Da luta contra o aumento à conquista da Tarifa Zero

A luta contra o aumento da tarifa de ônibus se iniciou mesmo antes do anúncio formal do novo preço. Entre os meses de setembro e janeiro foi realizada uma série de panfletagens em terminais de ônibus, atividades em escolas e associações de bairro, com o intuito de alertar a população para o aumento que viria no começo do ano e preparar as mobilizações. Organizados pelo Movimento Passe Livre, dois atos ocorreram ainda no fim de 2010, em 24 de novembro e 16 de dezembro.

Cinco dias após a virada do ano a passagem subiu de R$ 2,70 para R$ 3,00 e, a partir daí, mais de dez grandes atos já ocorreram. Milhares de pessoas foram às ruas, houve ampla cobertura midiática e, por vezes, dura repressão policial por parte do poder público, com diversos feridos e detidos.

A forte adesão popular foi uma marca das manifestações, que terminaram sempre muito maiores do que começaram, graças ao grande apoio daqueles que estavam nas ruas saindo de seus locais de trabalho ou de estudo. Várias vias de grande porte foram bloqueadas total ou parcialmente: a Paulista, a Faria Lima, a Consolação e, finalmente, a 23 de maio. Importantes terminais de ônibus da cidade foram temporariamente ocupados para que grande parte da população que é afetada por esse aumento participasse, ou ao menos soubesse da mobilização que estava ocorrendo. Com isso, enquanto ameaçávamos parar a cidade a cada ato, o fluxo de pontos cada vez mais simbólicos, ou importantes para a circulação de capital era interrompido. E a ameaça – ou a constatação – de que “se a tarifa aumentar a cidade vai parar” ainda ecoa e está presente na nossa disposição a luta.

Além dos grandes atos, organizados pelo Comitê de Luta Contra o Aumento (um espaço de articulação de movimentos sociais, organizações políticas, sindicatos, trabalhadores e estudantes), o MPL chamou ações como a presença na primeira sessão legislativa de 2011 na Câmara dos Vereadores, para pressionar por uma audiência pública, ou a visita à casa do Kassab. A Poligremia, coletivo autônomo de grêmios estudantis, realizou também uma série de protestos contra o aumento, estreitando os laços entre os secundaristas e contribuindo para a auto-organização nas escolas. Formou-se uma rede significativa de pessoas mobilizadas, dentro e fora de organizações, pela internet, pelo colégio e pelos próprios atos.

A conquista de uma audiência pública na Câmara dos Vereadores, com a garantia da presença do Secretário Municipal de Transportes, Marcelo Branco, no dia 12 de fevereiro, foi uma vitória importantíssima para a luta, sendo mais um espaço de pressão que confirmou o esperado: a falta de justificativa plausível para o aumento e a inconsistência das planilhas. Frente aos argumentos inverossímeis apresentados pelo secretário, os manifestantes ocuparam o plenário exigindo um canal de negociação, e como avisado, só saíram de lá com uma outra conquista: uma reunião com o poder executivo. Infelizmente, essa conquista foi desrespeitada, e a prefeitura simplesmente não compareceu à reunião marcada. Indignados com tal desrespeito, diante do não comparecimento, o movimento foi até a secretaria de Transportes forçar uma reunião com o secretário adjunto que estava presente, que fugiu da argumentação política, e deixou claro que só cabia ao prefeito a revogação do aumento. Diante disso, nos acorrentamos, junto a outros grupos, às catracas do saguão da prefeitura, dessa vez exigindo negociação com o prefeito, que através de seu secretário de Relações Institucionais, se negou ao diálogo. Ao assumir tal postura, o prefeito Gilberto Kassab demonstrou sua opção por aumentar a exclusão da população à cidade. Ele se posicionou claramente ao lado dos empresários do transporte, contra a população que protestava nas ruas e contra aqueles e aquelas para os quais a cidade de fato parou, já que o alto preço da tarifa não mais permite sua circulação.

Nesses quase quatro meses de jornada contra o aumento o transporte público foi discutido como há muito tempo não era na sociedade, seja nas ruas, seja nos meios de comunicação. Com o MPL em seu encalço em várias de suas aparições públicas – desde a reinauguração da Biblioteca Mario de Andrade, o lançamento de seu novo partido, em coletivas de imprensa, e na inauguração da estação do metrô Butantã – e com protestos semanais cada vez maiores, o prefeito teve que vir a público se manifestar sobre a questão por inúmeras vezes.

Os novos elementos e a nova dimensão que ganhou a discussão sobre o transporte público – ponto chave da infra-estrutura urbana que garante os outros direitos sociais como a saúde e a educação – são, por si só, uma grande vitória da população nessa jornada. As mobilizações intensas de diversos setores ao redor da luta contra o aumento demonstram claramente a insatisfação da população, e seu poder, organizada e unida, nas ruas, que pauta não só os noticiários nacionais como a própria agenda e as preocupações do prefeito; que serve de impulso a manifestações por todo o país; que força os legisladores municipais a levarem também à Câmara e ao judiciário o questionamento da nova tarifa; que ocupa o lugar dos carros, ainda que brevemente, e faz com que muitos entrem sem pagar nos ônibus, ainda que por um dia. Muitos dos presentes nos atos não tinham nenhuma experiência de manifestação. Hoje, graças a esta longa jornada, sabem que é possível – e necessário – se organizar e lutar ativamente por um amplo processo de mudança social.

É fundamental ressaltar a aproximação e a articulação entre diversos setores da sociedade que se empenharam fortemente na luta contra o aumento. Seja em partidos, organizações de trabalhadores, sindicatos de trabalhadores ligados ao transporte, entidades estudantis, outros movimentos sociais e até mandatos de alguns parlamentares, agora a luta por transporte e a discussão sobre mobilidade urbana fazem parte da agenda de diversos grupos políticos.

O movimento de resistência ao aumento da tarifa responde a uma circunstância extrema, a um insulto por parte dos governos municipal e estadual à população de São Paulo. Qualquer aumento no preço da passagem de ônibus representa uma ampliação da exclusão que a própria existência da tarifa já realiza. O poder público alimenta, deste modo, a lógica excludente que mercantiliza o transporte ao invés de tratá-lo como direito. Nossa luta, mais do que contra este ou aquele preço da passagem, é contra a própria tarifa, pela efetivação do direito ao transporte e de todos os outros que ele dá acesso.(e pela efetivação de um direito)

Neste momento, em que a sociedade se une para questionar a lógica do sistema de  transportes, é que encontramos um campo aberto para uma ofensiva direta rumo à mudança completa deste modelo atual. A reivindicação do transporte como um direito ganhou força e espaço na sociedade e abre espaço para a discussão e mobilização em torno de uma das bandeiras fundamentais do MPL, o passe livre universal, através da TARIFA ZERO nos transportes públicos. Transportepúblico de fato é aquele que não exclui ninguém de se movimentar pela cidade, é aquele que não tem tarifa! É por isso que estamos lançando a campanha pela Tarifa Zero.

Trazemos, assim, a atual lógica do transporte em São Paulo para o foco da discussão, questionando seu principal mecanismo de exclusão, a tarifa. Com essa campanha, lutaremos pela apresentação e aprovação de um projeto de lei de iniciativa popular. Por meio desta iniciativa – que partirá diretamente da população, através de debates e assinaturas – pretendemos garantir esse direito fundamental. O sucesso deste projeto depende de uma grande campanha nos mais diversos setores sociais, da discussão do tema em escolas e comunidades, do trabalho cotidiano de informação e mobilização e de novas manifestações que vão mostrar nas ruas a força desta reivindicação.

O Movimento Passe Livre entende que a luta pela Tarifa Zero faz parte de um processo mais amplo de mobilização que visa a uma transformação radical da sociedade. A mobilidade total pela cidade, a partir da abolição das tarifas, modifica para além do que podemos prever a relação das pessoas entre si e com o lugar onde vivem. Sem catracas – símbolo da exclusão – novos espaços são ocupados, novas idéias encontram espaço, outros direitos poderão ser garantidos e a luta por um outro mundo ganha força. É com este olhar que constatamos que a luta por um transporte diferente é também a luta por uma vida e uma sociedade diferentes.

Como (e por incrível que pareça) bem disse Gilberto Kassab: “Para o trabalhador e para o usuário, qualquer tarifa é sempre cara”. TARIFA ZERO JÁ!

Por Movimento Passe Livre  São Paulo

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