O debate entre Holloway e Dussel ocorreu no contexto do Primeiro Encontro do Bom Viver realizado na cidade de Puebla, México, na segunda quinzena de março […] consideramos relevante agregar parte da apresentação do autor boliviano Luis Tapia, quem participou da mesa Estado, sobre a relação entre movimentos sociais e o governo de Evo Morales nesse país. Por Bruno Miranda.
A mesa, intitulada Mudar o mundo sem tomar o poder?, fez parte do eixo temático Poder e foi também acompanhada de outras mesas cujos eixos temáticos foram Estado, Violência e Autonomias. Os dois autores já tinham se encontrado em 2004 no México dois anos depois da publicação de Mudar o mundo sem tomar o poder, de Holloway. Trata-se, pois, da continuação do debate sobre a mediação ou não do Estado em processos de mudança e revolucionários, assim como do papel que cumpre o Estado como instituição social. [1] Em virtude das referências que fizeram ambos os autores ao cenário político da Bolívia, consideramos relevante agregar parte da apresentação do autor boliviano Luis Tapia, quem participou da mesa Estado, sobre a relação entre movimentos sociais e o governo de Evo Morales nesse país.
Enrique Dussel
Dussel inicialmente chamou a atenção do público presente para a relevância da noção do Bom Viver, uma vez que é um conceito fundamental dos chamados povos originários da região, assim como tem tido presença em maior ou menor grau nos discursos dos governos da Bolívia, do Peru e do Equador. Segundo o pensador argentino, a análise dos povos originários “pressupõe uma ruptura epistemológica radical dentro do pensamento moderno e do marxismo, pressupõe uma descolonização epistemológica”. Nesse sentido, parafraseou o presidente boliviano Evo Morales, que, quando se refere à revolução supostamente em curso na América Latina, se refere a uma revolução “não violenta, sucessiva, não democrática, mas social-democrática, uma revolução cultural, não limitada às artes, mas num sentido integral que abarque toda a atividade humana: as atividades agropecuárias, a política, as relações sociais, até a economia”.
Entrando especificamente no debate sobre o poder, Dussel afirmou que “a esquerda em geral que tem criticado o poder, incluindo o Estado, não tem tido o cuidado de tratar o poder não como algo que se tem, mas como algo que se exerce e reside única e exclusivamente no povo, portanto não se toma, se fortalece ou se debilita. O poder do Estado é um poder delegado. Toda a América Latina, exceto Honduras, Chile, Colômbia, México, está em mãos de governos de centro-esquerda, ainda que seja cinco graus à esquerda, alguns mais outros menos, mas estão no poder. Então a responsabilidade do intelectual já não é só a crítica da política. Isso é fácil. É preciso passar ao “poder obediencial”, em palavras de Evo Morales e que também dizem os zapatistas ao mencionar o “mandar obedecendo”. O que fez Evo Morales foi governar obedecendo ao povo. A responsabilidade dos intelectuais hoje em dia é oferecer uma teoria positiva da política para os que exercem o poder em nome do povo, para iluminar os governantes. Como posso pedir a Evo Morales que dissolva o Estado? Claro, cuidado, é preciso saber o que significa. Isso é um postulado e um postulado é o que pode ser pensado teoricamente, mas empiricamente é impossível porque é uma ideia regulativa. Eu aceito, mas isso é uma ideia regulativa. O Estado não é essencialmente burguês”.
Para sustentar a ideia de que o Estado existiu antes da própria modernidade capitalista, Dussel tomou como exemplo o Egito (em outras ocasiões já utilizou o Império Inca como exemplo), já que foi uma realidade há mais de cinco mil anos, por ter tido uma classe e uma burocracia. Não era um Estado burguês, era um Estado tributário. Segundo o autor argentino, “o Estado não é mais que uma instituição. O problema é como se lida com ele. Não podemos ser ingênuos: não é tão fácil administrar o Estado ou se responsabilizar por ele; é preciso redefini-lo e interpretá-lo de outra maneira; é preciso estar atento e rejeitar a concepção liberal do Estado que nos mantém como meros indivíduos isolados mediante um contrato […] se não aceitarmos o indivíduo e no seu lugar existir a comunidade, estaremos rejeitando o Estado liberal desde o princípio. Eu não parto do Estado liberal e burguês, mas preciso sim de uma macro-distribuição que seja poder obediencial a mando do povo. A dissolução do Estado como organização empírica e mediada é muito próxima da proposta de [Robert] Nozick, da extrema direita, para que o Estado esteja nas mãos das transnacionais e da iniciativa privada. Para que precisamos do exército? Temos mercenários. Para que precisamos da polícia? Temos segurança privada. Isso diz a extrema-direita…e diz a extrema-esquerda também”.
Portanto, “uma coisa é a dissolução do capital e, além disso, a construção de um novo sistema, e outra coisa é a dissolução do Estado e a desaparição da política. E foi a posição de Marx. Dentro do socialismo real, no começo eu achava que o problema era Stalin, depois percebi que era de Lenin e depois que era do próprio Marx. Marx tinha uma visão negativa da política. E tinha uma visão positiva do social. O elemento econômico-social é fundamental, mas a sociedade tem que bombardear o Estado”. Seguindo a mesma linha de pensamento, Dussel indica um problema: “depois da revolução, começa a batalha da política e começa a verdadeira discussão. Daí começa a se falar de democracia, participativa e representativa, ambas articuladas. Não pura participação, porque se gera caos. E não pura representação, que está corrompida em todo o mundo, mas a representação que é julgada a partir da participação. No bairro, nas assembleias de bairro, aí tem democracia direta, nos reunimos cara-a-cara, discutimos a questão da segurança comunitária, do esgoto, da luz elétrica, tudo. Mas quando passamos ao município, já tem que haver uma organização participativa-representativa. Se necessita certa profissionalização do político. O perigo é a burocracia, pior que isso, é inevitável”.
Em sua primeira intervenção, o argentino concluiu que “a experiência liberal, a experiência europeia, norte-americana, não serve para nós. Temos que partir da experiência do que nossas revoluções estão construindo. Temos que ser muito duros quando nos propõem doutrinas que não foram descolonizadas epistemologicamente e que ainda acreditam na modernidade, e não enxergam além da modernidade, como nos mostra o “bom viver” dos povos originários”.
John Holloway
Holloway tem um ponto de partida radicalmente diferente. O acadêmico irlandês disse que sua visão do Estado atual, baseado no capitalismo, está provocando “um tsunami de destruição e morte e essa dinâmica está chegando a proporções que ameaçam a existência da humanidade, por estar baseado na injustiça, na violência e na exploração, coisa que é visível no campesinato, na destruição das cidades, das terras pela atividade mineira e na própria crise mundial. Se quisermos entender a sociedade e o que está acontecendo com ela, então temos que começar com a categoria de capital, não como uma categoria econômica, mas como um conceitualização dinâmica do assalto em que nos encontramos. O problema para nós não é só como melhorar os níveis de vida de muita gente – o que é importante – mas o mais importante é romper com essa dinâmica de morte. Será que já não podemos? Eu me rejeito a aceitar a destruição da humanidade”.
Para ele, “o Estado não é qualquer instituição. O Estado é uma forma de organização social que se desenvolve historicamente e que tem duas características fundamentais: de excluir ou expropriar e de reintegrar. Quero dizer com isso que o Estado é um produto do desenvolvimento histórico. Com o desenvolvimento do capitalismo, se desenvolve o Estado, como instância amparada na lei, amparada nos capitalistas, amparada no econômico pela primeira vez. E o mais importante é que o Estado incorpora em si mesmo uma separação entre a sociedade e a sua própria organização, isto é, o Estado é a separação de um grupo de funcionários da população. E desconfiamos da responsabilidade desses funcionários para organizar a sociedade, respeitando a separação do econômico e do político e obviamente o capital e os capitalistas”. Além disso, para Holloway, “o Estado capitalista moderno é essencialmente excludente e essa exclusão do resto da sociedade começa com as tradições, a linguagem, a forma de vestir, o comportamento de quem forma parte do Estado, com o único fim de controlar a vida social da população. Quando digo que NÃO através do Estado, não estou dizendo que a organização social não seja importante: é essencial, mas o Estado é uma forma de organização particular desenvolvida historicamente para excluir a população do controle social das suas próprias vidas. Minha impressão do processo boliviano é de uma revolução expropriada. Uma revolução que já não era propriedade dos revolucionários”.
Holloway agregou que “num segundo momento, o Estado nos reintegra, nos reconcilia com a reprodução do capitalismo, com a reprodução dessa dinâmica de morte. Simplesmente porque a existência do Estado depende da reprodução do capital. Para ter renda, o Estado, através dos impostos, depende da acumulação de capital, incluindo os salários dos professores universitários. Não quero dizer com isso que não se possa realizar mudanças significativas através das estruturas do Estado […] mas essas mudanças ocorrem paralelas à transformação do sujeito em objeto da política estatal, convertendo as vítimas em pobres, convertendo os rebeldes em cidadãos, afastando-nos da perspectiva de romper com a dinâmica do capital. Alguns líderes propõem a destruição do Estado burguês, mas propõem fazê-lo através da construção de um Estado comunal. Essa é uma expressão totalmente contraditória, porque o Estado exclui e a comuna inclui. Então, falar de Estado comunal ou de Estado soviético é ocultar uma contradição que temos que reconhecer. No caso da URSS, tratou-se de ocultar a supressão dos soviets, dos conselhos, das comunas”.
Dessa forma, “o Estado canaliza as lutas sociais. Obviamente isso nos deixa com o problema de que, se não for através do Estado, então como podemos mudar o mundo? A resposta ainda não sabemos. Por isso estamos aqui discutindo. Não temos as respostas, mas temos as experiências de pessoas que estão criando outra lógica de existir, viver e criar um Bom Viver […] Se o capitalismo é o “mau viver”, o “bom viver” é algo contrário a esse sistema que domina. É preciso ver as experiências e respeitá-las. E criticá-las, como forma de demonstrar nosso respeito. Ainda que possam parecer tontas, essas experiências estão cheias de fendas (gretas), de gente que diz NÃO a esse sistema. Existem milhões de formas de fazer isso”.
Réplica de Enrique Dussel
Em sua réplica, o autor argentino foi taxativo: “o problema da política é o poder, não a questão do trabalho. É o domínio sobre o trabalho que é exercido a partir do poder. Esse é outro problema. E outro problema que Marx não tratou. Marx não teve tempo de escrever outros três tomos sobre o Estado. Mas é preciso fazê-lo. Então, o tema do Estado não tem tanto a ver com a economia, mas com a política. A política determina a economia e vice-versa, mas não é a mesma coisa. O Estado por natureza não deve excluir. Exclui quase sempre quando se burocratiza e a burocratização é praticamente inevitável. Como se luta contra isso? Institucionalizando a participação pela primeira vez na história. Nunca se organizou a participação articulada à representação. A democracia liberal é puramente representativa. Leiam John Stuart Mill em 1860 em Observações sobre a democracia representativa”.
Ele rebateu as observações de Holloway sobre o Estado dizendo que não aceita a definição do Estado como essencialmente excludente. Dussel se pergunta: “qual o trabalho dos intelectuais? Trabalhar com movimentos sociais de base, dar suporte e auxiliar movimentos, mas eleições, governantes, etc., se diz que tudo isso está “corrompido por natureza”. Então, isso o intelectual não interpela. O que acontece então? Se são corruptos e não quero ser corrupto, não interpelo. Mas no final das contas os corruptos continuam trabalhando na política. A conclusão é que o México está destruído. A extrema-esquerda não quer se meter na política eleitoreira…e quem vai salvar o país? A extrema-esquerda acusa quem não entende de política, mas a entrega aos corruptos. E fazem isso com muita força, com o argumento moralista de que estão destruindo a política […] Não aceito essa visão negativa da política”.
Dussel abordou os movimentos sociais no México e indicou outro problema: “os movimentos mais honestos, mais idealistas, melhores, não estão dispostos a fazer política. Se não fazem política, estão entregando; e se entregam são responsáveis diante da história. A política é realismo com princípios éticos, deve ter alternativas anticapitalistas, tudo bem. Mas vamos solucionar o problema da política criando falanstérios a la Saint Simon? Criando grupos cooperativos em muitas partes do país e que somados todos consigam transformar o México? Nunca vão fazer isso. Nunca fizeram isso na história. É mais provável que 15 ou 20 grupos tenham uma ideia clara das coisas e façam política, façam que o povo participe e se organize e daí consigam uma transformação ao longo do tempo […] Vivemos um momento-chave no país. Se fosse só um problema teórico, não me entusiasmaria tanto, mas é um momento político real”.
Tréplica de John Holloway
Brevemente, Holloway mais uma vez sustentou que não entende quando se diz que o Estado não deveria ser essencialmente excludente. Segundo o irlandês, “parece realmente um liberalismo puro, mas é um liberalismo puro fora da realidade. Os mecanismos da democracia representativa excluem, um corpo de funcionários de tempo completo exclui necessariamente. Temos como desafio urgente apropriar-nos do mundo, ocupar o mundo como nos propõem os movimentos Occupy, não só como expressão da nossa dignidade como humanos, mas também como expressão da nossa responsabilidade. Porque realmente não tem sentido dizer que vamos assumir nossa responsabilidade entregando-a ao Estado, aos funcionários e aos políticos. Não tem sentido! Porque é isso o que o Estado nos habilita a fazer. No melhor dos casos, o Estado nos diz: “não se preocupem. Vão para casa e nós vamos nos ocupar dos problemas. Nós somos gente boa, somos profissionais. Não se preocupem! Não estou atacando López Obrador, nem Chávez, nem Morales. Estou dizendo que essa simplesmente não é a nossa política! Nossa política não é uma política de entrega de responsabilidades, mas de assumir nossa responsabilidade, de mudar o mundo a partir do lugar em que nos encontramos, aqui e agora de todas as formas que possamos! Trata-se de unir movimentos para criar um contra-tsunami para abrir outro mundo e um futuro para a humanidade”.
Os movimentos sociais em risco de reproduzir o capitalismo, alerta Luis Tapia [2]
Os movimentos sociais latino-americanos correm o risco de continuar reproduzindo a lógica capitalista e terminar controlado e dominando os operários, camponeses e indígenas que os integram. Esse foi o alerta feito por Luis Tapia, quem expôs o exemplo do atual presidente do país, Evo Morales, como alguém que chegou a esse cargo sob a bandeira do movimento indígena, mas que agora “se transformou no pior inimigo deles”.
Ele agregou que o caso da Bolívia é exemplar, pois os indígenas nesse país passam por um processo de substituição, e essa experiência deve ser levada em conta para evitar que aconteça o mesmo com outros movimentos sociais latino-americanos. Tapia afirmou que o caso de Evo Morales é especial porque o mandatário tem origem aymara, mas fez sua carreira numa região indígena quéchua. No entanto, em nenhum momento da sua vida política reivindicou sua origem indígena, porque fazia parte de um sindicato de produtores de coca.
Por isso, tinha uma identidade mais camponesa, que também nunca assumiu, inclusive antes de ganhar as eleições presidenciais no país. Quando chegou ao poder, isso mudou, porque no exterior foi criada a percepção de que era o primeiro presidente indígena, mas isso foi midiatizado porque convinha, apesar de Evo Morales nunca ter organizado assembleias indígenas; ele pertence a uma mestiçagem relacionada com o mercantilismo, não com a cosmovisão dos povos originários desse país.
Tanto assim que o Movimento Alternativo Sindical e o Movimento ao Socialismo, que é o partido de Evo Morales, por um tempo foram defensores da soberania nacional e num momento de crise dos demais movimentos sociais, a população boliviana votou no MAS. “O que aconteceu depois é que o MAS teve um projeto de monopólio do poder político, gerou uma nova burocracia política que tem origem popular (seus membros) foram dirigentes sindicais ou de algum outro setor, mas de origem aymara ou quéchua, o que lhes dá um forte poder simbólico, pretendendo monopolizar a representação dos indígenas mas afastando-os do governo”, indicou o acadêmico.
Atualmente o poder na Bolívia tem uma representação indígena. Alguns ministros foram “convidados” a ser ministros, deputados ou secretários, mas esse convite “vem de cima” e eles não são eleitos por uma base social e também não possuem vínculos com suas culturas”, destacou.
“O MAS boliviano se centrou na construção de um poder político, num Estado no sentido amplo, mas expulsou gradualmente os indígenas ao ponto de se enfrentar com eles”, afirmou Tapia. “E isso tem a ver com seu projeto econômico. Acho que hoje o MAS não é nem sequer um partido nacionalista porque seu plano de governo são hidrelétricas, represas e rodovias para conectar o Pacífico com o Atlântico e que favorecem fundamentalmente o capital brasileiro. O conteúdo do atual governo está subordinado ao Estado e à geopolítica do Brasil, e aí também não tem nacionalismo”, sublinhou.
Disse que a Bolívia também não é um Estado plurinacional porque, nos compromissos que o governo de Evo Morales consolidou com o Brasil, existe a intenção de conseguir poder econômico e político, mas de origem externa, nunca interna. “Há dois anos estamos enfrentando essa contradição: uma ajuda externa para o atual governo do Brasil e um distanciamento interno, o que tem feito com que o conteúdo do atual governo seja invadir territórios indígenas”, apontou.
Notas:
[1] Parte do diálogo entre Holloway e Dussel foi traduzido da página do evento.
[2] Texto de autoria de Javier Puga Martínes, integralmente traduzido .
-Debate Holloway – Dussel – Boron, en la UNAM. Discrepando con Dussel.
Uma vez o Dussel foi lá na minha faculdade, e uma coisa que ele disse que eu achei muito impressionante foi que era preciso fazer a desconstrução ideológica da nossa noção de poder. Então, ele dizia, assim como Marx fez a crítica do indivíduo na economia liberal, mostrando ser ele uma ficção burguesa, é necessário que a gente perceba o que existe de liberal na maneira como compreendemos o poder. Então, a noção de poder associada à dominação, como compreendem o Weber e as elaborações nas ciências sociais em geral, já mata na raiz a possibilidade de emancipação. E, se eu me recordo bem, ele invocava Nietzsche para pensar em uma definição afirmativa de poder, como atividade criadora. Para sair da cilada entre dominar ou ser dominado ele dizia isto que está no texto aqui, que o poder na verdade não se exerce sobre o povo, mas a partir dele. E que quando aceitamos a noção liberal de poder como dominação, estamos na verdade renunciando ao exercício do poder criativo que é natural e definidor do ser humano, pois a condição de dominados subtrairia destes últimos qualquer poder – daí o caráter ideológico e portanto liberal da noção mais habitual de poder em política.
Eu lembro de ter saído com a sensação de que era um pensamento muito subversivo, e que não era por acaso que nunca havia ouvido falar nele antes. Isso foi há dois anos, e esta é a primeira vez que ouço o nome dele novamente sem precisar procurar.
Talitha,
é pertinente a noção de poder que Dussel procura aplicar. O problema é que parece que ele não leva na prática essa noção à própria conclusão lógica que ela implica e que ele expressa: o poder (do povo) ou se fortalece ou se debilita. Com todo o discurso dele a favor da política no sentido da tomada do Estado (com tudo que isso implica entre separações e hierarquizações), a prática dele me parece que é a da debilitação do poder do povo.
Buen día mi nombre es David Ortega, articulador del Primer Encuentro del Buen Vivir y me gustaría mucho entrar en contacto con usted, agradezco el interes en reproducir la información de este encuentro.
Leo Vinícius, não entendi o que você escreveu. Parece que no final você se coloca contra a política no âmbito do Estado, mas como isso se relaciona com a noção de poder dele, e quais deduções levam à conclusão lógica que você menciona não ficou claro.
Talitha, historicamente a participação no âmbito do Estado leva a uma debilitação do poder do grupo social ou da organização social que formam a base da qual os que se inserem no Estado dizem representar. Exemplos não faltam. O PT é um, cujo quadro foi para o aparelho do Estado, levando a um distanciamento do trabalho nos movimentos sociais, no sentido de empoderá-los. Exemplos se acham também em momentos revolucionários (relação soviets x Estado por exemplo). Bem, tendo isso como pressuposto, e tendo a conceito dele de poder em mente (algo que se fortalece ou que se debilita), então a prática política que visa intervenção através do Estado tende a debilitar, não a fortalecer, o poder dos debaixo.
Não sou purista no sentido de que movimentos ou grupos não devem dialogar com o Estado e tentar jogar com suas contradições. Comentei apenas no sentido de analisar esse discurso do Dussel.
Talitha/Leo,
Foi mal pelo atraso, mas só agora tenho tempo de complementar o debate de vcs. As proposições do Dussel estão acompanhadas na atualidade do apoio público ao candidato do PRD (Partido da Revolução Democrática), Andrés Manuel López Obrador. A campanha eleitoral por aqui no México já começou há quase um mês. Estejamos ou não de acordo (eu não estou de acordo em hipótese alguma, entre outras coisas pelo que o Leo afirma), é no mínimo coerente com o seu discurso. Na base teórica do Dussel, está a leitura do “Princípio Esperança” do Bloch. Dussel nos propõe pensar a política de maneira positiva, ao contrário da negatividade de Holloway, baseada no Adorno. Para Dussel, Holloway nos coloca diante de uma “política impossível”, já que ontologicamente podemos estar contra o Estado, mas a política se desenvolve no plano fenomenológico…em outras palavras, temos que ter os pés no chão e pensar de maneira realista. Mas eu me pergunto: Quando a história nos mostrou a possibilidade de uma representação honesta a partir do Estado? Pensar que podemos fiscalizar o Estado e manter um “poder obediencial” para mim parece tão “sonhador” quanto.
Caros,
Já eu fico me perguntando o quanto de coerência existe nisso e o quanto de oportunismo pragmático.
Se na época do FHC, no Brasil, o José de Souza Martins foi acusado de ir para o lado de lá, o que dizer de Emir Sader, Dussel e cia, que procuram fazer um malabarismo teórico para justificar estes governos ditos de esquerda e suas políticas de direita, claro que sem esquecerem as benesses daí adivindas como téoricos orgânicos do poder. Curioso como esses intelectuais preferem não enxergar e explicitar as contradições destes governantes e as críticas dos que ainda resistem em seus países.
Por outro lado, o Holloway insiste numa abstração pouco convincente, de dizer aos outros que lutem, como possam e em todos os lugares…
Achei a reflexão do Tapia muito mais lúcida.
Abraços
Só para esclarecer, quem é Tapia?
Ao longo do século XX, era muito comum, quase todos que se envolviam com política sentiam-se obrigados a tomar posição no frigir dos ovos das eleições, por piores que fossem as possibilidades de escolha. Acho que conviria que pessoas que pensam nesta postura como um absurdo ao menos levantarem algumas das consequências práticas, não apenas morais, de se fazer o contrário disto. Mas, em todo caso, o que eu tenho a impressão de que esteja ocorrendo hoje é um Estado que se burocratiza crescentemente e uma esquerda crítica que se recusa a lutar pelo diálogo e pela representatividade, e que acusa quem o fizer de haver capitulado, como se a militância autêntica tivesse que consistir em reclamar para as paredes, ou entre nós mesmos até o dia da revolução (sem nenhum movimento claro neste sentido também).
Acho que foi por isso que gostei da fala de Dussel.
Também tem uma coisa que me incomoda um pouco, quando se usa o PT como exemplo, como fez Leo Vinícius. Eu não acho que o PT sirva para ilustrar o processo que se verifica de afastamento das bases após a chegada ao governo por um motivo muito simples: o PT se afastou das bases, ou as bases se debilitaram, bem antes que o partido chegasse ao governo. Não disponho de dados objetivos, mas esta é uma afirmação para mim tão evidente, que chego a pensar em passar algum tempo me dedicando a demonstrá-la, de tanto ver este fato no mínimo questionável ser utilizado como base de longas argumentações. Talvez seja verdade que exemplos não faltem, mas este para mim não serve.
Talitha,
Lembro de um afla de um membro do PT do RS numa mesa do Fórum Social Mundial de 2002, em que ele mesmo fazia a crítica da burocratização da militância após o PT virar governo no RS.
Quando um partido (de esquerda) ganha eleições, de onde vem os quadros que preenchem os cargos do Estado?
ontem tentei postar duas vezes, mas não consegui….vamos ver se agora sim…
Talitha,
Luis Tapia é um cientista político boliviano que fez parte do Grupo Comuna, composto por Raquel Gutierrez, o atual vice-presidente e Raúl Prada. Este grupo divulgou e ajudou a pensar o ciclo rebelde boliviano entre 2000 e 2005. Tem publicações interessantes, entre elas “Marxismo herético”.
No caso do Dussel, ele tem apoiado publicamente o candidato do PRD López Obrador. O PRD começou como um partido composto por operários, camponeses e muita gente ligada ao cardenismo e logo foi se convertendo no que é hoje: uma entidade burocratizada, corrupta e entregue aos tempos eleitorais. Ainda assim, muitos “intelectuais de esquerda” o apoiam. Há pouco tempo, López Obrador fez um chamado ao zapatismo, pedindo reconciliação. Dias depois, estava dando porrada em militantes da “Otra Campaña” na praça central da Cidade do México. Por outro lado, como diz o Alex, eu também não compro o “pacote Holloway” inteiro. Pensar em termos de micropolítica e de ações individuais contra o capitalismo é uma coisa. Pensar em ações coletivas é outra. Holloway coloca tudo no mesmo saco.
¡Saludos!
Obrigada, Bruno, vou procurar saber sem falta.
Saudações.
Se faz necessário um breve comentário acerca dos diálogos acima descritos. Com todo o respeito a notoriedade dos autores em questão, me parece que ambos por caminhos opostos chegam ao mesmo lugar. porém, nosso continentino Dussel, realiza a proeza que os economistas clássicos não conseguiram, ele consegue contra a teoria marxiana e a boa teoria marxista, separar a política e economia, como se não bastasse, ainda diz que o problema do poder é o fato de se concentrar sobre a ideologia liberal, ora! quem reealmente tentou realizar a separação entre política e economia? acaso não foram os liberais? nos parece que sim, mas contra Marx, o sr Dussel realiza a façanha de efetivar o “histórico e falso divórcio de um casal que nunca se separou, desde o advento da forma Estado/capitalistal. mas brilhantemente o sr Dussel nos informa que o Estado não é umcaracteristica puramente capitalista, que em outros momentos da história, houve outros Estados, recorreu a antiguidade e a tão romantizada sociedade inca que com sua burocracia explorava outras sociedades circunvizinhas. o que nos parece é que Dussel quer encontrar a forma histórica de um Estado que seja capaz de realizar a revolução, o papel da revolução “socialista” de Dussel tem que ser organizada a partir do Estado, e segundo a sua forma, de fato é possível, pois com sua capacidade inventiva digna dos melhores ilusionistas de aprtar politica e economia, o problema da revolução se resolveria na super estrutura, basta escolhermos o “bom governo” ou governo de “bem viver”, que revolução social democrática e pacífica [anacrốnica historicamente] se realizaria. mas para criticar Dussel de fato é só utilizar os argumentos de John Holloway, nosso socialista do velho mundo, defensor do “mudar o mundo sem tomaro poder” realiza a mesma façanha de Dussel, separa política e economia, se o primeiro da prioridade a política e com isso fecha os olhos para o poder econômico, Holloway fecha os olhos para o poder político, embora tenha razão em dizer que [com outras palavras]o Estado continua sendo o “comitê de negòcios” da burguesia, chega por caminho oposto ao mesmo lugar que Dussel, ou seja a lugar nehum, pois se o primeiro ignora as forças economicas, o segundo igonora o poder político e consequentemente o poder economico, chegando ao idealismo de que experiencias autônomas, [sem aqui discutir o caráter a importância que possam ter] possam se tornar alternativa viável de contra poder, como se fosse possível em uma sociedade super hegemonizada pelas grandes corporações transformar o poder politico em anacrônico a partir de tais experiencias. mesmo na passagem do feudalismo para o capitalismo, onde a classe potencialmente revolucionária [a burguesia] que detinha o poder economico, teve que se debater em uma luta politica violenta para se consolidar.
é fato que as pretenções daqueles que realmente querem o socialismo não é cristalizar o Estado, antes pelo contrário, por isso, contra as fantasias de Dussel, é necessário retomar Marx e Lenin e a tradição marxista revolucionária e realizar a luta pelo poder, mas uma luta com ampla participação popular, uma luta que tome o poder da burguesia, não que acomode o poder da burguesia segundo as necessidades desta, contra Holloway, retomar Marx e Lenin, para acabar com essa utopia até bem intencionada eu diria, de que é possível realizar uam revolução sem colocá-lo na mão da classe trabalhadora, sem como diria Lenin colocar o poder do Estado sob o mando daqueles que trabalham e produzem a riqueza e a partir desse momento se inaugures um época de revolução social. isso só pode ser feito com leituras corretas da realidade, sem fantasias, do contrário se chegará onde chegaram Dussel e Holoway, a lugar nehum.