A população resistente só terá tranquilidade quando for dado fim ao processo aberto no judiciário. Por Rusga Libertária/FAO
O Estado de Mato Grosso nos últimos 10 anos destacou-se na mídia nacional como um grande produtor da monocultura da soja e da cana-de-açúcar, exportando sua produção para outros Estados e países. Por detrás de toda essa “grande produção” temos práticas de trabalho escravo e assassinatos decorrentes da invasão de pequenas propriedades para o aumento da área de plantio e gerando uma enorme destruição ambiental nessas regiões. Esse mesmo plantio serve somente para a exportação aos países de primeiro mundo e fábricas de rações destinadas ao gado de corte que no Estado vem beneficiando a poucos que concentram imensas fortunas em suas mãos. Na capital passamos pela desenfreada corrida pelas obras da Copa de 2014. O governo estadual tem destinado uma enorme quantidade da verba pública para tais obras; só para a construção do VLT [Veículo Leve sobre Trilhos], que terá uma extensão de 22 quilômetros, há um custo estimado pela Secretaria Estadual dos Assuntos da Copa do Estado de Mato Grosso (SECOPA/MT) de R$1,2 bilhões de reais, sendo que R$423 milhões já estão aprovados e R$727 milhões serão viabilizados por meio da Caixa Econômica Federal com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) [1].
Como no restante do Brasil, o prioritário para o Estado (o Governo Federal e seus parceiros: empresários, latifundiários, imobiliárias, construtores, etc.) é o desenvolvimento: obras faraônicas que privilegiam uma elite e expulsam os pobres para áreas cada vez mais distantes, dificultando inclusive a entrada desses em determinadas regiões da cidade.
A política de moradia em Cuiabá, capital de Mato Grosso, não é diferente de outras cidades do Brasil. Também possuímos várias regiões de conflitos por lotes, pois vários bairros são originados de ocupações. Atualmente, dentre as várias comunidades ameaçadas de despejo temos o Assentamento Canaã (Jardim Canaã), localizado na região da grande Coxipó, vizinha de um condomínio horizontal e de frente à Avenida Palmiro Paes de Barros, que dá acesso a outras cidades vizinhas de Cuiabá e que também possuirá outros condomínios e tantos outros investimentos de “progresso” ditados pelos organizadores da Copa de 2014 em Mato Grosso. Esse assentamento urbano está sobrevivendo há quase dois anos nessa região com aproximadamente trezentas famílias, que em sua maioria são de mães desempregadas e solteiras, idosos, deficientes físicos e centenas de crianças.
Desde que ocuparam essa região, que estava há muitos anos esquecida – também servindo de depósito de lixo, local para estupro e até desova de cadáver –, essas famílias ocuparam esse terreno, dando uma função social à área em questão e contribuindo com a amenização de alguns problemas gerados pela existência de terrenos baldios. Limparam a área, construíram suas casas de alvenaria e assim conseguiram dar a si próprios o seu direito de moradia, que o Estado tanto nega para população pobre.
Supostamente, Armindo Sebba foi o primeiro dono dessa região onde as famílias se encontram assentadas. Armindo Sebba já é falecido e era dono de uma antiga joalheria de Cuiabá – Joalheria Sebba. Atualmente, seu filho Armindo Sebba Filho e também sua neta Luana Sebba estão brigando para expropriar essa terra, que há mais de dez anos não tinha interesse algum para os mesmos e ficou tomada completamente por matagal e sem nenhuma função social. Tantos anos sem demonstrarem o menor interesse pela terra e no momento de avanço da supervalorização de terras por causa dos empreendimentos das construtoras ligadas nas ações da Copa de 2014 o Sebba Filho e a neta Luana Sebba aparecem demonstrando interesse pela área?
Vandymara Galvão Ramos Paiva Zanolo é a juíza responsável pela 21ª Vara Civil de Cuiabá e também a responsável pelo andamento da decisão de reintegração de posse do terreno em questão. Alguns moradores alegam que a juíza tem ligação com o Sebba Filho, pois seriam amigos desde a infância. Vandymara foi acionada em 04 de junho de 2009 pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso a devolver R$ 87.487 mil para os cofres públicos do Estado por realizar contratação de Waldisley Alves Teixeira (casado com uma secretária da juíza) para o cargo comissionado de Chefe de Divisão na comarca de Mirassol D’Oeste/MT entre dezembro de 1996 e junho de 1997 [2]; no mesmo período, Waldisley era empregado do banco HSBC Bank do Brasil S/A como técnico bancário em Rondonópolis/MT, e o próprio banco o confirmou em duas oportunidades durante a investigação [3]. A juíza também esteve ligada a outros julgamentos suspeitos como o processo contra o deputado estadual José Riva (PP), que várias vezes foi adiado [4]; está ligada também em uma permissão dada a várias empresas de transporte público na capital cuiabana que lhes permite rodar mesmo suas frotas estando com média de idade acima do que foi celebrado em contrato licitatório do transporte coletivo com a prefeitura de Cuiabá em 2002 [5]. O histórico de Vandymara demonstra o favorecimento aos detentores de capital e da “propriedade”. Essa é a cara do judiciário brasileiro que constantemente está envolvido com corrupção. Em Cuiabá, a mesma vara civil onde a juíza é autoridade maior já esteve sob investigação.
Ao dar reintegração de posse para a família Sebba, a justiça passa por cima da constituição que diz, no Artigo 6º do Capítulo II, que são direitos sociais a educação, a saúde, A ALIMENTAÇÃO, o trabalho, A MORADIA, O LAZER, A SEGURANÇA, a previdência social, a proteção à maternidade e A INFÂNCIA, A ASSISTÊNCIA AOS DESAMPARADOS, na forma desta constituição. Outro agravante é como dar reintegração de posse para uma área que nunca teve posse ou qualquer uso pela família Sebba?
Em 2010 a população resistente nessa região sofreu varias perseguições compondo ameaças de morte, até chegar ao ponto de terem suas casas derrubadas.
Mesmo com esses terrorismos, não desistiram e reergueram novamente suas casas e com o tempo também aumentando o número de famílias que chegaram à região para conquistar sua casa própria. Nesse ano de 2012 as famílias indignadas com a possibilidade de reintegração de posse realizaram uma manifestação paralisando a Av. Palmiro Paes de Barros, conseguindo dessa maneira chamar a atenção para o que estava ocorrendo no Canaã e se articular com vários movimentos sociais para agregarem forças nessa luta por moradia. Ocorreram outros atos, onde fecharam novamente a mesma avenida e dessa vez conseguiram trazer maior repercussão para sua luta.
Nesse mês de março, mesmo depois de ter acontecido reuniões com os representantes do governo e outras instituições do Estado, deu-se início à prática de terrorismo psicológico nos arredores do assentamento utilizando a polícia para coagir os moradores. No dia 26 de março de 2012, recebemos a preocupante notícia, no período da noite, que a juíza Vandymara Zanolo ordenou a Casa Civil do Estado de Mato Grosso e a Defensoria Pública a efetuar a desocupação das famílias o mais rápido com prazo para execução de 48 horas e ameaçando de punições ao não cumprimento da ordem.
Não tendo informações concretas, a necessidade de reorganização e preparação para lutar contra tamanha truculência está sendo aplicada com maior atenção pelos arredores e dentro do assentamento. Com todo esse risco e a preocupação com um possível despejo, foi articulado um seminário para que se conseguisse dar maior visibilidade para a sociedade cuiabana sobre os problemas gerados em torno das construções para a COPA 2014 e a necessidade de moradia não como um privilégio, mas sim como um direito.
Foram convidados para o seminário representantes dos governos estadual e federal, da prefeitura de Cuiabá e representantes dos movimentos sociais que estão juntos na luta por moradia, como também moradores do Assentamento Canaã. Todavia, foi enviado apenas um membro da Secretaria de Assuntos Comunitários, que é ligado à Prefeitura da capital e que mais uma vez afirmou que não é de interesse do Governo Estadual tirar as famílias de suas casas.
Mesmo com a declaração, mais uma vez feita, de que não há interesse no desalojamento das famílias por parte do governo estadual, só se poderá ter a tranquilidade quando realmente for dado fim no processo aberto no judiciário, órgão que determinará ao executivo o que deve ou não ser feito.
Enquanto isso, resistir, lutar, organizar e denunciar têm nesse momento pesos equivalente.
Quando morar é um privilégio. Ocupar e Resistir é um direito!
Somos todos Canaã!
Lutar, Criar, Poder Popular!
Fevereiro/Março/Abril de 2012
Rusga Libertária/FAO (Construindo a CAB – Coordenação Anarquista Brasileira)
Notas
[1] Informações retiradas do site: http://gecopa2014.com.br/?p=noticia&id_noticia=12119
[2] Informações retiradas do site: http://www.mp.mt.gov.br/imprime.php?cid=49876&sid=44
[3] Informações retiradas do site: http://www.visaonoticias.com.br/noticias/estado/9726108/Julgamento%20do%20processo%20contra%20Riva%20%C3%A9%20adiado
[4] Informações retiradas do site: http://www.copopular.com.br/noticia.php?codigo=13883
[5] Última revisão feita no ano de 2010, não perdendo o sentido e direitos já afirmados em 1988: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc64.htm#art1