É maravilhosa, muito “cool” para que me entenda. Chama-se “globalização neoliberal versão 6.6.6?”, mas preferimos chamá-la “a selvagem” ou “a besta”. Sim, um mote agressivo, de iniciativa, muito grrr. Sim, aprendi isso no curso de superação pessoal “Como vender um pesadelo”…, mas voltemos à máquina. Seu funcionamento é bem simples. É auto-suficiente (ou “sustentável”, como se diz). Produz sim, lucros exorbitantes… o que? Investir parte desses lucros em criar paliativos para a fome, o desemprego, a falta de educação? Mas essas são exatamente as carências que fazem andar esta preciosidade! Que tal, eh? Uma máquina que produz ao mesmo tempo o combustível de que precisa para andar: a miséria e o desemprego.

Claro, também produz mercadorias, mas não só. Veja você: suponhamos que se produz algo completamente inútil, de que ninguém precisa, sem mercado, enfim. Bom, esta maravilha não só produz o inútil, como também cria o mercado onde esta inutilidade se transforma em um artigo de primeira necessidade.

As crises? Claro, você só aperta este botão aqui… não, esse não, este é o de “ejetar”… o outro…sim. Você aperta este botão e tarán!, você tem aí a crise de que necessita, completa, com seus milhões de desempregados, seus tanques anti-motins, suas especulações financeiras, suas secas, suas fomes, seu desmatamento, suas guerras, suas religiões apocalípticas, seus salvadores supremos, seus presídios e cemitérios (para os que não seguem os salvadores supremos), seus paraísos fiscais, seus programas assistencialistas com tema musical e coreografia incluídos… claro, um pouco de caridade será sempre bem-visto.

Mas isso não é tudo. Agora, permita-me, deixe que coloque esse demo. Quando você a põe no modo “destruição/despovoamento-reconstrução/reordenamento” ela faz milagres. Veja esse exemplo: você vê aqueles bosques? Não, não se preocupe com esses indígenas… sim, são do povo Mapuche, mas poderiam ser yaquis, mayos, nahuas, purépechas, mayas, guaranis, aymarás, quéchuas. Bom, aperte o botão “play” e veja como desaparecem os bosques (também os indígenas, mas isso nunca é importante), agora veja como tudo se transforma em pântano, espere… aí vêm as máquinas, e voilá!: você tem o campo de golfe com o qual sempre sonhou, com sua repartição exclusiva e com todos os serviços, Maravilhoso, não é?

Vem também com um software que é o último do último. Você pode dar um clique aqui, onde diz “filtro”, e, em sua tv, rádio, jornais, revistas, facebook, tuiter, youtube, só aparecem salmos e louvores para você e os seus. Sim, elimina todo comentário, escrito, imagem, ruído, toda má vibração que vem do colar nesses proles anônimos, sujos, feios e maus… e grosseiros, sim.

Tem alavanca no piso (ainda que você possa passar ao piloto automático com apenas um clique); heliporto; uma passagem de avião não, porque não há onde fugir, mas sim um lugar no ônibus espacial mais próximo que esteja prestes a partir; também tem seu “mall” super-hiper-mega exclusivo; campo de golfe; bar, clube de iates; um diploma de Harvard já emoldurado; casa de veraneio; pista de gelo… sim, eu sei, o que faríamos sem a esquerda moderna e suas ocorrências? Ah, e com esta maravilha você poderá estar em “tempo real” e simultaneamente em qualquer lugar do planeta, é como se tivesse seu próprio e exclusivo caixeiro automático global.

Mmmh.. sim, inclui uma bula do papa para te garantir um lugar V.I.P. no céu. Sim, eu sei, mas já estamos trabalhando nisso de imortalidade. Enquanto isso, o podemos instalar como acessório (cobrado a parte, claro, mas tenho certeza de que não é um problema pra alguém como você); um quarto de pânico! Sim, dá pra ver logo que esses vândalos vão exigir o que lhes pertence com esse negócio de “a terra é de quem trabalha”, oh, mas não há com que se preocupar. Para isso temos governantes, partidos políticos, novas religiões, “reality show”. Mas, claro, é só um supositório, e se chegassem a falhar alguma vez? Obviamente, em questões de segurança, nenhum gasto é oneroso. Claro, deixe que anoto: “incluir Quarto de Pânico”.

Inclui também um estúdio de tv, um de rádio e uma mesa de redação. Não, não me interprete mal. Não são para ver tv, nem ouvir rádio, nem ler jornais e revistas, isto é para mal-nascidos. São para produzir a informação e o entretenimento daqueles que fazem andar a máquina. Não é genial?

O que? Oh… bom… sim… temo que esse pequeno problema não tenha sido resolvido por nossos especialistas. Sim, sim a matéria-prima, quero dizer, se a multidão plebéia se rebela não há nada a fazer. Sim, pode ser que o “quarto de pânico” também seja inútil nesta situação. Mas não há porque ser pessimista, pense que esse dia… ou noite… está muito longe. Sim, isso de otimismo “new age” também o aprendi no curso de superação pessoal. Eh? O que? Estou despedido?

(continuará…)

De qualquer canto, em qualquer dos mundos.
SupMarcos. (1)

(1) Este comunicado foi escrito em resposta à Cruzada Nacional contra a Fome apresentada pelo Presidente Enrique Peña Nieto e a maior parte do governo em Las Margaritas, Chiapas, no dia 22 de janeiro. Não se conhecem ainda os detalhes de sua implementação, somente que foram selecionados 400 municípios mexicanos (118 dos quais de Chiapas, com ênfase na zona zapatista) com base na presença de pessoas em situação de pobreza extrema e carência de acesso à alimentação.

Publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada, 23/01/2013.

Tradução de Emílio Gennari.

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