O Estado de S. Paulo publicou uma notícia que confirma a análise que fizemos no artigo Estado e movimentos sociais e justifica as nossas piores previsões. Por Passa Palavra
Em 5 de Fevereiro deste ano o Passa Palavra publicou o artigo Estado e movimentos sociais, onde fizemos uma análise dos principais mecanismos políticos e econômicos usados pelos governos de Lula e de Dilma, ou mesmo usados diretamente por instituições bancárias e grandes empresas, para envolver os movimentos sociais na área governamental e os atrelar à modernização do capitalismo brasileiro.
Curiosamente, os dados mais flagrantes que adiantamos nesse artigo para mostrar a aceitação dessa orientação política pela atual cúpula dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não foi questionada nos comentários nem sequer houve manifestações de espanto. Parece que se aceita como natural o relacionamento durável estabelecido entre a direção do MST e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, bem como as relações estabelecidas entre a direção do MST e empresas integrantes de alguns grandes grupos econômicos. O fato de estes dados terem passado sem comentário indica a que grau de desânimo chegaram as lutas sociais.
Ora, em 26 de Fevereiro O Estado de S. Paulo publicou uma curiosa notícia, assinada por Alana Rizzo, que confirma a nossa análise e infelizmente justifica as nossas piores previsões. «Atento aos efeitos colaterais dos conflitos urbanos em ano eleitoral», diz o jornal, «o Palácio do Planalto desencadeou uma operação para detectar as áreas “quentes” espalhadas pelo País e se aproximar das lideranças comunitárias locais. O mapeamento lista 192 pontos de disputa por moradias, mas o foco está ajustado para três Estados comandados pela oposição e que têm petistas ou integrantes do PC do B à frente dos movimentos populares: São Paulo, Minas e Goiás».
Evocando a preocupação suscitada em Brasília pela violenta desocupação de Pinheirinho, a jornalista revela que a Presidência da República encarregou a Coordenação de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários, sob a égide da secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães, de apresentar um relatório sobre «as zonas de conflito potencial» e «áreas que estão prestes a se tornarem novos focos de tensão», tendo em vista «o rastilho do “março vermelho”, uma radicalização das ocupações programada pelos movimentos».
Explicando melhor, escreve a jornalista: «O governo encomendou um quadro com o perfil das famílias, lideranças sociais e a situação fundiária dos locais das invasões. Também foram feitas análises sobre cada ocupação e as possibilidades de intervenção». E, depois de indicar que «o relatório foi apresentado à Secretaria-Geral da Presidência, chefiada pelo ministro Gilberto Carvalho e responsável pela interlocução com os movimentos sociais», a notícia esclarece algo que confirma a análise feita em Estado e movimentos sociais. «Internamente», escreve a jornalista, «o Planalto diz acompanhar à distância os conflitos para evitar discussões políticas. Mas o propósito do governo é atuar em tempo real com os movimentos». É para possibilitar esta atuação «em tempo real» que o PT e Gilberto Carvalho tecem desde há longa data relações estreitas com as cúpulas dirigentes daqueles movimentos.
Finalmente, a jornalista indica que «uma das áreas mais críticas da lista está em Minas, com 14 casos de conflitos fundiários urbanos registrados», e cita como exemplo a comunidade Dandara, em Belo Horizonte, que completará três anos no próximo mês de Abril. Depois de ter declarado à jornalista que «estamos preocupados com a barbárie que aconteceu com o Pinheirinho», frei Gilvander Moreira, uma das lideranças dessa comunidade, além de assessor da Comissão Pastoral da Terra e do MST, acrescentou: «Grande parte do PT quer candidatura própria (em Belo Horizonte) e apoia a comunidade. Dandara poderá ser o fiel da balança na eleição de Minas». Que três anos de ocupação e os efeitos de um eventual massacre possam ser medidos pelas suas consequências eleitorais — isto diz muito acerca do estado a que chegaram as lutas sociais.
Neste mapeamento das lutas sociais, das lideranças e possíveis desdobramentos encontra mercado, oportunidade de trabalho, uma miríade de pesquisadores universitários que anseiam há muito pela oportunidade de dar assessoria, tal qual Maquiavel escrevia para o príncipe. E das assessorias sabe-se lá para quais jantares, quais grupos, quais possibilidades mais, quais redes de contatos…
Negativo, o principal é que o levantamento tem sido realizado pelo Gabinete de segurança Institucional, que coordena o serviço secreto Brasileiro, a Abin, herdeira institucional do SNI e cujo comando foi remilitarizado no governo Lula.
Basicamente, antigos órgãos de pesquisa ligados a sindicatos e apoio à reivindicações dos movimentos sociais como o de carestia que levantavam e auxiliavam movimentos em conflito urbano tem fornecido dados estratégicos ao governo, frequentemente se utilizando de contatos com sindicatos e outros grupos para conseguir penetrar nestas instâncias.
Além disso já há 3 anos se estende o programa de levantamento dos movimentos sociais por redes que levanta não apenas militantes, no antigo sistema policial de operação, mas passando a fazer mapeamento de redes, isto é, quem são os contatos, apoiadores potenciais, relações institucionais e canais normais de negociação visando saber onde se podem utilizá-los e isolá-los.
Dentro dos movimentos sociais, com todos os dados sobre a repressão, os canais de contato, as influências “progressistas” dentro dos canais do estado que se utilizavam para materializar as conquistas materiais parciais que encerram ciclos de lutas. Frente a isto, anulada esta forma de relação específica de reivindicação com o estado, torna-se mais fácil obrigar os movimentos a aceitar certas posições, ou ainda, sabendo exatamente o quanto um determinado movimento pode resistir e isolando quem poderia influenciar para exercer pressão no estado.
Acho que a cobertura sobre a questão tem voltado sua atenção a aspectos que mostram tensões, mas acho que algo mais profundo ocorre que obrigará, talvez, a mudar as formas de organização para a luta social dos excluídos mudando aquilo que conhecemos hoje como movimentos sociais, caso contrário, pode-se vislumbrar o cenário de uma completa reestruturação tecnocrática do espaço de atuação dos movimentos sociais durante um tempo relativamente longo.
a confusão entre campo político, aliados, adversários, inimigos (estratégicos ou de menor importância) é complexa. Mais ainda o é a luta social, sobretudo em tempos como o nosso. Mas adverte a história da luta popular: se estás confuso com sua força, com seus aliados, NUNCA se confunda diante de quem lutas.
Estadão não é e nem nunca foi referência para bom debates, salvo se nossa seleção considera notas do panfleto oportunamente. Ou melhor, com certo oportunismo.
Achei o artigo, assim como o anterior, confuso, com informações advindas de sabe-se lá a fonte. Espero que não tenha advindo de fofoca, de arrivistas ou sábios conhecedores de tudo, no alto da torre da sabedoria e da soberba.
Humildade meus caros paladinos do bom debate, da liberdade de imprensa e da justa e correta ação revolucionária.
Olá,
Bem, eu não sou paladino de nada e nem pretendo responder ao comentário apresentado logo acima pelo Ronaldo. Mesmo assim, lembrei-me de um caso curioso que acaba de ocorrer na Argentina.
Inúmeras organizações populares do campo e da cidade estão se mobilizando, já há algum tempo, contra os projetos que as multinacionais mineradoras e o governo da presidente Cristina Kirchner estão promovendo intensamente em várias regiões do território argentino. Um dos conflitos entre a população, o governo provincial e as multinacionais terminou com várias mortes de militantes sociais de algumas organizações populares. A questão ganhou tamanha repercussão e está na boca da população: inúmeras marchas nacionais foram realizadas e o governo federal está sendo questionado por tentar se des-responsabilizar daquelas mortes – dizendo que as mortes são de responsabilidade apenas das polícias provinciais. Mesmo assim, Cristina está sob fogo cruzado – já que seu partido é aliado desse governador provincial.
Com efeito, curioso mesmo foi perceber que milhares de militantes governistas reclamaram dessas mobilizações, dizendo que o governo federal – tão atacado pela direita e pela imprensa oposicionista por apresentar propostas de mudanças supostamente anti-monopólicas nas leis de telecomunicação – deve ser fortemente apoiado por todos de esquerda. Os kirchneristas sempre usaram o argumento de que os militantes “não podem fazer o jogo da direita”.
Ao ver amplamente divulgada no jornal Clárin – considerado o maior vocalizador do oposicionismo da direita argentina e grande adversário de Kirchner – a notícia das mortes dos militantes populares e um amplo espaço aberto para a crítica (elaborada pelas organizações do campo) contra os grandes projetos de mineração, acusando as multinacionais e o governo por participarem de forma colaborativa nesse projeto, um amigo meu (que é militante autônomo de Buenos Aires) disse o seguinte:
“Os kircheristas deveriam denunciar o Clárin. O jornal está fazendo o jogo da esquerda…”.
As informações só seriam factíveis se publicadas no jornal Sem Terra, no Brasil de Fato ou na Caros Amigos? Ou se estivessem nas obras de referência para a esquerda?
Mais importante do que um movimento que se desvela aos olhos de quem está por dentro das lutas é o fato de ter sido publicado ou não publicado (o que também revela muito) pelo jornal ou revista A ou B?
Ora, enquanto os militantes de esquerda negarem-se a ler as informações e as notícias, compreenderem as situações contemporâneas e relacioná-las com a política e a economia, teremos por muito tempo quem acredite que Chávez está a desenvolver o socialismo no séc. XXI, que a cúpula cubana não pode ser criticada pela esquerda (pois já o é pela direita), que Daniel Ortega representa o povo e a história sandinista na Nicarágua…
Enfim, continuará a enxergar o mundo a partir de um binômio: nós e eles, sem perceber que no “nós” há muitos deles. Sem compreender como, de dentro da luta dos trabalhadores, alçam-se gestores do capitalismo. Mas, para tal fato sempre se pode recorrer ao argumento mágico e cômodo da “traição de classe”.
É triste ver lideranças usando as lutas sociais para a campanha de candidatos petistas, como no caso citado do Dandara em Belo Horizonte.