“Não acredito em partido, não acredito em governo, acredito em nós que estamos aqui”. Por Ana Manhani e Legume Lucas
No dia 10 de outubro usuários dos sistemas de saúde e transporte estiveram reunidos para debater as catracas da saúde, para pensar quais são os obstáculos cotidianos que temos que superar para ter acesso à Saúde. Tais obstáculos vão desde a falta de materiais, equipamentos e profissionais de saúde até à dificuldade de conseguir pagar por um transporte público que nos permita chegar ao serviço de saúde para ser atendido.
Primeiro, é preciso compreender que saúde não se restringe à ausência de doença, mas engloba uma situação de bem-estar físico, psíquico e social. Assim, o acesso a esta não se resume a ir ao posto de saúde, tomar remédio, ver o médico; mas se insere em uma perspectiva de qualidade de vida.
Tanto a Saúde como o Transporte encontram dilemas semelhantes para sua efetivação. Enquanto a primeira é prevista como um direito constitucional cujo acesso deve ser garantido a todos e todas, o que acontece atualmente é que cada dia mais ela é tratada como uma mercadoria, seja pela inserção das Organizações Sociais de Saúde (OSS) tanto quanto pela ampliação dos planos de saúde privada. Tais contradições levam os equipamentos providos com o dinheiro público a serem utilizados por empresas de saúde privada, como por exemplo o recém inaugurado Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, que tem 25% das vagas destinadas ao serviço privado. Portanto, a saúde enquanto mercadoria se torna um bem escasso, para o qual deve-se pagar para ter acesso, contrariando seu caráter de Direito Universal.
O transporte, de forma semelhante, consiste num serviço essencial e, como tal, deve ser garantido para toda a população. O transporte é um direito transversal na medida em que dependemos dele para chegar às escolas, hospitais, centros culturais, ao trabalho; se não temos acesso ao transporte, todos estes direitos nos são negados. Porém, há um impeditivo evidente da efetivação do direto ao transporte, a catraca. Esta barreira física e simbólica, da qual só se pode passar pagando a tarifa, desconfigura assim o caráter universal do serviço. Atualmente, no Brasil, são 37 milhões de pessoas excluídas do sistema de transporte por não terem recursos para pagar a tarifa.
Ambos os problemas são característicos das grandes cidades. Nestas, devido ao seu alto número de habitantes e à falta de investimentos do Poder Público, os sistemas de saúde e transporte estão saturados, a falta de equipamentos é evidente quando se vai para as periferias, bem como a superlotação. Evidentemente estes problemas não têm uma solução simples; ela passa – necessariamente – pela inversão de prioridades na política destes centros urbanos.
Tal inversão só pode ser obtida através de uma articulação concreta das lutas por transporte e saúde, algo que não pode ser construído apenas em um âmbito discursivo. Também não se trata de uma articulação entre “dirigentes”, mas de se pensar concretamente nas aproximações, debates e ações que articulem as demandas dos movimentos.
As possibilidades de se avançar neste trabalho estão abertas, seja na luta contra a internação compulsória dos usuários de serviços de saúde mental, motivada pelas adequações urbanas para a Copa do Mundo, seja na coleta de assinaturas pela Tarifa Zero; o caminho será construído de maneira conjunta e dialogada. Nas palavras de um dos militantes presentes no debate, “não acredito em partido, não acredito em governo, acredito em nós que estamos aqui”.