As manifestações contra o aumento em São Paulo fortalecem a ideia de transporte como direito e a organização social autônoma. Por Passa Palavra.

Costumo ter muito receio de dizer que uma luta é vitoriosa. Esta expressão me lembra as mobilizações tradicionais da esquerda estudantil, que a cada ato afirma no carro de som que já somos vitoriosos, ainda que as diversas manifestações em pouco ou nada resultem. Mesmo quando as lutas atingem seu objetivo, costumo dizer que obtivemos conquistas, a vitória seria só com a superação do capitalismo.

Manifestantes tomam o terminal
Manifestantes tomam o terminal

Porém, na última quinta-feira me peguei pensando que tínhamos vencido, quando cerca de três mil pessoas conseguiram entrar no maior terminal de ônibus urbano da América Latina, o Parque Dom Pedro II, em São Paulo, abrir portas de ônibus para que as pessoas andassem gratuitamente e sair sem nenhuma repressão. Para mim ficou certa uma coisa, ao menos um mito nós vencemos: depois do dia 10 de fevereiro de 2011 não mais poderão dizer que entrar em terminais é uma cilada, suicídio ou qualquer coisa deste tipo. O movimento mostrou-se forte o suficiente para entrar no terminal e continuar a manifestação; mostrou também à população que é possível manifestar-se por transporte, que é possível entrar gratuitamente no ônibus e que a construção de outro modelo de transporte e de sociedade depende da nossa auto-organização.

Estudantes param a Av. Faria Lima
Estudantes param a Av. Faria Lima

Exemplo desta organização direta foi o primeiro ato regional, que ocorreu no Largo da Batata, no dia 09 de fevereiro. Este ato foi organizado pelos grêmios de escolas secundaristas, que decidiram que não haveria bandeiras de partidos no ato, e reuniu mais de uma centena de pessoas contra o aumento. Os manifestantes, animados pelas palavras de ordem e o ritmo da Bateria do Movimento Passe Livre (MPL) distribuíram milhares de panfletos, estenderam faixas contra o aumento da tarifa e fecharam várias ruas e cruzamentos de grande circulação do bairro de Pinheiros – como a Avenida Rebouças, Teodoro Sampaio e Faria Lima. Durante o ato os estudantes realizaram catracassos [libertação das catracas, ou seja, os torniquetes que obrigam ao pagamento de bilhetes] e intervenções em algumas paradas de ônibus. A população, que acompanhava o ato, apoiou as reivindicações e muitos usuários [utentes] aproveitaram o momento para  expressar sua indignação contra a superlotação e o altos preços das tarifas.

Police Neto e Marcelo Branco
Police Neto e Marcelo Branco

Nas manifestações de 2011 conseguimos também um respaldo institucional muito grande, diversos vereadores procuraram conversar com o Movimento e conseguimos forçar a Câmara a marcar uma audiência pública. Nesta audiência as planilhas apresentadas pelo secretário de Transportes, Marcelo Branco, foram questionadas pelo Movimento, uma vez que elas apenas evidenciam a opção política da Prefeitura de onerar o usuário ao invés de investir o dinheiro público no transporte coletivo. A força do Movimento foi tal que nenhum dos vereadores inscritos para falar teve coragem de defender o aumento da tarifa, sequer o secretário falou sobre aumento e não respondeu aos argumentados levantados pelo Movimento, apenas tentou fugir do tema, propondo o desvio de verbas para projetos sociais de crianças e adolescentes (FUNCAD) para que se custeasse o passe livre estudantil.

Manifestantes ocupam o plenário
Manifestantes ocupam o plenário

Os manifestantes, que enchiam as galerias da Câmara, quando perceberam que em nada resultaria aquela audiência resolveram invadir o plenário para forçar uma reunião de negociação com o executivo. Neste momento o secretário tentou fugir da Câmara, mas foi impedido pelas pessoas que acompanhavam a audiência via telão [écran gigante]. A ocupação da Câmara só acabou após o compromisso de uma reunião de negociação entre o Movimento, os vereadores e o executivo, que ocorrerá esta semana, ainda sem data definida.

O outro resultado da intervenção na Câmara é a ação que será impetrada pela bancada de vereadores do PT, pedindo a suspensão do aumento, pois os dados apresentados nas planilhas, como preço do Diesel e dos pneus, estão muito acima dos valores de mercado.

O MPL tem consciência de que é nas ruas que este aumento será barrado, por isso irá diretamente ao centro de decisão política da cidade, a Prefeitura, nesta quinta-feira (17/02) às 17 horas, mostrar ao prefeito Gilberto Kassab que não aceitaremos este aumento. Podemos ver também uma articulação com os trabalhadores dos transportes coletivos, até porque este ato conta com a adesão dos sindicatos, tanto de metroviários [trabalhadores do metro] quanto de ferroviários que, junto ao MPL, escreveram uma carta convocando a população a participar das mobilizações contra o aumento do ônibus, metrô e trem.

As comunidades comparecem.
As comunidades comparecem.

Os atos regionais também continuarão. Na quarta-feira (16/02) os grêmios chamam mais uma manifestação para o Largo da Batata, às 16h30, e na sexta-feira diversas associações comunitárias da Zona Sul vão fazer um ato às 17h, no Terminal Grajaú. E na próxima semana devem acontecer ações na Lapa e na Zona Leste.

De fato, nesta luta podemos perceber uma mudança significativa no MPL-SP, que passou a ser um movimento reconhecido pelo conjunto da sociedade e pela chamada opinião pública. Assim, tivemos uma retomada de um processo de politização social a partir de um grupo autônomo que não encaixa-se nas estruturas da esquerda, que mostra em seus atos que a política não se faz com carro de som e palavras de ordem “sérias”, mas com propostas, trabalho de base, música, futebol, que um ato só tem sentido se as pessoas se sentirem donas dele e não reproduzirem nele momentos de alheamento da própria vida.

Ganha força com as manifestações de São Paulo não apenas o debate por outro transporte – que priorize o interesse dos usuários e não dos empresários, que seja um direito social e por isso gratuito, que seja organizado por trabalhadores e usuários – mas também ganha força o movimento de base e autônomo.

Fotos: Luiza Mandetta

5 COMENTÁRIOS

  1. Fiquei impressionado em ver cartazes questionando preço da tarifa e a questão do aumento em Jundiaí. Os cartazes estavam colados nas portas das escolas.

    Jundiaí Luta (?)

  2. Vários outros municipios tbm aumentaram, seria bom se nestes tbm houvessem manifestações, que acham?

  3. Estou emocionada com a movimentação contra o aumento. Soube que na manifestação do dia 17 houve, novamente, agressão policial. Não sei se podemos falar em vitória nem em conquista, podemos falar em perturbação da ordem (o que a meu ver é muito positivo, pois foda-se essa ordem repressora e elitista). É preciso continuar, é preciso continuar a desorganizar!!!

  4. O trenzão aumentou tbm… Não vai haver movimento contra?

    Acho uma grande oportunidade pra extender pra outros municipios este fato.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here