Gurgaon, região apresentada como farol do progresso capitalista da Índia e da sua promessa de vida melhor para as multidões que se amontoam ao portão do desenvolvimento. Sete jovens trabalhadores falam do que são as suas vidas. Por Gurgaon Workers News [*]

f_gurgaon08Falámos com sete jovens trabalhadores de Gurgaon acerca da vida na aldeia e na cidade, do trabalho e da esperança. Têm cerca de 20 anos de idade e fazem parte da nova geração de trabalhadores da Índia urbana. Trabalham em fábricas têxteis e de automóveis, como condutores de riquexó [riquixá] [carroça-táxi /charrete-táxi de um ou dois lugares puxada por um homem a pé ou de bicicleta] e como empregados de limpeza na hotelaria. As conversas tocam os temas das questões de género, de religião e outras identidades que se colocam na transformação social urbana. E levantam a questão das forças sociais contra o actual status quo.

Uma trabalhadora têxtil

Estive a dormir. Feri-me, por isso fui dormir quando voltei do trabalho. Feri-me na máquina [de costura]. A agulha espetou-se-me na mão. O fio prendeu-se na máquina. Ao tentar soltá-lo, movimentei sem querer a máquina com o pé e fiquei com a mão debaixo da máquina. A empresa não me deu nenhum tratamento. Muita gente se fere dessa maneira. Há mais acidentes à noite. São cerca de 3.000 trabalhadores na fábrica. Muitas são mulheres, para aí 1.500 ou 2.000 devem ser mulheres. Fazem todo o tipo de trabalhos. Tudo – operador, costura e também operadores manuais. Eu sou operadora de máquina de costura. Coso sempre a mesma peça, uma manga de uma camisa. Durante um turno, tenho de coser pelo menos 80 peças. Se não atingir o mínimo, a linha de montagem continua a desfilar. Não acontece nada. As roupas são exportadas, mas não sei para onde.

f_gurgaondef02jpgTenho 17 anos. Trabalho nesta fábrica há seis meses. Antes trabalhava noutra fábrica. A Brown, que produz medicamentos. Gosto de trabalhar na Export Line porque fazer vestuário é um trabalho mais limpo. Nos medicamentos, nem queira saber. Há muitos objectos de vidro. Quando se quebram, fazem-nos cortes nas mãos. Temos de lavar frascos. Então o pó dos medicamentos, se nos atinge nas mãos ou na cara, arde. Faz-nos mal. Trabalhei nessa fábrica dois meses. Foi o meu primeiro emprego. Deixei-o porque pagavam mal. 2.500 rupias [40,30 euros, 95,5 reais]. E tinha de trabalhar muito. Doíam-me os ossos. Tinha de trabalhar com medicamentos. Não gostava daquilo. Sentia claustrofobia.

Ganho dinheiro, as moças abaixo dos 18 anos não arranjam empregos. Mas eu estava desesperada e menti para ter o emprego. A minha família vive tão mal. Só eu e a minha irmã mais velha é que ganhamos algum. O meu pai está vivo, mas tem problemas nos joelhos. Não trabalha. Tenho um irmão mais novo. Estamos a tratar da sua educação, a minha irmã e eu – trabalhando. Por isso eu disse na empresa que tinha 19. E eles deram-me trabalho. De contrário não mo teriam dado.

Aqui é normal as mulheres trabalharem. Mulheres operárias, sempre as houve aqui. O ambiente nas firmas de exportação é bom. Não há assédio, há mesmo alguma pressão sobre os homens para se comportarem bem. Por isso ninguém se mete. Claro, falamos muito uns com os outros, homens e mulheres, mas ninguém força ninguém. Na fábrica pode-se falar. No nosso refeitório também, os homens comem de um lado, as mulheres do outro. Mas trabalham juntos. Porque assim fazem as mulheres trabalharem mais. E as mulheres estão a passar a perna aos homens. As mulheres até fazem trabalhos que os homens não são capazes de fazer, trabalham mais intensamente. Os patrões acham que talvez as mulheres tenham menos resistência.

O maior problema é ir ao banheiro. Há tantas mulheres e homens a trabalhar na fábrica, mas só 2 ou 3 banheiros. Por isso há sempre fila de espera. Quando fazemos horas extraordinárias a vantagem é que ganhamos a dobrar [o dobro]. Por duas horas de trabalho pagam-nos quatro. Se trabalharmos ao domingo, pelas oito horas dão-nos dezasseis. Fazendo oito horas por dia, eu ganho 4.200 rupias ao mês [68 euros, 161 reais]. Dou o dinheiro todo à minha família, só fico com 400 ou 500 rupias para mim. Dou o resto. O nosso salário deveria ser de 4.500 rupias. Mas a empresa não as paga. Só paga 4.200. Das 4.200 rupias, 500 vão para os descontos das pensões [previdência]. Por isso, depois dos descontos ficamos com cerca de 3.600. Daqui eu tiro 300 para os transportes, e fico com 50 a 100 para os meus gastos pessoais. Se todos se unissem, poderíamos lutar pelos salários. Sozinha, não posso fazer nada. Se nos juntarmos podemos pedir o que nos é devido. Se ganhássemos 4.500 é que estava certo. Devíamos ter bonificações. Como hoje: quando me feri, fui pedir ajuda médica, não fizeram nada por mim. Só me deram meio comprimido. Foi eu que tive de ir tomar uma injecção contra o tétano. E arranjar medicamentos. E então melhorei. Paguei 50 rupias do meu bolso.

P: Na fábrica existe um sindicato?

A: Sindicato?

P: Sindicato – como é que lhe chamam? AITUC [1], por exemplo?

A: Unidade [Ekta]? Há unidade. Se nos pressionam, não é só um que protesta, protestamos todos. Se alguém grita connosco, todos respondem. Somos unidos. O capataz grita porque não lhe entregamos a peça, porque não produzimos, porque não cumprimos as metas, por isso ele grita. Se uma peça tem defeito, ele grita. Nós só lhe dizemos: “O que não fizermos nesta hora, faremos na seguinte”. Ou: “Não sei porque isso aconteceu”. Damos-lhe para trás. Há a mesma unidade entre homens e mulheres.

Eu tenho uma amiga na fábrica, que se chama Bharti. Aqui no basti [bairro operário], só tenho vizinhos. Aqui não quero fazer amigos. Falam muito bem pela frente, e depois dizem mal pelas costas. Criticam-me. Se faço alguma confidência, vão logo espalhar por todo o lado.

Gostava de ser alguém, apesar de não ter instrução. Ter uma profissão, um emprego de escritório. Era bom conseguir um emprego desses. Aqui, chego em forma pela manhã; mas volto para casa muito cansada. Cansada de trabalhar.

Talvez os meus pais me casem daqui a um ou dois anos. Se não for aqui, será com alguém da aldeia. O que essas pessoas querem que eu faça e o que não querem que eu faça – eles têm de decidir. Se me casar, poderei ver a minha família? Não me deixarão ir ver como estão os meus pais. Eu gostaria de ficar com eles. A nossa situação presente pode mudar. Posso arranjar um bom emprego e melhorar a nossa situação. Sim, eu gostaria de trabalhar depois de estar casada, porque a inflação é muito alta actualmente. Por isso, havendo dez pessoas na família, se elas não ganham nada, a casa não se aguenta. É tudo tão caro. A família não se aguenta só com um salário. É por isso que eu quero trabalhar depois de casar, se me deixarem. Nunca fui à aldeia. Não sei como é. Não sei fazer o trabalho de uma aldeia.

Condutor de riquexó

Vivo em Gurgaon há dez anos. Conduzo uma bicicleta-riquexó. As condições há dez anos atrás eram melhores, agora estão muito mal. Porque há muito mais gente. O trabalho que se fazia por 2.000 rupias, agora temos de o fazer por 1.000. Está mal. As pessoas vêm de Bengala Oeste, de Bihar, do Uttar Pradesh, de Jharkland, de Madhya Pradesh…

f_gurgaondef03Quando cheguei a Gurgaon não havia aqui nada. Não havia estes prédios grandes, nem tantas casas, nem alugueres [aluguéis] caros. Pagávamos 200, 300, no máximo 500 rupias de aluguer. Os proprietários das terras costumavam pedir-nos para alugar as casas e eram prestáveis com os inquilinos. Agora, quando se vai alugar, dizem que não têm lugar, mesmo quando têm casas vazias para alugar. Porque não podemos pagar as rendas que eles querem. Podemos pagar 1.000 ou 1.200 rupias. Como poderíamos pagar 2.000 ou 4.000?

A maior parte dos trabalhadores alugam os seus riquexós, o aluguer é de 1.000 rupias por mês. Nós ganhamos 4.000 a 4.500. Por isso ficam 3.500. Pagamos 1.000 rupias pelo aluguer da barraca.

A barraca custa 1.000 rupias, mas por esse preço pode-se também alugar um quarto. Viver num quarto de uma casa a sério é difícil porque aí temos de cozinhar a gás. Nós cozinhamos com lenha. Para o gás precisamos de um cilindro [botijão]. E não conseguimos o cilindro porque precisamos de ter um cartão de racionamento [2]. Além disso não nos dão qualquer espaço para arrumar [guardar] o riquexó. É por isso que temos de viver em barracas.

Existe alguma tensão entre os mais antigos e os que chegam agora. Por exemplo, você vem e eu digo-lhe: “São 50 rupias pela corrida”, enquanto outro condutor de riquexó chega e diz-lhe “São 20 rupias”. Assim não pode funcionar. Tem de haver tensão. Se a tarifa é 50 rupias, como é que se pode levar só 20? Uma tarifa mínima de riquexó? Ninguém fala disto. Porque aqui não temos um sindicato de riquexós. Por isso ninguém fala do assunto. Se não tiramos 20 rupias por quilómetro, não há nada a fazer.

Por vezes a polícia faz rusgas. Dizem “este é um imigrante ilegal”, mas são simples trabalhadores. O problema que temos com a polícia é que nós parqueamos [estacionamos] os riquexós nas ruas. A polícia não quer que estacionemos em cima das ruas. Se estacionarmos à frente de um hipermercado, os seguranças queixam-se e a polícia agride-nos com bastões. Temos de suportar isso.

f_gurgaondef03aMas o que é que se pode ganhar noutro emprego, por exemplo na fábrica? 2.000 ou 3.000 rupias, talvez 3.500. Mas ninguém consegue mais do que isso. Como se pode sobreviver assim? Na fábrica trabalha-se 12 horas. Nós trabalhamos cerca de 10 horas. E na fábrica há o patrão e o encarregado. Aqui nós trabalhamos quando queremos. Mas, sim, existe tensão: sem passageiros não há trabalho.

Eu penso que isto vai piorar. A situação está muito má. Daqui a dois ou três anos vai estar mesmo mal. As pessoas vão ter de passar fome. O arroz que comíamos custava 10 rupias o quilo, agora custa 25. Daqui a dois anos vai estar a 30 ou 40 rupias. E as nossas tarifas de riquexó não aumentam. Por isso o que nos resta senão passar fome?

Que é que podemos fazer? Não podemos ir à polícia. Queixamo-nos ao governo, ele não nos ouve. Se nós, uns 10 ou 100 condutores de riquexó, ocuparmos a rua e pedirmos ao público um aumento das tarifas, a polícia virá bater-nos, porque nós não temos um sindicato. Se houvesse um sindicato, bastavam dois riquexós para bloquear a rua, nem um carro passaria.

Como fazer um sindicato? Suponha que você é o representante daqui. Poderia dizer a todos os condutores de riquexó para pagarem 500 rupias, ou 200, por mês. Então todos os condutores de Gurgaon depositariam 100 ou 200 rupias por mês, como você, e sacariam a licença, com a indicação da tarifa para cada zona. Se a polícia o chatear, você mostra-lhes a licença. Se eles não o ouvirem, você deixa o veículo ali mesmo e chama o sindicato para intervir. Há um sindicato em Bihar, também em Bengala, mas não em Haryana.

Empregados de limpeza na hotelaria

L:

Eu vim para aqui há dois anos e meio. Para arranjar emprego, trabalho, salário, por isso eu vim. Pode-se ganhar 2.000 ou 3.000. Na aldeia não é fácil arranjar trabalho. Para ter um emprego público é preciso ter qualificações, cunhas [pistolão], dinheiro, tudo isso. E nós não temos. Se não se consegue um emprego do governo, na aldeia não há empresas. Só se consegue algum trabalho na agricultura ou nas casas. Não é permanente. É temporário. Trabalha-se um dia e depois fica-se uma semana a arrastar pelas cadeiras. Não está certo.

N:

Eu cheguei em 2000. Estou aqui há nove anos. Então ainda era criança. Agora estou crescido e posso ganhar um pouco mais. Acho que não vou ficar aqui muito tempo. Vou voltar para a aldeia. É melhor na aldeia do que aqui. Aqui ninguém te respeita. Em Haryana, Gurgaon, se um bengali comete um erro é espancado. Aqui não se pode viver bem ou à vontade. Por isso eu não gosto de aqui estar – em Haryana, Gurgaon. Sim, há nove anos atrás era ainda pior. Na aldeia os meus pais nada podiam fazer. Cultivavam. Ainda temos uma pequena terra, mas agora os meus pais vivem aqui.

L:

Quando vim para cá, vim com um amigo. Ele já cá costumava estar, então foi à aldeia e trouxe-me com ele. Encontrei um emprego ao fim de dois ou três dias. Numa empresa. Pequena. Uma pensão. Sim, fazer limpezas numa pensão. Sim, encontrei emprego em pouco tempo porque o meu amigo me trouxe com ele.

N:

f_gurgaondef04Quando cheguei eu ainda era miúdo [pequeno], não se arranjava trabalho. Nesse tempo, eu tinha 10 anos e as pessoas não davam trabalho a crianças pequenas. Foi o meu tio, que viera para cá antes, que nos trouxe. A primeira vez que chegámos a Haryana, não havia apartamentos grandes. Era como uma floresta. E também nós vivíamos em barracas. Não tínhamos um apartamento. Agora temos. Gurgaon tornou-se uma bela cidade. Antes, não era tão boa. Havia poucas ruas e estradas. Os meus pais foram à aldeia há uns dias, e voltaram, e tornarão a ir. O meu pai trabalha aqui nas limpezas. Na aldeia não há tantos odores, nem tantos carros, nem tantas ruas.

L:

Foi a primeira vez que vim a Gurgaon. Quando cá cheguei, eu nunca tinha estado numa cidade assim tão grande. Julguei que me ia perder. Não sabia o que dizer se alguém falasse comigo. Nessa altura eu não sabia falar o hindi, só bengali. Se alguém me perguntasse “Como se chama?” eu costumava pensar “O que vou responder?” Porque eu sou bengali, falo bengali. Agora não tenho dificuldades. Todos os outros bengalis que cá estão têm cá algum parente, mas até agora eu não tenho nenhum, só amigos. Não tenho cá parentes de sangue.

Aqui os costumes são bastante maus porque os bengalis bebem muito, disputam-se com as suas mulheres e não se falam de forma respeitosa. Quando há uma vaga, aparecem dez jovens a querê-la. Por isso, o que se pode fazer? Qual desses dez é que vai conseguir o emprego? Por isso há sempre perigo na questão dos empregos, há sempre imensas dificuldades. Que salário ganhamos? 3 ou 4 mil rupias. O que se pode fazer com 3 ou 4 mil rupias? Nada. Temos tantas despesas. Só o aluguer de um quarto custa 1.500 rupias. Para trabalhar num call centre a primeira coisa que é preciso é ter qualificações. E eu não tenho as qualificações necessárias. É preciso pelo menos o nível secundário. E o BA [3] tem de ser em inglês. Mas na minha aldeia o inglês não existe. Nem o hindi. Só o bengali. Só aqui é que comecei a aprender o hindi.

Há uma grande diferença entre trabalhar numa pensão ou numa fábrica. Numa pensão é um pouco mais fácil. Não temos de trabalhar tão duramente. Trabalhamos em sítios [locais] com ar condicionado, não ao calor. Podemos trabalhar livremente. Ninguém está a vigiar-nos. Nas fábricas há imenso barulho das máquinas e há muita gente. Por isso é difícil. Na hotelaria, o supervisor tem de ter uma qualificação mínima de B.A. E quem não tiver o B.A.? – não se consegue um salário. Para quem vive sozinho, é muito duro. Eu aceitei ter outra pessoa no meu quarto. Assim o aluguer fica reduzido para 700 ou 800 rupias. E se aceitar outra pessoa ainda, será ainda menos.

Vim para aqui há muitos dias – não assim tanto tempo. Depois de viver aqui cerca de um ano, voltarei à minha aldeia, vou viver com os meus pais. Depois volto aqui por uns seis meses, um ano. Mas nós não queremos ficar aqui para sempre.

O N. e eu somos amigos, ele é muçulmano, eu sou hindu. Mas as pessoas que não são amigas pensam “Essa pessoa não me devia dirigir a palavra, não devia tocar-me”. “Não gosto de me encontrar com eles”. É assim que pensam nas aldeias. Aqui, menos. Aqui não pode funcionar assim. Aqui a amizade funciona. Na aldeia, se eu for a casa de alguém, dizem-me para não ir. Dizem “Não venhas, não me toques”. Acontece muito, ainda hoje. Eu penso de outra maneira. Para mim, ele é um bom amigo – é isso que eu penso.

Operário de fábrica de automóveis

Estou a chegar do trabalho na empresa. Acabei agora o turno da noite, de 12 horas. Sou operador de VMC. “Vertical Machining Center” – é um trabalho de desenho e de moldagem. É um trabalho de coloração. A partir das colorações é que fazemos os modelos, e então é que começa a produção na oficina de prensagem. O principal cliente é a JCB, que são fabricantes de escavadoras. Fazemos componentes delas. E também para o Hero Honda e o Escort.

f_gurgaondef05Há 450 a 500 operários na fábrica. Cerca de 150 a 200 são permanentes. E sou contratado directamente pela empresa. Os subcontratantes recebem cerca de 4.200 rupias por oito horas e pagam cerca de 3.500. Eu ganho 9.000 rupias por mês. Por oito horas diárias, mais quatro horas extra de turno de dia. Na fábrica há trabalho de forjas, por isso há fumos [fumaças] e há fogo. É um trabalho duro e os trabalhadores têm problemas. Há muito trabalho. A fábrica funciona 24 horas, mesmo aos domingos. Após 12 horas de trabalho, eu durmo quatro ou cinco horas e fico sentado junto da família. Só tenho tempo para trabalhar e comer e dormir.

Trabalho numa máquina CNC [4]. Depois de a regularmos, ela trabalha sozinha, não temos de fazer nada. Tirei um curso de manipulação [operação] de máquinas. São cerca de dois anos para tirar esse diploma. O curso custa cerca de 30.000 rupias. Com o diploma consegue-se um emprego de 8.000 a 10.000 rupias por oito horas de trabalho [por dia]. Trabalho aqui há três meses. Antes disso estive em estágio. O próprio trabalho pode ser feito sem ter tirado o curso, mas levava mais tempo.

O meu pai trabalha para o Electricity Board. Por isso ele é o único que não vive em Allahabad. Os irmãos ainda lá vivem. A minha mulher também ainda lá vive. Eu sou brâmane, mas na fábrica não há diferenças entre castas. Aqui nos bastis [bairros operários], as pessoas pensam em função das castas e isso cria diferenças. Diferenças quanto à alimentação. Comemos separados. Nós não comemos carne, ao passo que as pessoas das classes inferiores comem carne. Eu gosto quando as pessoas se misturam e comem juntas. É correcto.

Operário têxtil

A princípio, quando cheguei da minha aldeia, eu achei estranho o ambiente aqui na cidade. É difícil arranjar um emprego; vim para cá para trabalhar sete ou oito meses e depois voltar para casa, e depois voltar para aqui. Na cidade, há estranhas maneiras de viver e de comer. Não há tempo para comer e dormir. Levantamo-nos para ir trabalhar, tomamos o duche [chuveiro] para ir trabalhar, comemos para ir trabalhar. Não sobra nada para a nossa vida própria.

Eu tinha aprendido o trabalho de coser durante dois anos, na aldeia. Tinha então 12 anos de idade. E tinha 14 anos e meio quando vim para aqui. Não vim para a cidade sozinho. Havia um parente – o filho de um tio do meu pai. Vim com ele. Ensinou-me o trabalho durante sete ou oito meses. Vivi com ele durante três ou quatro anos, após o que passei a viver sozinho. Desde então tenho vivido sempre aqui.

f_gurgaondef061O primeiro emprego era duro. Durante seis meses trabalhei continuamente das 9h até à 1 da madrugada. Sem férias nem feriados. Por via disso tive problemas de saúde – respiratórios. Tive de ser tratado durante um ano. Com o tratamento, gastei mais do que ganhava. Agora estou bem. Ao fim de seis meses fui trabalhar para outra fábrica, a J.P. Export, até à idade de 15 anos. Quando fiz 15 anos fui trabalhar durante dois anos na Liliput Kidswear. Agora estou a trabalhar há um ano na Unistyle Image. Ao todo, trabalhei numas sete ou oito fábricas e, ao longo destes sete anos, o salário nunca aumentou. Nunca fui admitido como permanente, foi sempre assim. Agora tenho 22 anos.

Durante o ano, trabalhamos dez ou onze meses e passamos um mês na aldeia. E também vamos à aldeia uma ou duas semanas todos os três ou quatro meses. Vamos uma semana e voltamos. Não é muito aconselhável. Há pessoas que só voltam à aldeia ao fim de cinco anos porque lá nada muda – tudo está na mesma. Por isso vai-se indo à aldeia conforme as necessidades. Essas pessoas têm uma relação com a aldeia por causa dos pais, ficam na aldeia durante dois a quatro meses. Trabalham só seis meses. Os que não têm dinheiro voltam para a aldeia ao fim de nove ou dez meses, ou ao fim de quatro ou cinco anos. Para quem vem de Bihar é difícil ir a casa de três em três meses. Ganham-se 3.000 rupias, poupam-se 1.000 ou 2.000. A viagem de combóio [trem] custa 1.000 ou 2.000 rupias. Por isso não se vai. A minha aldeia está aqui mais próxima. Custa só 150 rupias, por isso vou lá mais vezes. Mas os que têm de pagar 500 ou 600 rupias e demoram 36 horas na viagem, esses fazem-no com menos frequência.

Quem tiver mais idade, 45 anos, não pode trabalhar tão duramente; porque hão-de ser pressionados? E quanto mais velhos vamos ficando, menos capacidade temos para trabalhar. Agora que tenho 40 anos já não consigo ver bem para coser, acabarei por ficar cego. Porque as linhas de cosedura [costura] são muito fininhas, é um trabalho de pormenor. Por isso tenho de pensar no que vou fazer a seguir. Veremos. Alguns voltam para a aldeia e cultivam a terra.

Normalmente ganho entre 5.000 e 6.000 rupias. Pago 850 de aluguer. Como somos três, o meu aluguer fica em 300. Em comida consigo gastar entre 2.000 e 2.200 rupias. Claro que, para quem fumar ou beber, essa despesa é maior. Mas eu vivo simplesmente, por isso arranjo-me com 2.000 rupias. Se acontecer ficar doente, não se pode saber quanto vamos gastar. Não se sabe o que nos vão levar os médicos. Quem ganhar 6.000 rupias pode poupar umas 3.500. Eu tenho de mandar algum dinheiro para casa.

O governo tem aumentado o salário diário, mas o que se ganha no trabalho à peça tem vindo a diminuir. Até agora, eu trabalhei sempre à peça. Há sete anos, a tarifa de Delhi para uma semana de oito horas eram 3.200 rupias; agora são 4.550. Por exemplo: pode-se dizer que, há 20 anos atrás, todos os trabalhadores era permanentes. Há 10 anos atrás talvez metade fossem subcontratados. Agora devem ser 80% dos trabalhadores subcontratados. Mas, comparando com o passado, os nossos ganhos desceram.

Antes, as máquinas eram conduzidas com os pés. Agora há uma máquina computorizada em que não é preciso cortar o fio. A máquina computorizada é mais segura e mais rápida. Enquanto nas máquinas antigas nós podíamos fazer sete peças, nas novas chegamos às dez. Mais três peças. Onde se ganhavam 12 rupias, ganham-se agora 36. O problema é ter de estar sentado durante 16 horas. É uma posição difícil mas temos de ficar ali sentados porque a empresa está sempre a pressionar-nos. Se não o fizermos, vamos para a rua. Por isso é assim que fazemos, para podermos viver. O ambiente entre os operários é bom, mas por vezes há tensões. Uns têm mais trabalho do que outros. Sendo à peça, há uns que conseguem 10 peças enquanto outros conseguem 20, então fala-se porque é que uns têm mais peças do que outros.

Para melhorarem a sua vida, os operários só acreditam numa coisa: o que está escrito no destino de cada um é o que irá acontecer. É esse o seu único objectivo. Se o seu destino é fazer 12 horas por dia, então não adianta, ou nem sequer se perguntam o que fazer para mudar isso. A nossa vida não melhorou; ao contrário, tornou-se um inferno. E está a piorar porque há menos trabalho. Há uma empresa que fechou, e tudo foi vendido. Nos próximos três ou quatro anos o trabalho vai diminuir e a situação vai-se tornar mesmo má. Vamos andar de empresa em empresa. Quinze dias num sítio, e logo mudar para outro. Vamos continuar a ganhar o nosso pão mas, em vez de 5.000 ou 6.000 rupias, conseguiremos 4.000. Torna-se difícil mudar de emprego porque é preciso aprender o novo trabalho. Quando se observa outra pessoa a fazê-lo parece fácil, mas quando nos calha a nós percebemos que é tudo treta.

Os operários estão descontentes, mas os encarregados estão sempre ali a vigiar. E trabalhadores não lhes faltam. Se um se vai embora, há dez para ocupar esse lugar. Se não cumprir os objectivos, mandam-no embora e colocam outro no lugar. E os operários estão sempre a mudar – ninguém é permanente. Hoje volta-se do trabalho, mas não há qualquer garantia de que amanhã se terá o mesmo trabalho. Por isso não adianta estar a pensar no futuro. Aqui, a condição dos operários mantém-se sempre assim. Se não há espaço para respirar, há que aguentar. Por isso não há esperança pois não sabemos o que poderá acontecer amanhã.

Em sete anos, esta foi a única fábrica onde os operários pararam o trabalho, porque eles ofereciam 10 rupias por peça e nós dissemos que isso é pouco e eles se negaram a aumentar. Por isso parámos o trabalho. Então foi negociado que eles iriam aumentar uma ou duas ou quatro rupias. Quando vimos que isso nos daria mais 200 a 250 rupias, então voltámos ao trabalho. Há pouco tempo ofereceram 28 rupias por peça. Nós parámos a trabalho e eles aumentaram para 32, e depois para 35. Nós continuámos parados e eles acabaram por oferecer 37 rupias. Nisto estiveram envolvidas todas as 50 pessoas que fazem a costura.

f_gurgaondef06bAo todo há cerca de 100 operários na fábrica, dos quais 100 são alfaiates-cortadores, 20 senhoras que cortam o fio, 15 ou 20 que passam a ferro, e os ajudantes. Os alfaiates-cortadores lutaram pela sua tarifa, os outros não participaram. São quase todos subcontratados. E dizem-nos: “Vocês são operários especializados. Se saírem daqui encontram trabalho noutro sítio. Mas para nós será difícil arranjar outro trabalho. Estamos bem como estamos.”

Não tivemos muito medo de fazer greve. O nosso trabalho é tão inseguro que nós, os que trabalhamos à peça, nunca sabemos quando nos vão mandar embora. Alguns tinham medo de perder o emprego. Mas nós trabalhamos à peça, de forma que, se amanhã não houver trabalho, eles livram-se de nós na mesma. Foi por isso que, quando ele recusou dar-nos a tarifa que nós queríamos, nós lhe dissemos para fechar as nossas contas. Quando ele se preparava para nos despedir, veio o encarregado da produção e disse que daria 37 rupias. E assim foi retomado o trabalho.

Não, não houve nenhum líder. Éramos 50 operários especializados. Na hora do almoço, às 15 horas, todos os operários especializados vieram cá para fora e falaram uns com os outros e eles deviam aumentar-nos senão íamos parar de trabalhar às 15h30. Então fomos todos para dentro e parámos de trabalhar. Quando o encarregado nos disse que trabalhássemos, nós dissemos “Primeiro aumentem a tarifa”. Não era preciso um líder. E não houve um acordo com os directores, só com o contratador. Os directores disseram que nada tinham a tratar connosco. Os patrões não têm nada a tratar connosco. Somos operários subcontratados, por isso é a empresa subcontratante que vem falar connosco. Há duas subcontratantes. Eles é que falaram com os directores. Os directores nunca falaram connosco, se íamos trabalhar ou não.

Conseguimos 100 rupias por cada 12 horas. Uma vez acordada a tarifa, ela mantém-se igual para a mesma produção [encomenda]. Porque as encomendas são de 2.000 a 4.000 peças. Neste momento a produção é de 12.000 peças, e para essas peças concordámos que seria aplicada essa tarifa. Mas o maior problema é que há uma grande quantidade de trabalhadores disponíveis. Por isso é difícil decidir como fazer. No nosso caso acontecia que nós fazíamos a peça inteira. Noutros sítios é feita em produção em cadeia, por isso não se pode fazer assim. Com a peça inteira pode-se parar a produção. Em muitas fábricas dessas, onde se trabalha à peça, este tipo de situações está sempre a acontecer. Há sempre desacordos sobre a tarifa e eles sobem o salário duas ou quatro rupias. E os operários tentam obter qualquer coisa. Mas o problema com o trabalho à peça é que hoje há trabalho e amanhã não há, só para os que são assalariados, que ganham com regularidade. Mas a coisa vai dar ao mesmo. Eles ganham 5.000 rupias e nós ganhamos 5.000 rupias. Só que, à peça, há tensão e há objectivos a atingir.

Quando querem, os operários têm poder, tudo é possível, mas há constrangimentos – há a mulher e os filhos. Quando parámos o trabalho durante quatro dias, fomos aumentados. Se todos fizessem o mesmo, a vida ficava melhor. Mas se os operários tiverem pouca margem de manobra tentam safar-se dentro desses limites. Então como é que se lhes pode falar, se eles nem sequer estão preparados para pensar dessa forma? E não podemos ficar à espera de que haja uma revolução. Como dizer? Se acontecer os operários unirem-se, então se verá. Isto são tradições muito antigas e vai levar tempo a livrarmo-nos delas.

Operário têxtil

Na secção de costura trabalham 300 operários especializados – somos alfaiates-cortadores. Depois há 250 na secção de engomar e 150 na secção de corte do fio. Normalmente começamos às 9h da manhã e deixam-me acabar pelas 8 ou 9 da noite. Normalmente não me deixam parar aos domingos. Não há um dia de descanso na semana, nem sequer no mês.

É muito simples. Trabalhando duramente 16 horas, vamos directos para a cama dormir. Comemos e bebemos o que houver – seja frio ou quente – e vamos dormir. Estamos extenuados, vamos tomar algum remédio para as dores do corpo, e voltamos ao trabalho. Se não apareceres no trabalho, és despedido. Se chegares a horas [no horário], eles registam que tu chegaste e dão-te trabalho. E supõe que trabalhaste até às 2 da madrugada a noite passada, dói-te o corpo – não interessa. Sacam-te a mesma quantidade de trabalho.

f_gurgaondef06aNo corpo, é o estômago que, de repente, me começa a doer. Tomei um comprimido e fui para a empresa. Sento-me na máquina, mas se produzir menos ele não o aceita. Ele quer o máximo de trabalho, conforme o objectivo da produção. Ele quer que eu atinja hoje o mesmo objectivo de produção que consegui ontem.

Há muitas queixas. Não nos dão água limpa para beber. Bebendo água insalubre, apanhamos resfriados, febres, dores de cabeça e coisas assim. Também arranjamos problemas de saúde devido à ausência de higiene nos lavabos – malária, tuberculose, e outras. Se trabalhares 16h sem parar, sem a alimentação e o descanso devidos, é simples: ficas tuberculoso.

O corpo não coopera. Como pode o corpo cooperar quando lhe sacas 16h de trabalho? Se trabalhares com o corpo como deve ser e lhe deres o descanso devido, não há problema. Mas é muito simples. Ganhamos um salário de 4.000 a 4.300 rupias. Se a empresa não nos der horas extraordinárias, só para o quarto e a alimentação vão 2.000 rupias. Se, em cima disso, tirarmos 500 rupias para outras despesas ficamos então com 1.000 a 1.500 . E com isso não podemos fazer nada. Por isso fazemos mais horas extra para ganhar mais dinheiro.

Não é obrigatório trabalhar até à 1h da manhã. Eu posso parar mais cedo. O problema está em minha casa. Na minha família, eu inscrevi os meus filhos na escola e no liceu. Para lhes dar instrução e mantê-los, para os vestir, eu vou ter de trabalhar mesmo que seja uma pressão muito grande para mim. Isso pode dar cabo de mim, mas não posso parar de trabalhar. É assim. Para os outros, para os nossos pais – devido a serem pobres, para lhes dar dinheiro para comerem, é para isso que eu tenho de ganhar.

O meu coração diz-me: “Está bem, trabalhemos até à 1h da manhã porque o dia dura o que dura. Três horas extra não são suficientes. Temos de fazer seis. Então temos de ir até à 1h da manhã. A trabalhar até à 1h da manhã vamos ficar doentes e ter outros problemas com o corpo. Então o dinheiro que ganhamos com as horas extra vai ser gasto com os problemas de saúde. Por isso os salários teriam de ser melhores. Se agora são de 4.000 rupias, deveriam ser aumentados para 5.500 rupias. Então não precisaríamos das horas extra.

O que eu vejo é que, um ano depois de arrancarem [começarem] com a empresa, os patrões podem comprar três outras empresas e pensam em instalar mais máquinas. Tal é o lucro que eles fazem.

Notas

[*] Gurgaon, no Estado de Haryana (Índia) é apresentada como a Índia resplandecente, um símbolo de sucesso capitalista que promete uma vida melhor para todos na senda do desenvolvimento. À primeira vista, as torres de escritórios e os centros comerciais reflectem essa quimera, e até as fachadas das fábricas de vestuário têm o aspecto de hotéis de três estrelas.

f_gurgaon09Por trás da fachada, por trás das paredes da fábrica e nas ruas laterais das zonas industriais há milhares de operários no seu corre-corre sem esperança, produzindo carros e scooters [motos] para as classes médias que irão acabar na confusão do tráfego da nova autostrada [rodovia] que liga Delhi a Gurgaon. Milhares de jovens proletarizados das classes médias gastam o tempo, as energias e as aspirações académicas em turnos noturnos de call centres, vendendo esquemas [planos] de empréstimos ao povo trabalhador dos EUA ou esquemas de electricidade pré-paga aos pobres do Reino Unido. Na porta ao lado, milhares de operários imigrados do campo, desenraizados pela crise da agricultura, costuram e cosem para a exportação, competindo com os seus zangados irmãos e irmãs de Bangladesh ou do Vietname. E o corre-corre sem esperança não vai acabar; nos arredores de Gurgaon, está em formação a maior Zona Económica Especial da Ásia. Este artigo documenta alguns dos aspectos desta expansão regional miserável. Se quiser saber mais sobre o trabalho e as lutas em Gurgaon, se quiser obter mais informação ou mesmo contribuir para este projecto, pode fazê-lo através do site www.gurgaonworkersnews.wordpress.com ou do email [email protected].

[1] O All India Trade Union Congress [Congresso dos Sindicatos de Toda a Índia] (AITUC) é a mais antiga federação sindical da Índia e uma das cinco maiores. Foi fundado em 1919 e até 1945, quando os sindicatos se organizaram em linha com os partidos, era a organização mais importante da Índia. Desde então tem estado filiado no Partido Comunista da Índia. [NDT]

[2] Os cartões de racionamento têm sido um importante instrumento do Sistema Público de Distribuição (PDS), na Índia. As pessoas com determinada situação económica podem comprar bens como cereais, açúcar, querosene, etc. a preços diferentes, na base do cartão de racionamento. [da Wikipédia]

[3] B.A. significa Bachelor of Arts. É um primeiro grau universitário. Em geral destina-se aos jovens que concluíram o ensino secundário na área das artes. Mas quem tiver seguido matemáticas ou biociências também pode cursar um grau B.A. [NDT]

[4] Computer numerical control: um sistema computorizado lê as instruções e opera a máquina. [NDT]

Tradução do inglês: Passa Palavra

1 COMENTÁRIO

  1. Belo texto!

    Sem querer diminuir as especificidades indianas… Creio que podemos dizer: por mais espantoso que seja, as condições de trabalho na Índia não são novidades. Jornada de trabalho, falta de direitos trabalhistas, falta de condições sanitárias básicas no local de trabalho, salários rebaixados… Tudo isso já foi visto na Inglaterra (ver os Relatórios de Fábrica citado por Marx, ver a Situação da classe operária de Engels). Tudo isso é comum na China de hoje (ver textos de Han Dongfang, ver pesquisas de Mylène Gaulard ou a materia jornalistica de Philippe Cohen). E tudo isso aparece também nos países “civilizados”, quando o que está em jogo são as condições de trabalho dos imigrantes.

    O que inquieta e merece reflexão para se pensar uma saída anti-capitalista (aqui é que as especificidades importam e, creio eu, precisamos evitar generalizações), é a situação de CLASSE (solidariedade, organização, identidade e etc.). O texto apresenta uma situação inquietante.

    Ex:

    De um lado ouvimos: “Se nos pressionam, não é só um que protesta, protestamos todos. Se alguém grita conosco, todos respondem. Somos unidos”.

    Do outro ouvimos: “Para melhorarem a sua vida, os operários só acreditam numa coisa: o que está escrito no destino de cada um é o que irá acontecer. É esse o seu único objectivo. Se o seu destino é fazerem 12 horas por dia, então não adianta, ou nem sequer se perguntam o que fazer para mudar isso”.

    Ou ainda: “O nosso trabalho é tão inseguro que nós, os que trabalhamos à peça, nunca sabemos quando nos vão mandar embora. Alguns tinham medo de perder o emprego. Mas nós trabalhamos à peça, de forma que, se amanhã não houver trabalho, eles livram-se de nós na mesma”.

    Há aqui uma solidariedade espontânea entre os que vivem as mesmas situações. Mas por outro lado, há uma ressignificação de crenças religiosas (espécie de “espírito do capitalismo” pronto para justificar o sofrimento terreno, afinal, nenhum sistema de exploração se manteria de pé apenas com o chicote) e , uma insegurança no trabalho pronta para dissolver uma coletividade que parecia se colocar como imediata.

    Marx e Engels diziam que a humanidade coloca para si apenas problemas que ela é capaz de resolver… Espero que isso ainda seja válido…

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