Por Dibussi Tande

Tem havido também muita coisa escrita à mão sobre a dificuldade que estes movimentos de protesto poderão ter em espalhar-se a essa região onde predominam regimes esclerosados que há muito ultrapassaram o seu prazo de validade.

De facto, desde as sublevações ocorridas no Egipto e na Tunísia, activistas e políticos de numerosos países da África subsaariana (Gabão, Camarões, etc.) tentaram, sem grande sucesso, replicar o modelo magrebino. Sem se deixarem intimidar, outros continuam a fazer planos para derrubamentos a breve trecho (Angola, Gâmbia, Senegal, Uganda, etc.).

No caso dos Camarões, os activistas – sobretudo na diáspora – usaram as redes sociais da internet para desafiar e seduzir os camaroneses com [a possibilidade de] um levantamento do tipo egípcio contra o regime, que dura há 29 anos, do presidente Paul Biya. O dia 23 de Fevereiro, terceiro aniversário dos protestos de 2008, foi escolhido para o arranque deste movimento de protesto. Nas semanas que precederam essa data, dezenas de grupos e de páginas chamados “Biya, fora!” ou parecido foram criados no Facebook.

Finalmente, o protesto de 23 de Fevereiro resultou em coisa nenhuma, a não ser as lamentações sobre o desânimo dos activistas que não conseguiam compreender porque é que os seus apelos à mobilização das redes sociais de internet não tinham sido atendidos e traduzidos em mobilizações massivas no terreno, nos Camarões. Um bloguista lamentava-se:

“Nós, camaroneses, deveríamos sentir-nos como uma tralha débil e letárgica. Sim, como um gordo de banhas transbordantes que olha o seu atlético irmão caçoila preparando-se para o triatlo. Acredite quem quiser, mas há que partir do princípio de que o triunfo ou o falhanço da revolução em muitos desses países depende em absoluto da maior ou menor disposição das pessoas “normais” para darem a vida pela sua autodeterminação.

Aqui nos Camarões, a maior parte de nós não se daria ao trabalho de desistir de uma garrafa de cerveja para se dirigir para a rua, por uma vez que fosse após 28 penosos anos de submissão ao regime do presidente Paul Biya e do seu RDPC [Rassemblement Démocratique du Peuple Camerounais]. Sim, sim! Mesmo sob o olhar atento e espectante da comunidade internacional.”

Unidade Militar monitorando eventuais protestos

As espectativas dos activistas camaroneses de que as redes sociais poderiam, só por si, desencadear protestos massivos no terreno, capazes de causar a queda do regime de Biya, resultam de um erro de leitura do que aconteceu no norte de África. Essas espectativas baseavam-se na crença de que (1) os protestos na África do norte foram “revoluções espontâneas” contra o status quo, e não o culminar de campanhas sustentadas contra esses regimes que começaram meses ou mesmo anos antes, e (2) esses protestos espontâneos foram evidentemente puras revoluções tipo “Revolution 2.0”, isto é, acontecimentos virtuais organizados à distância, geridos e levados a cabo apenas a partir dos sites das redes sociais, com pouca interacção com as forças activas no terreno.

Não há revoluções “espontâneas”!

A ideia de que o Facebook pode, por si só, levar a uma revolução imediata e de que basta um mês ou 18 dias (como no Egipto) para derrubar um ditador é uma ideia bem afastada da realidade. Como apropriadamente o referiu o bloguista egípcio Hani Morsi:

“A ideia de que a maior influência das redes sociais se deu durante ou pouco antes dos 18 dias que levaram à queda do regime de Mubarak é bem ingénua. Esta esteve a ferver em lume brando, na sombra do cenário politico egípcio, em particular desde as “eleições” presidenciais de 2005. O ponto de fervura foi alcançado em 25 de Janeiro de 2011. O que eu quero dizer com “virtualização da dissidência” é o que aconteceu quando esse descontentamento popular se deslocou do espaço físico real, onde permanecia em prolongada sonolência, para outro espaço onde pôde ser cultivado, espaço esse que os “patriarcas não compreendem: o espaço virtual.”

O Egipto, que tem uma longa história e uma arreigada tradição de activismo de internet, foi descrito como “a pátria da mais vibrante comunidade de blogactivistas” do norte de África e do Médio-Oriente. Abundam os exemplos de egípcios que, ao longo dos anos, têm usado as redes sociais para promover um amplo leque de causas políticas ou não-políticas, ou de protestos contra os males da sociedade egípcia, desde a corrupção da política à violência contra as mulheres. De facto, em 2008, o regime de Mubarak ficou a pensar na ideia de banir o Facebook no Egipto, depois de os activistas terem usado um grupo Facebook chamado 6 de Abril, com cerca de 66.000 membros na altura, para lançar um apelo à greve geral “para protestar contra os baixos salários e contra a subida dos preços da comida no Egipto, e também para mostrar uma desaprovação generalizada do governo egípcio, liderado por Hosni Mubarak”. Essas greves foram brutalmente reprimidas pelas forças de segurança, em particular na fábrica de têxteis de Mahalla al-Kubra, mas mantiveram a questão ao lume. É significativo que um relatório da época descrevesse a greve falhada, mais do que como um falhanço, como um “ensaio de guarda-roupa” para acontecimentos mais importantes no futuro…

[Uma nota à parte: Em 3 de Fevereiro, durante o levantamento de Janeiro, Amal Sharaf, uma das principais animadoras do Movimento 6 de Abril, foi presa no Cairo juntamente com seis outros membros – mais um exemplo da fusão do activismo online com a miitância offline, fusão essa que está no cerne do êxito das revoluções do Egipto e da Tunísia – mas voltaremos a isso mais tarde…]

Falando especificamente do Somos todos Khaled Said, a página de Facebook criada por Wael Ghonim à qual se atribui o arranque do movimento de protesto no Egipto em 25 de Janeiro, vale a pena ressaltar que essa página não foi criada em Janeiro de 2011, como muita gente julga, mas uns seis meses antes, quando Khaled Said foi assassinado pela polícia egípcia em 6 de Janeiro de 2010 por ter publicado no Youtube um vídeo que mostrava a polícia egípcia a traficar droga. A morte de Khaled Said tornou-se de imediato uma causa célebre para os activistas e grupos de direitos humanos do Egipto, depois de terem sido publicadas na internet fotografias do seu corpo desfigurado e mutilado. Em poucas semanas, a página do Facebook tinha cerca de 200.000 inscritos (ela tem agora mais de um milhão de membros, e a versão em inglês cerca de 100.000 membros).

Note-se que – e isto é crucial para os candidatos a activistas da internet – o Somos Todos Khaled Said não era apenas um conglomerado díspar de indivíduos cujo “activismo” começasse e acabasse com a inscrição na página; era, outrossim, formado por membros que o usavam para partilhar informações e ideias, para desenvolver estratégias e acções – uma verdadeira esfera pública virtual. Embora tenha começado com a modesta ambição de fazer campanha contra a brutalidade da polícia, o Somos Todos Khaled Said tornou-se rapidamente uma verdadeira comunidade online capaz de transformar a sua militância online em mobilização offline, com pequenas manifestações na Praça Tahrir, no Cairo, que foram rápida e violentamente esmagadas pela polícia, com protestos no Reino Unido e nos Estados Unidos, e “flash mobs” [mobilizações-relâmpago] em Alexandria para chamar a atenção para a sua causa iludindo as leis emergenciais do Egipto.

E, ao contrário de outras campanhas anteriores que nunca se aventuraram muito para além do ciberespaço, esta extravasou para as ruas do Egipto. Além das centenas de pessoas que participaram no funeral de Said, várias “flash mobs” organizaram um número considerável de protestos bem sucedidos. Um dos mais comoventes foi quando milhares de estudantes fizeram uma extensa cadeia humana na marginal de Alexandria – espaçados de cinco em cinco metros, também para contornar a draconiana lei de emergência do Egipto, que proibe as assembleias públicas massivas – e se mantiveram silenciosos ou lendo os seus Corões e Bíblias. [de The Guardian]

O Somos Todos Khaled Said serviu também como plataforma de informação das multidões nas eleições manipuladas de Novembro de 2010.

Quando o Somos Todos Khaled Said começou a emitir o apelo para os protestos de 25 de Janeiro de 2011, a página, que tinha agora perto de 400.000 membros, já se tinha tornado uma sólida comunidade online com seis meses de intenso activismo no terreno sob o seu patrocínio; dezenas de actos de protesto por todo o Egipto, e não só, com uma consistente compreensão e familiaridade acerca das tácticas das forças de segurança egípcias, e com laços com outros grupos da internet e movimentos no terreno do país – uma gigantesca frente do virtual com o real, pronta a fazer frente ao regime de Mubarak – resultado de meses de acções sustentadas e coordenadas.

O activismo online na Tunísia

Tal como o Egipto, a Tunísia também tem uma tradição já antiga de activismo na internet, assim como uma das mais vivas cibercomunidades que existem em África e no Médio-Oriente. Essa comunidade foi alvo das mais extremas e condenáveis tácticas de censura nos anos de Ben Ali. Essa campanha de censura chegou ao seu auge durante os protestos de Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, quando o regime encetou uma ciberguerra sem tréguas contra os activistas, incluindo o disparo de sofisticados esquemas de “phishing” [captação abusiva e fraudulenta de dados do computador visitado] para acessar, tomar posse, desactivar ou apagar contas de email e páginas do Facebook.

Ao longo dos anos, os activistas de internet tunisinos usaram inovadoras ferramentas de esquiva para evitar as técnicas censórias do regime de Ben Ali. Uma das campanhas importantes para superar a censura do regime na internet foi, em 2008, o “geo-bombardeamento” do palácio presidencial em Cartago como resposta ao bloqueio governamental ao site de video-partilha DailyMotion.com que havia hospedado testemunho em vídeo de presos políticos tunisinos. O activista fez o embed [inserção codificada] dos vídeos proibidos no Google Earth e quando alguém visitava o [site do] palácio presidencial tunisino, ele era recoberto com os vídeos que tinham sido proibidos no DailyMotion.

Tal como os seus parceiros egípcios, os activistas tunisinos depressa perceberam que o activismo online, por si só, não era suficiente e trataram de transformar o seu activismo online em militância offline. Um caso notável foi o planeado protesto de 22 de Maio de 2010 contra a censura. Depois de os organizadores do evento – Yassine Ayari e o bloguista Slim Amamou – terem sido presos e forçados a cancelar as manifestações, os activistas recorreram aos “falsh mobs” para marcar a sua posição.

[Mais uma nota à parte: A detenção de Amanou no auge dos protestos de 6 de Janeiro de 2011 (que o mundo ficou a conhecer graças ao modo engenhoso como usou as redes sociais)] foi outro momento de separação de águas que ajudou a dar visibilidade internacional à sublevação tunisina. Depois de libertado, viria a ser nomeado ministro da Juventude e dos Desportos no regime pós-Ben Ali.

E, também como no Egipto, na altura em que Mohamed Bouazizi se imolava pelo fogo, já existia um núcleo duro de activistas online que havia apurado a sua perícia e que, no decorrer do processo, pôs de pé uma comunidade forte que se estendeu do mundo virtual ao mundo real e só foi precisa uma fagulha para atear esse fogo. A morte de Mohamed Bouazizi foi essa centelha e, no espaço de um mês, Ben Ali passava à história…

Redes sociais: ferramenta para a mudança progressiva, mais do que para levantamentos espontâneos

O suposto poder das redes sociais em linha para, por si sós, fomentarem a revolução é um grande exagero, senão mesmo uma inexactidão. O seu poder real reside na sua capacidade para conseguir que as informações atinjam em pouco tempo uma massa crítica de gente com poucos ou nenhuns custos, para criar comunidades que abarcam geografias várias, e também para transformar o discurso de um espaço público controlado por regimes autoritários numa esfera pública virtual e aberta, que esses regimes não controlam nem dominam. Citando um artigo da Global Voices Online, “em vez verem as redes sociais em linha como um recurso catártico para os oprimidos”, o seu real valor está em “tornar possível um discurso político popular que de outro modo seria impossível” – discurso que pode levar a uma mobilização offline para pressionar no sentido de reformas políticas ou mesmo de uma revolução.

Desta perspectiva, os acima referidos activistas camaroneses, muitos dos quais são praticamente novatos em matéria de activismo cibernético, alimentaram e ainda alimentam espectativas algo irrealistas quanto à sua capacidade para alterar o status quo nos Camarões a partir dos seus teclados, e estão a cometer o tal erro fatal que consiste em confundir as ferramentas de redes sociais (como o Facebook e o Twitter) com a sua estratégia ou com o seu objectivo (ou seja, a reforma política e a mudança das instituições nos Camarões). A desmobilização generalizada que ocorreu nos círculos activistas camaroneses depois de 23 de Fevereiro é uma clara indicação do que afirmamos – muitas das páginas Biya Para a Rua passaram ao silêncio total; tornaram-se cidades-fantasma virtuais desabitadas por cidadãos internéticos deprimidos, desiludidos com o que acreditam ser um falhanço total.

As coisas não acontecem da noite para o dia!

As revoluções quase nunca são acontecimentos nítidos ou acções de precisão cirúrgica. Na realidade, elas são, as mais das vezes, processos confusos que começam como um gotejo e depois cresce e se transforma numa torrente capaz de varrer com o status quo – por vezes mantêm-se mesmo como que adormecidas durante anos para só voltarem à vida por via de um qualquer acontecimento imprevisto ou uma qualquer oportunidade inesperada.

Neste contexto, o movimento de protesto de 23 de Fevereiro de 2011 nos Camarões, que teve mais repercussão na imprensa do que as “flash mobs” do Egipto oito meses atrás, acabará por ser considerado como um falhanço pela História se, e só se, os activistas o olharem como um fim em si próprio, em vez de o olharem como um primeiro combate numa longa e permanente campanha que pode durar meses ou mesmo anos. Mesmo que um milhão de camaroneses tivesse acorrido às ruas em 23 de Fevereiro, Biya continuaria a estar no poder no dia seguinte… Não esqueçamos que a campanha de desobediência civil de 1991, que paralisou os Camarões durante quase seis meses e chegou a ameaçar a própria existência do regime de Biya, foi preparada durante quase um ano, antes de ter realmente começado. Por isso, os ciberactivistas, para serem sérios, deveriam preservar o seu ímpeto enquanto esperam pela próxima oportunidade para entrar em acção.

A ciberdesconexão

Seja como for, o mais fácil é compreender a força e as limitações das redes sociais e incorporá-las numa estratégia qualquer. O que é mesmo um desafio para os ciberactivistas dos Camarões e de quase toda a África subsaariana é aquilo que eu designaria como “ciberdesconexão”, ou seja, o facto de a sociedade civil cibernética, em África, estar a operar num continente amplamente desconectado e de o grosso dos ciberactivistas africanos estar a viver fora de África, sem partilhar o mesmo espaço geográfico que as pessoas que representam ou querem influenciar.

Será esse o foco da continuação deste artigo…

Dibussi Tande é um bloguista camaronês, que escreve (em inglês) no blogue Scribbles from the Den.

Artigo original (em inglês) aqui. Tradução Passa Palavra.

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