Como disse uma cobradora envolvida nos acontecimentos, “o importante foi que a gente mostrou união e barramos a demissão por justa causa, que seria muito pior”. Por Ronan Gonçalves [1]

Quem tentou se locomover de ônibus pela manhã do centro de Campinas para a ilha de Barão Geraldo na segunda-feira, 7 de novembro de 2011, ficou impossibilitado. A VB Transportes, empresa que faz a linha centro/Barão Geraldo, centro/Unicamp/Hospital das Clínicas não teve ônibus circulando durante todo o horário comercial. Houve uma paralisação de motoristas e trabalhadores.

Moradores de outros bairros também foram afetados. Ante a inusitada paralisação, da qual não se sabia os motivos, desde o começo do dia, das 5h da manhã, se discutia nos pontos de ônibus a vida, os baixos salários, se trocavam mensagens e se falava da justeza da greve, tida como iniciada.

A finalidade real da paralisação, para surpresa geral, só viria no final do dia, com o retorno dos ônibus. Motoristas e cobradores não haviam parado reivindicando aumento nos salários e melhorias – não que não houvesse motivos. A paralisação se deu contra a decisão da empresa de demitir por justa causa alguns cobradores pegos [apanhados] por fiscais fazendo um dinheirinho extra. Alguns passageiros que desciam sem rodar a roleta entregavam o valor da passagem aos cobradores e estes o guardavam para si. Prática há muito conhecida no meio e que resulta em alguns trocados divididos entre cobradores e motoristas. Pegos em falta por fiscal, a empresa os demitiria punitivamente, por justa causa.

Como é de conhecimento, motoristas e cobradores de ônibus são obrigados a circular por longo período sem que lhes seja fornecido sanitários e até mesmo água. Há casos em que a própria refeição fica comprometida, ante número de viagens a serem cumpridas e movimento na linha. É ante tal situação que ocorre a prática generalizada de retenção do valor de algumas passagens. Com tal dinheiro compram o café para espantar o sono, água, comem alguma coisa.

Foi esta a linha de argumentação apresentada pelo conjunto de trabalhadores. A empresa não esperava uma reação coletiva. Na garagem quase todos os ônibus ficaram parados e ninguém partiu antes que a situação se resolvesse. A discussão foi acalorada, mas não evitaram toda a punição. Dois dos cobradores envolvidos acabaram pegando um mês de suspensão e multa, o terceiro foi demitido, mas não por justa causa. Entretanto, como disse uma cobradora envolvida nos acontecimentos, “o importante foi que a gente mostrou união e barramos a demissão por justa causa, que seria muito pior”. Pela terça-feira, os trabalhadores – não só os motoristas e cobradores – comentavam a respeito da inusitada força demonstrada.

Campinas1

[1] Criado em Franco da Rocha, é mestre em Ciências Sociais pela UNESP
de Marília.

7 COMENTÁRIOS

  1. Já fiz muito isto aqui em Manaus. A argumentação dos trabalhadores muito justa, bem como a sua prática. Lembrou-me uma cena de um filme sobre as maquiladoras no México: O trabalho é tão intenso e a jornada de trabalho longa, que os trabalhadores são obrigados a usar algumas drogas estimulantes. Quando ocorre algum acidente de trabalho a arguemntação é simples… morreu porque estava drogado. Enfim, o sistema cria regras para nunca perder… cabe aqueles descontentes, explorados e oprimidos, lutar para mudar as leis. Mesmo que a bandeira seja defensiva (não demitir…), a vitória foi importante para fortalecer o movimento!

  2. Ia colocar como nota, já que se refere também a transporte.

    Campinas, hoje, não oferece meia passagem nem para estudante universitário nem para professores da rede pública, como é natural nas demais cidades.

    Isso com o PT no comando da prefeitura e o PC do B participando do governo. Gustavo Petta (PCdo B), ex-presidente da UNE, é secretário de esportes na cidade. Um ex- presidente da UNE secretário numa prefeitura que não fornece nem meia passagem…

    Para não faltar mais nada: antigos militantes de movimento estudantil, hoje professores, nada falam sobre a questão pois são comprometidos com o PC do B. A APEOESP, sindicato dos professores, também não fala nada de os professores não terem meia passagem.

  3. – O tipo de luta desenvolvido pelos trabalhadores ai citados é do mesmo porte do que ocorreu na USP e ocorre em vários outros cantos, sem que recebam a publicidade dada à universidade. Mas não é porque não foi noticiada que não existiu.

    – Os trabalhadores demonstraram possuir a tal consciência de classe ao realizarem uma paralisação – prejuízo econômico – para fins políticos, defender parceiros demitidos. No entanto, sem o aspecto acadêmico e as teorizações presentes noutros cantos.

    – Uma tal união se desenvolve com o tempo, no decorrer dos dias, estabelecendo-se laços de confiança e amizade baseadas na relação dentro do trabalho

    – Existe uma boa relação dos motoristas e cobradores de ônibus com a população no geral. Permitem menores que passam por baixo, pessoas que pedem para entrar pelos fundos, vista grossa com quem usa carteirinhas indevidas, solidariedade com idosos e deficientes.

    – Embora a luta não tenha sido divulgada em blogs e outros, no boca a boca a notícia a paralisação foi sendo espalhada, impactando a memória e o âmbito do estabelecido.

    Enfim, indícios de combatividade, solidariedade e de autonomia que ficam ao largo por não seguirem um padrão mais divulgado.

  4. Talvez essa galera do PCdoB não luta pela meia passagem porquê não são eles a emitirem a carteirinha e a receber o dinheiro da confecção das mesmas.

  5. Muito bem dito, Ronan. Esse tipo de ação poderia ser mais propagada… As lutas pelas melhorias dos transportes públicos não são exclusividade do consumidor que paga caro: antes de agredir o bolso do usuário, é na exploração dos trabalhadores do transporte que se encontra a origem dos lucros dos empresários e sócios.
    E olha que a melhoria do transporte beneficiaria muito a própria dinâmica econômica – a esquerda ensinando a direita em como se gerenciar. Talvez aí entre a necessidade das lutas em se encontrarem…

  6. Muito bom ver este tipo de coisas sendo divulgado, porque mostra o quanto as pessoas ditas “comuns” compreendem, sim, o quanto são exploradas e oprimidas, o quanto solidarizam-se em suas resistências e o quanto tratam destes assuntos abertamente nos espaços e situações mais inusitados. Apesar de o artigo tratar de um fato específico, a situação não se dá apenas em Campinas, mas em todo o mundo, onde quer que haja exploração e opressão, conjugada ou isoladamente consideradas. Talvez um bom caminho para os acampantes de hoje esteja justamente em potencializar e intensificar este debate público difuso que os precede em sabe-se lá quantas gerações. Isto é percebido por eles? Como seria possível fazê-lo?

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here