Vinte estudantes estão ameaçados de “eliminação” da Universidade de São Paulo (USP) por conta de seu ativismo político. Quatro deles, por conta da ocupação da própria Reitoria em 2007, e dezesseis, pela retomada de parte da moradia estudantil (CRUSP) durante este ano. Todos eles respondem a processo administrativo por “praticar ato atentatório à moral ou aos bons costumes”, “perturbar os trabalhos escolares e a administração da universidade”, “atentar contra o nome e a imagem da universidade”. Eles devem depor nos dias 23 e 30 de novembro, na Reitoria da USP. Atos de apoio estão previstos para os dois dias de depoimento: às 9h da manhã do dia 23 e às 12h do dia 30.

A pena para as acusações contra os estudantes é a eliminação (que pode significar um afastamento permanente da instituição). As acusações estão baseadas em um decreto da Ditadura Militar de 1972, n° 52.906 do Regimento Geral da USP. Tal decreto foi instituído em 1972, sob a égide do AI-5. Tanto o decreto da USP quanto o Ato Institucional número 5 que lhe dava sustentação jurídica, foram redigidos pelo ex-reitor da USP e ex-ministro da Justiça da ditadura militar, Luis Antonio Gama e Silva. Mas se o AI-5 foi revogado em 1978, o decreto da USP ainda vigora de forma “transitória” há algumas décadas e, inconstitucionalmente, ainda proíbe greves e manifestações políticas, prevendo sanções para quem “promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares; afixar cartazes fora dos locais”.

O Regimento da USP foi parcialmente reformado em 1988. Entretanto, mais de 25 anos após o fim da ditadura no Brasil, seus fundamentos arbitrários ainda são mantidos. Atualmente, ele se soma a outros movimentos que remetem à Ditadura Militar, como a intervenção da Polícia Militar em greves e manifestações no interior do campus universitário, a indicação direta do reitor pelo governador do Estado e a aprovação de decretos e dispositivos que ferem a autonomia universitária definida no próprio estatuto da USP.

No caso dos quatro estudantes associados à ocupação da Reitoria da Universidade em 2007, o processo, depois de arquivado – o que foi parte do acordo entre administração e estudantes para colocar fim ao movimento –, foi recentemente reaberto com base no depoimento de um único estudante, que não participou do movimento.

O mesmo decreto 5.906 do Regimento Geral da Universidade foi utilizado na justificativa da punição ao professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), que denunciou à imprensa irregularidades nos laboratórios de sua unidade. Regidos por um decreto de disciplina similar, funcionários da USP e seu sindicato, o Sintusp, respondem a mais de 20 processos por participação em greves e manifestações, que são direitos constitucionais, na luta pela isonomia salarial. Um caso particular, ocorrido em 2007, é o do funcionário e dirigente sindical demitido por clara motivação política, abrindo um precedente punitivo na categoria que não existia desde o fim da Ditadura.

A USP é a maior e mais importante universidade brasileira, pelo seu papel na vida científica, cultural e política do país. O exercício da democracia e do direito de livre expressão tem sido negado de forma autoritária a sua comunidade, sob o argumento de que é uma atitude incompatível com a  necessidade de um funcionamento mais “eficiente”da universidade, exigido tanto pelo maior controle do Estado, quanto pelo crescimento das parcerias da universidade com o mercado.  . O projeto de “modernização acadêmica” do reitor Grandino Rodas é abertamente avesso ao ativismo sindical e estudantil, já que calcado em premiações para as faculdades e institutos “mais eficazes”, incentivando “a competição entre os diferentes núcleos da USP”, como descreve o próprio reitor em recente artigo à Revista Veja em 27 de outubro. No entanto, para realizar tal objetivo, parece estar mobilizando dispositivos jurídicos e institucionais extemporâneos e incompatíveis com o regime democrático formalmente instituído no país.

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