Ativistas costumam pensar que o mundo estaria resolvido caso todo mundo se tornasse que nem eles. Funnywump entrevistado por Libcom
A ideia de traduzir esta entrevista, originalmente publicada em 2006, nasceu a partir da discussão gerada em torno do artigo Doze condições da luta social; tarefa para a qual o leitor Groucho Marxista gentilmente se prontificou.
A primeira parte desta entrevista pode ser lida aqui.
L: Durante o seu esforço organizativo, que conexões internacionais vocês fizeram?
F: Bem, nós sempre sustentamos que a nossa organização precisava ser tão multinacional quanto a empresa, mas talvez você quis dizer conexões com grupos políticos e organizações laborais? Tivemos trocas amigáveis com sindicatos na Itália, Canadá, na Holanda e na França. Também construímos boas relações com sindicalistas, especialmente a FAU na Alemanha e a IWW na Austrália. Também houve a CNT-VIGNOLE, que estava se organizando em um McDonald’s de Paris, e a CNT-AIT francesa, que havia trabalhado no McDonald’s por uns anos, e a SAC e outros grupos. Tivemos uma ótima relação com a Chainworkers na Itália que estavam ligadas à CUB. Camaradas produziram versões da nossa revista em grego e tcheco. Tivemos sorte de ganhar tanto apoio.
L: Que relação vocês tinham com o movimento anarquista?
F: De novo, tivemos sorte de ganhar muito apoio e sou grato a todos que ajudaram. Gostaria de mencionar em particular a solidariedade que recebemos de alguns camaradas na Escócia. Claro que também houve hostilidade ao que estávamos fazendo. Eu acho que na nossa primeira Feira do Livro Anarquista ficamos bastante assustados com o tamanho da oposição. Naquela época os eco-anarquistas tinham uma influência política bastante forte e havia aquela tendência horrível de definir “lutas de trabalhadores” em uma categoria como “lutas antiprisão” e era difícil de ter uma discussão séria sobre luta de classes. Quer dizer, era mais fácil conseguir um destaque no The Face do que no Indymedia.
L: E das pessoas dos direitos animais, que reação vocês tiveram deles?
F: Muitas “pessoas dos direitos animais” também estavam envolvidas na luta de classe, de modo que elas nos apoiavam. Outras não estavam realmente interessadas em organização de trabalhadores mas viam o que estávamos fazendo como uma frente a mais na sua luta contra a empresa. Esses dois grupos eram a maioria, tenho certeza. Mas sim, também tivemos momentos bastante aflitivos em eventos como a Feira do Livro Anarquista. E claro, também havia os completamente malucos. Costumávamos receber ameaças de morte e tudo quanto é tipo de ameaça. Suponho que eles provavelmente eram da ala necrofílica da libertação animal. Não acho que devamos gastar muito tempo se preocupando com eles.
L: Você disse pra mim uma vez que quando vocês se envolveram com o movimento anarquista a sua política piorou – mudou para ir a protestos contra cúpulas, etc.
F: Sim, mas eu estava errado em dizer isso. A nossa política melhorou – alguns de nós desenvolveram um entendimento teórico e mudamos nossas atitudes em relação ao racismo, sexismo, etc. – foi a nossa prática que piorou. Bouncer e eu mesmo, particularmente, nos envolvemos com ativismo político e isso significava acreditar em uma luta que não estava baseada onde ela poderia fazer a diferença. Eu me diverti muito com esse tipo de ativismo e às vezes eu gostaria que ainda pudesse ter o mesmo entusiasmo por ele, mas no final a nossa agit-prop se tornou voltada demais para o ativismo. Quer dizer, quando você começa a dizer coisas como “agit-prop” que caralho de esperança você ainda tem?
Eu lembro que queria que fossemos levados a sério pelo movimento anarquista, que fossemos respeitados, e isso nunca deveria ter sido uma preocupação. No nosso último ano eu acho que queríamos virar algo como um grupo sindicalista. Tentamos estabelecer uma estrutura de decisão democrática terrivelmente lenta e condenada ao fracasso. Lançamos uma tediosa e irrealista (nos deixamos levar pelo nosso crescimento em 2002) luta salarial exigindo um piso inicial de £6.00 a hora. Porque é isso que as organizações de trabalhadores fazem, não é? Perdemos a nossa inovação e o nosso senso de aventura.
Trata-se de um ponto que é frequentemente posto de lado por conta das suas associações com um “anticapitalismo” liberal, mas a presunção de que os trabalhadores estão necessariamente mais interessados em demandas materiais precisa ser revisada. Nós não queríamos trabalhar para o McDonald’s, quer nos pagassem £6.00 ou £20.00 a hora, então por que é que pensamos que os outros trabalhadores se inspirariam por uma campanha desse tipo?
L: Em retrospecto, você acha que poderiam ter feito alguma coisa pra impedir a atrofia que ocorreu, ao invés de lançar uma campanha salarial?
F: Nós devíamos ter mantido as coisas informais e tentado ser uma inspiração ao invés de tentar construir uma estrutura unificada. Estávamos errados em tentar ser os mediadores entre o presente o futuro que desejávamos. Devíamos ter continuado apenas fazendo piadas sobre o Ronald McDonald transando com crianças. É difícil dizer. O problema foi que nós nos politizamos muito rapidamente, a nossa influência cresceu e queríamos forçar coisas que não eram apropriadas para a situação. Basicamente, nós éramos a seção mais revolucionária da classe trabalhadora e nos deixaram marcando passo na esperança de que o resto de vocês nos alcançaria!
L: Você não acha que grupos revolucionários nos locais de trabalho devem fazer demandas práticas em relação aos salários?
F: Não necessariamente. Quer dizer, você não acha que é um pouco estranho que nós possamos sequer fazer essa pergunta sem contexto? Você não perguntaria “Você acha que grupos revolucionários de locais de trabalho devem fazer reivindicações práticas de maiores intervalos?” Porque é óbvio que depende do contexto, no que é viável e no que está gerando descontentamento. Demandas salariais podem ser muito importantes, mas elas também podem ser irrealistas e tediosas. Em outros momentos elas podem ser reformistas e revolucionárias. E ao dizer isso não estou fazendo de uma posição pós-materialista Capitão Planeta, só estou sugerindo que não deveríamos presumir que demandas salariais devem sempre ser um objetivo primário. Obviamente eu nunca argumentaria contra salários mais altos, não mais que contra intervalos maiores!
L: Você queria que o MWR se tornasse uma organização de massa dos trabalhadores do McDonald’s?
F: Sim, eu queria, e eu acho que essa era a ideia geral. Mas se por “organização” você quer dizer uma estrutura funcional e administrativa, então eu acho que estávamos equivocados. Penso que deveríamos ter continuado tentando ser uma inspiração para a massa dos trabalhadores do McDonald’s. Tivemos um sucesso incomum com essa abordagem e a tentativa de construir “uma organização” a partir do interesse que havíamos gerado foi mal sucedida e, em última instância, desencorajadora. Especialmente com a rotatividade do pessoal sendo tão alta, o que significava que quase na mesma hora que conseguíamos estabelecer um contato formalizado com algum grupo, os trabalhadores envolvidos já estavam a mudar para outras coisas. O MWR poderia ter sobrevivido melhor como uma tendência dentro do conjunto dos trabalhadores, como ideias transmitidas entre trabalhadores informalmente.
L: Dado que o MWR era um agrupamento explicitamente revolucionário, gostaria de saber onde você se posiciona na tensão entre pequenos grupos com política “estrita” (rigorosa) e grandes grupos (ou grupos que gostariam de ser grandes) como os defendidos por anarcossindicalistas ou sindicalistas revolucionários?
F: Bem, as declarações explicitamente revolucionárias foram lançadas pela seção de Glasgow especificamente, e elas foram lançadas num estágio em que nossos números haviam declinado e nós tínhamos saído da condição de um grupo prático com influência significativa em um restaurante para a condição de um grupo propagandístico mais voltado para a comunicação com o conjunto dos trabalhadores. É importante não confundir as duas coisas.
Essas eram as nossas ideias e não queríamos escondê-las. Acho que teria sido desonesto e condescendente não ter declarado publicamente como pensávamos que o futuro deveria ser. Mas nunca pedimos que outras pessoas concordassem com essas declarações. Pedíamos por um nível básico de concordância em táticas práticas no que dizia respeito à forma de luta adotada e como os trabalhadores se relacionavam com seus colegas.
Acho que é importante que os trabalhadores publiquem e discutam suas ideias dentro de uma análise política a mais rigorosa possível. Mas eles não devem querer que o resto da mão de obra se torne como eles. Talvez você se lembre do artigo “Desista do ativismo”, que era popular (ainda que talvez não aplicado) durante o “movimento anticapitalista”? Um dos apontamentos que ele fazia era que ativistas costumam pensar que o mundo estaria resolvido caso todo mundo se tornasse que nem eles. Bem, penso que os anarquistas classistas fazem algo similar. Penso que a revolução vai ser feita por trabalhadores enfrentando coletivamente as relações econômicas que empobrecem nossas vidas. Isso não vai vir por mágica, vai necessitar do esforço consciente de seções radicalizadas da classe, mas também vai envolver trabalhadores que vão para a Mesquita, usam rímel, preferem Middlemarch à Marx, acreditam no misticismo new age, dizem “Graças” antes das refeições ou… coletam antiguidades. Então não vejo nenhum inconsistência entre defender uma política revolucionária coerente e se organizar com quaisquer pessoas com as quais você tenha interações cotidianas, sejam os seus sanduíches kosher, vegetarianos ou mesmo torrados à italiana.
L: Então, sobre organização, você pensa que pessoas como nós que são revolucionárias libertárias ou anarquistas deveriam se organizar como tais – como anarquistas – ou apenas com os nossos companheiros trabalhadores onde estejamos?
F: Eu acho que nesses tempos deprimentes, pessoas que compartilham de uma análise política devem se juntar e apoiar uns aos outros. Eles devem fazer abraços coletivos e chorar sobre suas cervejas. E às vezes vale a pena para eles cooperar em projetos publicísticos ou se organizar em formas que podem potencialmente ajudar o outro tipo de grupo, os grupos que estão baseados na vida cotidiana. Porque estes são as únicas estruturas que podem transformar a sociedade. E boa parte do tempo organizar-se como anarquista significa ir a uma reunião horrível antes de poder ir pro bar. Acho que o mundo seria um lugar melhor se não houvessem essas reuniões, e camaradas que quisessem sair juntos inventassem uma desculpa mais honesta. Noites de bingo ou idas ao cinema ou qualquer coisa.
L: Quanto a esses grupos baseados na vida cotidiana, há a questão de se eles vão se tornar reformistas, sectários ou Nimbyistas (Not In My Backyard). Com um grupo como o MWR, por exemplo, se um restaurante grande ou dois “entrassem” em massa, como vocês impediriam que o seu radicalismo fosse diluído?
F: Quando trabalhadores de outros restaurantes entraram no MWR, isso não impediu que o grupo original continuasse publicando suas ideias. O problema apenas se desenvolveu porque mais pro final nós tentamos fazer dele uma estrutura centralizada. Se você faz isso então as coisas obviamente ficam mais complicadas. Se você quer focar em qualquer coisa fora dos objetivos e princípios, precisa de um consenso, e isso é um saco. E nós tivemos problemas. Por exemplo, quando a Guerra do Iraque começou, nós defendemos que a organização devia chamar por ação direta no dia em que as hostilidades se iniciaram. Tinha um cara que estava envolvido que também era um cadete do exército (uma razão boa pra caralho pra ser contra, eu diria) e ele, junto com outros, argumentaram contra essa ideia (eu acho que votamos sobre a questão no final, ou alguma outra bobagem). Mas realmente, nós poderíamos ter apenas lançado nossos argumentos publicamente e deixado outros grupos ou indivíduos responderem com os seus argumentos e se decidissem. Eu nunca vou conseguir ser um anarcossindicalista, não vou?
L: Qual foi a coisa mais importante que você acha que o MWR mostrou?
F: Bem, ele mostrou coisas importantes para os trabalhadores do McDonald’s e indústrias similares. Mas como essa entrevista é com o site Libcom, eu suponho que a questão principal seja o que ele mostrou para os revolucionários.
L: Bem, nós geralmente tentamos ter um público de trabalhadores radicais, com algum sucesso. Recebemos cartas postais de trabalhadores do exterior que acompanham as lutas dos carteiros do Reino Unido em nosso site, tivemos relatos de piquetes de grevistas, como aqui , e já vimos grevistas distribuindo artigos nossos em piquetes, etc…
F: Foi mal, eu não tinha percebido que trabalhador e revolucionário eram categorias mutuamente excludentes! Todo poder à sua comuna camarada. O que eu quero dizer é que as perguntas, e o jeito que eu as respondi, supõem um público específico. Se isso há de interessar qualquer um, o que já é duvidoso, vai ser às pessoas que são explicitamente conscientes da necessidade de transformar a economia. As que são trabalhadores revolucionários. Eu não duvido que muitos outros artigos no seu site tenha um público que inclui trabalhadores que não compartilham essas ideias. Mas um garoto trabalhando em um McDonald’s quase certamente está pouco se fodendo pra que grupos anarcossindicalistas nós nos relacionamos ou como alguns malucos dos direitos animais reagiram. Talvez um dia o Libcom vai se libertar do movimento anarquista e não mais vai precisar se definir nesse contexto. Parece um assunto mais interessante que o MWR! Posso te entrevistar alguma hora?
L: São bons apontamentos, suponho. Por público eu quis dizer trabalhadores que estão em geral grilados com o atual estado de coisas, e não necessariamente anarquistas convictos. Mas sobre quem isso poderia interessar, sim, suponho que você esteja certo. Você certamente é bem vindo a nos entrevistar, mas sinto que seria de interesse para menos pessoas ainda.
F: A revolução me parece um negócio muito complicado. Existem, no entanto, algumas coisas que são bem claras. As relações de poder que queremos transformar não residem em governos ou “na rua”, mas estão permeadas na sociedade em relações econômicas e sociais. O processo de transformar essas relações econômicas vai requerer estruturas da classe trabalhadora que sejam auto-organizadas e efetivas dentro da economia, que se provem capazes de defender os interesses das pessoas que trabalham, aumentar a sua confiança e eventualmente permitir à classe trabalhadora produzir e distribuir coletivamente. A ideia de que essas estruturas vão “surgir espontaneamente” é sem sentido.
Agora, eu aceito que essas estruturas só poderão prosperar em momentos específicos e serão defensivas em outros. E eu não sei que forma essas estruturas irão ou deveriam tomar. Talvez elas deveriam ser sindicatos formalmente constituídos (o que eu acho improvável) ou talvez informal como grupo de colegas de trabalho (um “grupo de trabalho” se você preferir) que desenvolveram solidariedade por meio de lutas anteriores. Mas elas precisam existir, certo? Então, para mim, a tarefa maior, incontornável e urgente de qualquer um que queira falar de revolução, tem que ser investigar como podemos construir essas estruturas. E a mim parece que essa questão, a questão que deveria estar nos mantendo acordados à noite, recebe menos atenção do que debates sobre como quebrar cercos policiais, ou o que era a URSS, ou quem esnobou quem em uma conferência anarcossindicalista em 1952. A mim parece que nós falaremos sobre qualquer coisa para evitar encarar esse monumento massivo à irrelevância da nossa política.
E eu não tenho ideia de como iremos construir essas estruturas, me sinto desesperançado a respeito. Eu passei os últimos dois anos trabalhando no setor de transportes e, quando saí, eu dificilmente queria falar com meus colegas de trabalho, quer dizer, manter uma barricada com eles. Eu realmente não sei. Mas se surgir um entusiasmo verdadeiro para descobrir coletivamente, eu gostaria de fazer parte disso.
Então o significado do MWR é apenas o mesmo de qualquer experimento que consegue facilitar a luta de classes na sociedade contemporânea, ainda que brevemente. Houve muitas deflagrações de lutas similares, e muitas bem mais relevantes, nos últimos anos. Alguns dos mais significativos que vêm à mente são a luta dos trabalhadores da alimentação da JJ, a greve selvagem dos trabalhadores postais, o sindicato dos mensageiros, o sindicato dos trabalhadores do sexo, o coletivo de colegas de trabalho no subterrâneo, etc. Todos eles (até mesmo o MWR) merecem consideração enquanto tentamos fazer da luta coletiva a norma dentro do conjunto dos trabalhadores. Eu suponho que é por isso que você gastou esse tempo todo fazendo essas perguntas, certo?
L: Você tem algum episódio ou memória favorito relacionado ao MWR?
F: Muitas coisas muito engraçadas aconteceram, me sinto bastante nostálgico sobre tudo aquilo hoje em dia. Mas eu suponho que eu lembro daquela reunião em Londres, a que eu aludi antes. Foi em 2002 e eu fui convidado a encontrar um grupo de trabalhadores e toda a teoria de mudança social pareceu se tornar um pouco mais real naquele momento. Que nós fossemos capazes, como trabalhadores de diferentes raças e nacionalidades, de se reunir daquele jeito e debater, muito criticamente, mas partindo da premissa de que como trabalhadores nós tínhamos que mudar as coisas, aquilo foi muito especial. E você meio que pensava, é, talvez nós possamos fazer isso. Isso soa bastante pretencioso, não é?
L: Sim, eu queria dizer algo engraçado.
F: Ah, você tinha que estar lá. Os Brinquedos McLanche Feliz eram muito engraçados; havia alguma resistência acontecendo na China, tenho certeza disso. Teve um que foi retirado por causa das reclamações. Ninguém lembra o que ele era pra ser. Quer dizer, era apenas uma ereção gigantesca. Era até rosado e tinha uns nervinhos. Tinha até a capinha e tudo. E os clientes ficavam trazendo essa coisa de volta e dizendo “Não vou dar isso pra minha garotinha, seus doentes!”. E também teve o “Macaco Bongo” e “Spunky o Cocker Spaniel”.. e também teve aquela vez que eles deram os Furbies. Uma mocinha em Glasgow, que tinha família de origem chinesa, ganhou um desses Furbies. Os Furbies supostamente falam “Furbiguês”, uma tagarelice sem sentido. Mas esse falava Mandarim e ficava dizendo: “bastardo, caia morto na rua. Bastardo, caia morto na rua.”
L: Meh. Suponho que isso vai ter que dar. Onde estão as pessoas que saíram do MWR agora?
F: Infelizmente o tempo passa, as pessoas se mudam e você começa a perder contato, mas até onde eu sei, ninguém está vivendo em Milão e transando com uma super-modelo ou qualquer coisa assim. Um cara que esteve um pouco envolvido no começo continuou no McDonald’s, teve uma carreira muito bem sucedida na estrutura gerencial da empresa e fico feliz em dizer que ainda somos amigos.
Até onde eu sei, ninguém que se envolveu em qualquer momento com o MWR, em nosso grupo ou qualquer outro, está envolvido hoje em dia com a política radical.
L: Finalmente, você come no McDonald’s?
F: Não! Caralho, não! Mas é uma questão pessoal mais que política. Depois de sete anos de McDonald’s o cheiro do lugar me faz ter ânsia de vômito. Nunca defendemos um boicote, exceto dos produtos da Coca Cola. E não tenho nenhum rancor em particular contra a empresa ou algo assim. Mas a comida é nojenta pra caralho, não é?
Eu sinto que deveria fechar com um ponto mais forte que esse…
Take the fight to The Man. Yeah, fight Baba!
L: Palavras inspiradores. Obrigado, Funnywump.
Traduzido por Grouxo Marxista para o Passa Palavra.
Versão original aqui: http://libcom.org/library/interview-with-mcdonalds-workers-resistance.
Entrevista muito boa. Tem uma parte que acho muito importante e deve ser levantada sobre vários outros contextos de luta. Trata-se da parte em que o entrevistado se refere ao fato de que a maioria das pessoas que fizeram parte deste movimento abandonaram qualquer militância e seguiram suas vidas. É o que ocorre com a maioria, com basicamente todas as lutas. Espero que algum dia surjam textos e reflexões sobre esse fato, que é desprezado.
A maioria das pessoas que conheci em lutas passadas seguiram suas vidas privadas. São entregadores de jornal, agentes penitenciários, maquinistas de trem, seguranças de manicômio, faxineiras, coletores de lixo, atendentes de loja, professores, policial militar,agente da Febem, enfim, um monte de gente que hoje passa como pertencentes ao conjunto de pessoas não politizadas e até de direita. Parece que com o tempo e as dificuldades, os sonhos de mudança vão secando, a vida vai cobrando delas responsabilidades e mais responsabilidades (pai que morre, namorada grávida, irmão viciado e sem rumo, mãe com câncer…) e acabam deixando aquilo tudo de lado, ficam na lei da sobrevivência. Entre velhos lutadores chega-se a um ponto em que nem se fala mais daqueles anos, daqueles meses, daquelas discussões. Ficam como segredos do passado, sonhos de juventude, que não devem vir à tona para não surgir novamente o questionamento: por que não nos juntamos e fazemos algo?
Definitivamente, as leis de produção de ativistas se assemelham em muito às leis de mercado como um todo. Vão mais longe os que possuem mais capital – erótico, cultural, social, econômico -, possuem menos estigmas (Goffman) e mais rede de proteção. Olho em volta e em menos de dez anos não vejo mais nenhuma daquelas pessoas, nenhum daqueles rostos. Os que estão ai desde então são professores universitários – que agora possuem uma plateia ampliada por conta do Facebook -, moças bancadas pelos sindicatos, gente que trabalha para organizações várias, caras bancados pelos partidos, gente sustentada pela igreja ou movimentos. Há, claro, uma parcela sustentada pela família e que consegue se manter independente e uns tantos que possuem algum trabalho, geralmente autônomo ou de tempo parcial, que permite prosseguir na militância. Os precários, no geral, um dia largam tudo e precisam “tomar conta da vida”. Nem suas memórias são feitas (condição para que haja reserva de mercado para os “intelectuais orgânicos”). Quem hoje vai saber daquelas semanas em que faxineiras acamparam no Rio de Janeiro em luta contra a empresa?
Dando uma passo além, há mesmo uma tendência interna ao aniquilamento e parcela grandiosa dos estabelecidos não divulga e até mesmo sabota a emergência de novos atores. Que toda uma geração de lutadores da educação tenha sido aniquilada enquanto o sindicato dos professores está há 30 anos com o mesmo grupo é exemplo disso. Subterraneamente, a luta por poder ou prestígio dá conta de ir tombando novas safras, o resto é cooptado. Há, ainda, aqueles que largam tudo após sequências de ameaças ou mesmo sequências de violências sofridas. Entre a tortura ou a morte e a vida pacata optam pela vida. Quem luta nas quebradas sabe bem disso.
No Brasil, é um processo virulento como esse, um aniquilamento atroz como esse que está por trás da simples referência ao fato de que “abandonaram as lutas, seguiram suas vidas”. Nos ônibus, nos trens e por toda parte há muito mais gente lutadora que foi silenciada do que se imagina comumente.
Por mera coincidência, ou talvez sinalização dos deuses, mal tinha feito esse comentário e, 3 horas depois, encontrei na rua, muito por acaso, um dos meus colegas lutadores dos tempos de colégio. Anarquista na época, frequentava o CCS e falava com muita força de Malatesta. Participou de muita coisa. Hoje e há tempos, vive como agente penitenciário. Já não tem mais a mesma áurea, o olhar todo é desconfiado, olhava incessantemente para todos os lados, enquanto conversávamos na rua (isso porque somos amigos). Olhar pesado, cheio de olheiras, parte já escurecida sob os olhos, talvez rocheados. Me falou do casamento recente e da dureza da vida. Sei que na casa dele ainda há os exemplares do Malatesta, mas nada disso faz o menor sentido hoje, diante da vida que se viu obrigado a assumir.
Outro, o mais inteligente e mais qualificado de todos, tornou-se um agente penitenciário de mérito, daqueles que são louvados e admirados pelos colegas. Chegou a ter que carregar num carrinho o corpo de um colega de trabalho morto, assassinado pelos presos (poucos possuem tal firmeza). Fico imaginando o quanto brilharia se tivesse tomado outro rumo. Entretanto, passou pela situação de ter o irmão menor que enlouqueceu por conta das drogas e o pai que faleceu de saúde e desgosto, tudo em pouco tempo. Havendo de assumir a vida, seguiu a carreira do pai, também agente penitenciário. Era tão bom que em 1998 ganhou cinco mil reais em um concurso sobre reestruturação urbana. Foi o maior cérebro daquela turma, um mestre para nós. Hoje assume plantões infinitos na penitenciária, jamais ouvirão falar dele.