O reinvestimento dos lucros pelas filiais das companhias transnacionais foi substancialmente maior nas economias em desenvolvimento do que nas economias desenvolvidas. Por João Bernardo
O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.
Leia a primeira parte do artigo.
Vou prosseguir a análise crítica das acusações formuladas numa perspectiva nacionalista contra a entrada de investimentos directos oriundos do estrangeiro.
3.
Outros críticos, ou os mesmos que consideram que os investimentos directos afluem a um país para aproveitar os baixos salários, recorrem paradoxalmente ao argumento de que as filiais de companhias transnacionais empobrecem o país porque remetem os lucros para a sede. Sob o ponto de vista teórico trata-se de uma estranha objecção, porque, se diz respeito ao grau de reinvestimento dos lucros, por que não aplicá-la também aos capitalistas que operam num âmbito estritamente nacional? Uma empresa que possua várias unidades de produção não destina necessariamente a cada unidade a parcela de lucros que ali foi gerada e centraliza-os todos na sede, redistribuindo-os posteriormente conforme parecer necessário. O mesmo se passa com as companhias transnacionais, cujas cadeias produtivas estão espalhadas por vários países. Se os nacionalistas se indignam com a repatriação de lucros, os bairristas poderiam com igual legitimidade erguer-se contra o facto de lucros gerados numa dada cidade ou numa dada rua irem para outro lugar.
No caso brasileiro esta objecção nem sequer toma em consideração que, dada a dificuldade em obter crédito privado a longo prazo e dado o facto de o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, BNDES, estar impedido de abrir crédito a firmas com maioria de capital estrangeiro, as filiais das companhias transnacionais são obrigadas a financiar-se em boa medida graças aos lucros acumulados.
Mas os nacionalistas não se detêm com argumentos racionais e a afirmação de que as filiais das companhias transnacionais remetem os lucros para o país de origem é tão corrente que basta citar aqui o exemplo do empresário Antonio Ermírio de Moraes, quando afirmou que «as multis são fiéis às suas origens, seu compromisso é de envio dos fartos lucros para as matrizes» [1]. É notável que isto tivesse sido escrito pelo patrão do Grupo Votorantim, um dos maiores conglomerados latino-americanos, que iniciou o processo de internacionalização apenas em 2001, mas quatro anos depois operava já directamente em dez países. Em 2005 a Votorantim Cimentos tinha 5 fábricas e 9 centros de distribuição nos Estados Unidos e no Canadá, gerando ali quase 1/4 das suas receitas totais. Será que nos países onde estabelece as filiais Antonio Ermírio de Moraes, «fiel às suas origens», envia «fartos lucros» para a matriz? Possivelmente, e outros o fazem também. De acordo com Edson Leal, «em 2004 saíram do Brasil US$ 4,8 bilhões [milhares de milhões] em remessas de filiais brasileiras de multis para o exterior, mas entraram US$ 760 milhões pelo mesmo motivo» [2]. Consideraremos o repatriamento negativo para um lado e positivo para o outro? Os raciocínios nacionalistas operam sempre em sentido único, o que os coloca fora da esfera onde se exerce a razão.
A remessa dos lucros das filiais das companhias transnacionais para o estrangeiro não deve, porém, ser encarada no plano das generalidades e é imperioso analisar as estatísticas, para estabelecer a devida importância de uma questão que tanto assusta os críticos nacionalistas. Numa primeira abordagem, verifica-se na tabela 1 que nas duas últimas décadas a emissão mundial de investimentos directos tem sido superior à sua recepção. Aliás, convém saber que nos anos mais recentes esta diferença foi especialmente considerável nos países desenvolvidos.
Tabela 1: Entrada e saída de Investimentos Externos Directos (US$ milhares de milhões, a preços correntes)
Fonte: United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2009. Transnational Corporations, Agricultural Production and Development, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2009.
Todavia, a diferença revelada na tabela 1 deve-se em parte aos critérios contabilísticos usados nos países emissores e nos receptores. Por exemplo, os lucros que as companhias transnacionais com sede nos Estados Unidos repatriam a partir das filiais são contabilizados como saídas negativas de investimentos externos directos pelas estatísticas norte-americanas, enquanto que frequentemente as estatísticas dos países onde se situam as filiais não incluem nos investimentos externos directos os lucros reinvestidos. Assim, convém recorrer a uma abordagem mais precisa. Há ainda quem argumente que nas companhias multinacionais e transnacionais as sedes cobram às filiais preços excessivos pela transferência de bens como forma de proceder a remessas dissimuladas de lucros, mas não conheço provas concludentes a este respeito.
Consultando vários World Investment Reports, verifico que durante a década de 1990 os lucros reinvestidos corresponderam a 12% dos investimentos externos directos recebidos, sendo 15% em 2003 no conjunto dos países desenvolvidos, onde subiram para 33% em 2004. E os terceiro-mundistas deparariam com grandes surpresas se se dessem ao trabalho de averiguar os números, porque o reinvestimento dos lucros foi substancialmente maior nas economias em desenvolvimento, onde correspondeu, em média, a cerca de 30% do fluxo de investimentos externos directos no período entre 1995 e 2004, chegando a 36% em 2003. Nas filiais estrangeiras de companhias transnacionais de origem norte-americana o reinvestimento dos lucros atingiu dimensões consideráveis em 2007 e 2008, assim como foi considerável o movimento recíproco, e em 2008 o reinvestimento dos lucros nas filiais norte-americanas de companhias transnacionais de origem estrangeira aumentou 14%.
No caso específico da América do Sul o reinvestimento de lucros, que em 2000-2002 representou 3% do fluxo de investimentos externos directos recebidos, subiu espectacularmente para 48% em 2003-2005. É elucidativa a comparação com o sucedido em 2005 na República Checa, na Estónia e na Hungria onde, apesar de se considerar que os lucros reinvestidos haviam atingido uma proporção muita elevada do fluxo de investimentos directos recebido pelo conjunto destes três países, eles se limitaram a 29%. A tabela 2 permite apreciar a dimensão do problema no Brasil, mostrando a remessa de lucros relativamente aos fluxos de investimentos directos recebidos pelo país.
Tabela 2: Fluxos de Investimentos Externos Directos recebidos pelo Brasil e repatriação de lucros (US$ milhões)
Fonte: Werner Baer, A Economia Brasileira, São Paulo: Nobel, 2009.
Conclui-se da tabela 2 que durante aquela década e meia a remessa de lucros correspondeu, em média, a 32,1% dos fluxos de investimentos directos recebidos pelo Brasil, o que é uma taxa muito aquém do que pretendem as críticas nacionalistas. Todavia, na direcção inversa é interessante considerar que, como mostra a tabela 3, na primeira metade da década de 2000 a repatriação de lucros e dividendos pelas companhias transnacionais de origem brasileira foi bastante menor do que a repatriação efectuada pelas filiais das companhias transnacionais de origem estrangeira estabelecidas no Brasil.
Tabela 3: Repatriação de lucros e dividendos pelas companhias transnacionais de origem brasileira relativamente ao stock do investimento directo brasileiro no exterior (coluna A) e pelas companhias transnacionais de origem estrangeira no Brasil relativamente ao stock do investimento externo directo no Brasil (coluna B)
Fonte: Boletim Sobeet nº 41, Junho de 2006.
A tabela 3 mostra que, durante o período considerado, as companhias transnacionais de origem brasileira reinvestiram no exterior uma elevada percentagem de lucros e dividendos. Mas a taxa de remessa de lucros e dividendos pelas filiais de companhias transnacionais de matriz estrangeira em relação ao stock de investimentos externos directos no Brasil não se destaca da observada noutros países. No Brasil, segundo o Boletim Sobeet nº 51, de 7 de Novembro de 2007, essa taxa foi em média de 5,4% entre 1998 e 2005, e de 6,6% em 2006. Ora, no Chile, entre 1998 e 2004 a taxa média foi de 8%, de 5,3% na Rússia entre 2001 e 2005 e de 5,0% na Argentina de 2003 a 2004.
Com a crise financeira mundial, na segunda metade de 2008 e em 2009 o declínio dos lucros levou a uma redução drástica do reinvestimento nas filiais, contribuindo para um desinvestimento que em alguns casos foi superior ao fluxo de investimento. Este processo ocorreu especialmente nos países desenvolvidos, os que mais sentiram a crise, mas os países emergentes não lhe ficaram alheios e a percentagem dos desinvestimentos nos fluxos totais de investimento externo directo emanados no primeiro quartel de 2009 atingiu 19% em França (16% em 2008), 64% no Japão (39% em 2008) e 116% no Brasil (40% em 2008).
Se analisarmos a relação entre as entradas e as saídas de investimentos externos directos no Brasil, de acordo com os dados fornecidos pelo Boletim Sobeet nº 78, de 6 de Abril de 2011, verificamos que ela foi de 2,0 em 2005, de 2,4 em 2006 e de 3,2 em 2007, de onde deduzo que a remessa de lucros, em termos relativos, diminuiu progressivamente ao longo desses três anos. Com a aproximação da crise o movimento inverteu-se e a taxa passou para 2,7 em 2008 e caiu para 1,9 em 2009, mas em 2010 já estava em 2,6 e estava em 2,8 em Fevereiro de 2011.
Uma evolução similar ocorreu na face simétrica deste processo. Foi em 2009 que o investimento externo directo emanado do Brasil caiu para um valor negativo superior a 10 mil milhões de dólares. Deixando de reinvestir lucros e contraindo empréstimos maciços junto às filiais, as companhias transnacionais de matriz brasileira não se coibiram de depenar as economias onde haviam investido, o que deveria propiciar a reflexão dos nacionalistas brasileiros. Todavia, como sublinhou o Boletim Sobeet nº 67, de 22 de Março de 2010, «o retorno de US$ 10,1 bi [bilhões, ou seja, milhares de milhões] de IBD [investimentos brasileiros directos] ao país em 2009 deu-se exclusivamente por meio de empréstimos intercompanhia das filiais de empresas brasileiras no exterior para suas matrizes no Brasil, e não por meio de redução da participação no capital. Ou seja, foi um movimento de postergação de projetos de investimento, mas não de “desinternacionalização”» [3]. Aliás, em geral a taxa de reinvestimento dos lucros subiu de novo a partir dos meados de 2009 e esta tendência confirmou-se em 2010.
O World Investment Report 2006 observou que «os dados das balanças de pagamentos mostram que na primeira metade da década de 1990, em comparação com as companhias transnacionais dos países desenvolvidos, as companhias transnacionais dos países em desenvolvimento repatriaram para os países de origem uma porção menor da receita obtida com os seus investimentos externos directos. Isto indica que dedicaram ao reinvestimento uma percentagem de lucros superior à dedicada pelas companhias transnacionais dos países desenvolvidos. No entanto, a partir dos meados da década de 1990 deixou de haver uma grande diferença entre os dois tipos de companhia quanto à propensão ao repatriamento dos lucros, e essa percentagem na receita total dos investimentos externos directos oscilou em torno de 50% a 60%» [4].
Nesta perspectiva, a tabela 4 é especialmente interessante porque mostra o impacto, na balança de pagamentos de alguns países, dos investimentos externos directos oriundos desses países e aplicados nos Estados Unidos. Para calcular aquele impacto, a saída de investimentos directos, tal como consta na balança de pagamentos, é subtraída à soma dos factores positivos decorrentes daquela saída. Estes factores positivos incluem os lucros repatriados a partir das filiais localizadas nos Estados Unidos, as exportações menos as importações no comércio intrafirma e os pagamentos de royalties e licences feitos à sede.
Tabela 4: Impacto na balança de pagamentos de um país dos Investimentos Externos Directos emanados desse país e recebidos pelos Estados Unidos (US$ milhões)
Fonte: United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2006. FDI from Developing and Transition Economies: Implications for Development, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2006.
Os nacionalistas brasileiros, com o empresário Antonio Ermírio de Moraes incluído, fariam bem em pensar duas vezes antes de afirmarem que os investimentos externos directos de proveniência norte-americana empobrecem o Brasil mediante a remessa de lucros para a matriz, porque, aplicando o mesmo critério, a tabela 4 mostra que, exceptuando o caso do Brasil em 1997, as companhias transnacionais oriundas daqueles três países emergentes se dedicaram a empobrecer os Estados Unidos.
E foi exactamente deste modo que os nacionalistas norte-americanos consideraram a questão. A Lei para a Criação de Empregos Americanos, American Jobs Creation Act, promulgada em Outubro de 2004, estabeleceu que os lucros que as companhias transnacionais de matriz norte-americana repatriassem das suas filiais estrangeiras durante o período de um ano estariam sujeitos a um imposto equivalente a pouco mais de 1/5 do habitual. Numerosas companhias aproveitaram este incentivo fiscal, e o Boletim Sobeet nº 38, de Fevereiro de 2006, admitiu que ele pudesse ser um dos principais motivos para o grande aumento da relação entre o volume de lucros e dividendos remetidos das filiais brasileiras para as matrizes norte-americanas e o stock de investimentos directos dos Estados Unidos no Brasil. Esta relação, que estava em 4,8% em 2004, elevou-se para 9,8% no final de 2005. E assim o governo dos Estados Unidos, ecoando um sentimento muitíssimo popular, teve uma reacção caracterizadamente terceiro-mundista já antes da recessão iniciada no final de 2007, o que contribui para mostrar o declínio do antigo Centro e a formação de um Centro novo a partir da antiga Periferia. Contribui também para esclarecer os paradoxos do nacionalismo.
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Mesmo que admitíssemos sem reservas que as filiais das companhias transnacionais enviassem a esmagadora maioria dos lucros para as sedes, ficaria por demonstrar que empobrecem as economias onde estão instaladas. Aquela crítica ignora o efeito de multiplicador exercido pelas filiais das companhias transnacionais devido aos salários pagos, às encomendas feitas às subcontratantes e às compras no mercado, e devido também à formação disponibilizada à força de trabalho local, a qual pode aliás transitar para outras empresas, ampliando as consequências da sua qualificação. De acordo com uma informação do Banco Central do Brasil relativa a 2007, 70% dos investimentos externos directos recebidos pelo Brasil destinavam-se a projectos novos e não à ampliação de instalações já existentes nem a fusões e aquisições, enquanto que a média mundial era apenas de 33%. Neste caso as repercussões dos investimentos oriundos do exterior são especialmente acentuadas porque expandem a capacidade de produção instalada.
Um dos mais importantes efeitos de multiplicador é suscitado pela tecnologia avançada que as filiais das companhias transnacionais trazem consigo. É conveniente não esquecer que o orçamento destinado à pesquisa e desenvolvimento por algumas grandes companhias é superior ao de muitos países. E se em 1996 as filiais das companhias transnacionais estrangeiras estabelecidas nos países em desenvolvimento haviam sido responsáveis por apenas 2% das despesas empresariais totais em pesquisa e desenvolvimento, em 2002 a participação saltara já para 18%. No Brasil, em 2003, segundo o World Investment Report 2005, deveram-se às filiais de companhias transnacionais de origem estrangeira mais de 40% das despesas empresariais em pesquisa e desenvolvimento, embora os casos concretos variem muito, desde o desmantelamento de departamentos de pesquisa e desenvolvimento já existentes até ao novo fôlego dado a esses departamentos nas filiais [5].
«Grandes empresas multinacionais também influenciaram a tecnologia e a organização de empresas brasileiras», observou Werner Baer. «Como a maioria contava (em alguns casos, foram obrigadas a contar por meio de políticas governamentais) com empresas fornecedoras locais para receber muitos de seus insumos [inputs], transmitiam tecnologia para essas firmas. Nesse processo, muitos fornecedores brasileiros tornaram-se organizacionalmente mais eficientes e melhoraram a qualidade de sua produção por terem de se adaptar aos padrões de seu cliente — a empresa multinacional» [6]. Todavia, para que se difunda o progresso tecnológico é indispensável que a generalidade do meio empresarial esteja apta a receber e assimilar as influências introduzidas pelas empresas mais internacionalizadas. Esta é a questão central. É necessário que não exista uma clivagem intransponível entre um número reduzido de empresas inovadoras e as restantes. Sem isto não se pode tecer uma rede de relações económicas, nomeadamente de subcontratação, que assegure a difusão das novas tecnologias. Ora, a tabela 5 mostra que relativamente a esta questão o Brasil ocupa uma posição precária.
Tabela 5: Produtividade relativa consoante a dimensão das empresas (em %)
Fonte: CEPAL, La Hora de la Igualdad. Brechas por Cerrar, Caminos por Abrir, Naciones Unidas, CEPAL, 2010.
A Alemanha e a França são os termos de comparação mais importantes na tabela 5, porque uma das características que singularizam aqueles dois países é o elevado grau de desenvolvimento tecnológico das empresas de pequenas dimensões, mas mesmo em comparação com outros países latino-americanos, como a Argentina e o México, o meio empresarial brasileiro apresenta grandes obstáculos à difusão da produtividade. Assim, se algum problema se coloca quanto às repercussões dos investimentos externos directos recebidos pelo Brasil, ele é suscitado pelo tecido empresarial brasileiro, ou seja, pelo factor nacional e não pelo factor estrangeiro. Eis mais uma matéria de meditação para os nacionalistas.
E embora em 2005 o Brasil fosse o país latino-americano que, em percentagem do Produto Interno Bruto, PIB, mais gastou com as instituições de fomento dedicadas especificamente às pequenas e médias empresas, chegando quase ao quíntuplo da média da região, essa verba limitou-se a 0,085% do PIB. Entretanto, o BNDES tem diligenciado por estimular o desenvolvimento das micro, pequenas e médias empresas, facilitando-lhes, em meados de 2009, o acesso aos financiamentos direccionados para a inovação tecnológica. Em 2009 o BNDES dedicou a estas empresas 17,4% dos seus desembolsos totais, o que equivale a 23,9 milhares de milhões de reais; e os desembolsos em benefício das microempresas aumentaram quase 50% em relação a 2008.
Se é certo que as filiais de companhias transnacionais tecnologicamente evoluídas activam a economia pelo seu mero funcionamento corrente, independentemente da taxa de reinvestimento dos lucros, isto pode não se dever apenas aos automatismos económicos. Com efeito, no Brasil, segundo o World Investment Report 2007, a lei exige que as companhias petrolíferas, por exemplo, apliquem pelo menos 40% dos investimentos na compra de bens e serviços produzidos por firmas brasileiras e que nos projectos offshore a componente nacional mínima seja 30%, subindo para 70% nos projectos onshore. Além disto, um dos critérios para vencer uma licitação na exploração de petróleo e de gás natural é o comprometimento à qualificação da força de trabalho [7]. Foi na mesma perspectiva que a China, ao adoptar a política de favorecimento da entrada de investimentos externos directos orientados para ramos de exportação, deu prioridade aos investimentos que permitissem às empresas do país ter acesso a novas tecnologias, nomeadamente através do estabelecimento de joint ventures.
Notas
[1] Antonio Ermírio de Moraes, «O cavalo manco e o puro sangue», site Aldeia Nagô [2010].
[2] Edson Pereira Bueno Leal, «Multinacionais brasileiras. Empresas brasileiras atuando no exterior», portal Administradores, 2010.
[3] O Boletim Sobeet nº 72, de 25 de Outubro de 2010, insistiu que «a repatriação de capital por parte de empresas brasileiras internacionalizadas foi um movimento tático e não estratégico em meio às incertezas acerca do cenário econômico global. À medida que estas incertezas se dissipam, este movimento de repatriação de capitais é revertido, com realização de projetos represados anteriormente e aproveitamento de oportunidades de negócio no exterior».
[4] United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2006. FDI from Developing and Transition Economies: Implications for Development, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2006, pág. 186.
[5] United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2005. Transnational Corporations and the Internationalization of R&D, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2005, págs. xxiv, xxvi-xxvii, 125, 143, 146 e 191.
[6] Werner Baer, A Economia Brasileira, São Paulo: Nobel, 2009, págs. 292-293.
[7] United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2007. Transnational Corporations, Extractive Industries and Development, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2007, págs. 168 e 170.
(Continua aqui)
Essa tese é não só difícil de defender, é simplesmente falsa, e ignora um bom número de fatos:
* O Brasil têm servido, desde os anos 1970, como PLATAFORMA DE EXPORTAÇÃO DE CAPITAIS. O que significa? Que a empresa multinacionais se instala aqui e usa o sistema financeiro brasileiro para exportar um capital que na verdade é de origem européia, norte-americana ou japonesa.
* Boa parte do investimento estrangeiro no Brasil é especulação financeira, ou seja, é apenas lucro com os juros da dívida pública. Investiu de novo? Foi na dívida pública, formando apenas um ciclo de parasitismo internacional que já consome 35% do orçamento público brasileiro há uma década).
* Os investimentos industriais ou agrícolas das empresas multinacionais, em grande parte, são NOMINALMENTE de origem estrangeira e privada, sendo na verdade fornecidos pelo próprio Estado brasileiro por meio de créditos públicos, incentivos fiscais, concessões, privilégios, e isso para não falar do grande SAQUE que foi a entrega de empresas e serviços públicos para empresas multinacionais. Eu disse entrega? Na verdade pagamos para que eles levassem o patrimônio nacional (podem começar o apadrejamento com o rótulo de “nacionalista” por eu ter usado a palavra nacional como algo que deve ser defendido), pois antes da privatização foram realizados investimentos maciços nas empresas, e, depois de privatizadas, receberam generosos créditos do BNDES.
* Não sei se era a intenção do João Bernardo “refutar” a afirmação de que as empresas multinacionais fazem superlucros no Brasil e depois os exportam. Não sei se ele prestou atenção, mas a média de repatriação de lucros entre 1990 e 2005 é de 58% do investimento feito, uma quantidade espantosa, se você leva em conta que são descontados, antes disso, os impostos, o reinvestimento em capitais e salários, o pagamento de empréstimos, e uma indispensável reserva para emergências. Se a empresa multinacional é capaz de exportar, na média, 58% do que investiu ao ano, imaginem o quanto ela lucra… E quanto aos investimentos que permanecem aqui? É preciso atentar se eles não vão para a especulação financeira, imobiliária e fundiária.
* Se quiserem um exemplo interessante, procurem um setor 100% internacionalizado, a indústria automobilística, que aqui possui a maior taxa de lucro sobre o investimento do mundo, gozando ainda de vários privilégios fiscais e créditos. Mas não se trata apenas disso. É perigoso colocar setores como petróleo, mineração, serviços de água, energia elétrica, saúde, educação e telecomunicações em mãos privadas, mais ainda quando são estrangeiras. Vejam a Argentina, o que foi feito dela desde o golpe de 1976 até o governo Menem, e o resultado não deixa mistérios. O Brasil se salvou de uma crise da dimensão da argentina, em parte, exatamente porque manteve algum grau de controle, intervênção e propriedade estatal na economia, e rompeu o câmbio fixo à tempo.