elas engessam todo tipo de acão política eleitoreira, somente esta. Caso você pense que política se resume ao aparato do Estado, ao voto, só daí sim toda acão está paralisado. A tese que está por trás deste texto é exatamente esta, que o erro histórico do projeto CUT/PT foi ter escolhido o caminho eleitoral. Foi ter deixado as suas alas oportunistas, aparatistas, se sobreporem aquelas que realmente estavam interessadas numa transformação social. Uso como indício disto o fato da CUT ter sido mais importante, conquistado mais direitos para os trabalhadores, exatamente quando o PT tava completamente fora do planalto. Coincidência ou não, na idade de ouro do sindicalismo brasileiro, na época da conquista dos principais direitos trabalhistas, a “esquerda” também não tinha nenhum urubu no planalto. Agora que “temos” representantes no planalto, estes aproveitam o fato de terem as maiores centrais sindicais comendo em sua mão, para aprovar medidas anti-populares como a reforma da previdencia. O que as instituições classistas dos trabalhadores estão fazendo contra este governo claramente defensor da classe dominante? Abertamente defensor do capitalismo, e de todas as injustiças que ele tras consigo? Nada, pois estão todas com o rabo preso com este mesmo governo.

    A tese que defendo é que o lugar da esquerda é na base dos movimentos sociais, é nas ruas, nas barricadas, nos protestos, nas ocupações, nas greves, nas insurreições, nas revoltas e revolucões. Não no palácio da classe dominante, jogando com as regras e os termos deles. Aprendendo a oprimir a classe trabalhadora (o que é governar senão isto?). Logo, sobra MUITO espaço pra atuação política, é só tirar os olhos do poder estatal, acabar com esse fetichismo.

    Não gostaria de ter que me defender (já escrevi isso…), mas sou obrigado. Atuo sim na realidade brasileira, atuo no sindicalismo da minha categoria, no coletivo bancários de base. E faço parte da FASP e da OPA, que possuem trabalho com o MST, e tem iniciado um trabalho com o MNCR, e outro na ZL.

    Bem, tenho que ir trabalhar.

    Até mais
    (espero que os próximos comentem o texto, não a mim…)

  6. Ah…

    Caro colega:
    Vc diz que é anarquista e trabalha em um banco, pelo que entendi, ou seja, tem uma pequena contradição de ideais aí…
    Bom esse não é o foco , certo? Deixa pra lá…
    Eu confesso que não vi “falta de argumento” ou “ataques a sua pessoa” nos outros posts, mas blz…
    O fato, caro Hugo, é que esse “chove e não molha” leva todos para um só lugar, O PODER!
    Revoluções foram feitas para a tomada, ou retomada do poder… Eleições sindicais são feitas para que a chapa vencedora tome o poder, ou permaneça nele…
    Nós bancários sabemos que nosso sindicato é Cutista e a maior vertente atuante é a Articulação que é petista. Vc faz parte do COBASE, e eu entendo muitos dos pontos que vcs estão sempre batendo nas plenárias e assembléias. Vc fazem oposição a Articulação e se pudessem fariam uma revolução e tomariam o PODER que eles possuem “democraticamente”.

    Colega… Todos vcs envolvidos em eleições estão em uma guerrinha de PODER, então não me venha com bobagens!

    Até a luta!

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