Na luta contra o fechamento de uma fábrica de alumínio da Novelis em Ouro Preto, talvez pela primeira vez se tenha visto uma reunião ordinária de um poder legislativo em frente a uma porta de empresa. Por Leo Vinicius

Dia 21 de fevereiro de 2013. Enquanto a blogueira Yoani Sachez recebia em São Paulo os holofotes da mídia para denunciar as agruras da vida em Cuba, em Ouro Preto, Minas Gerais, os trabalhadores que produzem alumínio, empregados da transnacional Novelis, recebiam mais uma aula de democracia sob o capitalismo.

Trata-se de um quase lugar-comum para comunistas, socialistas, anarquistas… Dentro dos portões da fábrica, do local de trabalho, onde cada trabalhador neste mundo costuma passar a maior parte do dia, o que impera é o poder nada democrático, ditatorial, dos gestores. A instituição pilar do mundo capitalista nunca foi e nunca será democrática, por princípio e por necessidade. Fato tão naturalizado quanto silenciado.

Pois bem, como dizia, os trabalhadores da Novelis de Ouro Preto, segundo relato dos mesmos, foram coagidos pela empresa a assinar abaixo-assinado a favor da mesma e a não participar da reunião ordinária da Câmara de Vereadores [Assembleia Municipal] da cidade, que ocorreu naquele dia em frente aos portões da fábrica. Foram também dispensados mais cedo para que não ficassem para a reunião, além de sofrerem terrorismo por seguranças contratados pela empresa que circulavam pela fábrica nas semanas anteriores, segundo relatos de sindicalistas.

Talvez pela primeira vez se tenha visto uma reunião ordinária de um poder legislativo em frente a uma porta de empresa. Como expressou o diretor da Federação Democrática dos Mineiros de Minas Gerais e membro do PSTU [Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, trotskista], a Câmara de Vereadores estava de parabéns por fazer esse enfrentamento com o poder econômico, algo raro de se ver em qualquer esfera do poder estatal.

Mas a que se deveu tão inédita reunião ordinária de uma Câmara de Vereadores realizada numa porta de fábrica?

Demissão de 160 trabalhadores e futuro fechamento do fábrica

A fábrica foi instalada em Ouro Preto há 60 anos, pela Alcan, transnacional canadense. Chegou a ter 4000 empregados, mas hoje conta com praticamente 10% desse número. Em 2005 a Alcan criou a empresa Novelis e vendeu-a ao grupo indiano Adytia Birla. Desde 2005 a fábrica de Ouro Preto não recebe investimentos, com a empresa concentrando-os na sua fábrica em Pindamonhangaba, São Paulo.

A mobilização dos trabalhadores é resultado do anúncio da demissão de 160 operários e do fechamento de uma das plantas [unidades] da fábrica de Ouro Preto. Entre os que estão na lista de demissão, encontram-se funcionários com quase três décadas de empresa, com problemas de saúde decorrentes do trabalho, conforme testemunhou um deles, já com duas cirurgias nas mãos devido aos movimentos repetitivos. A percepção é de que essas demissões iniciariam um processo de fechamento total da fábrica, que, além de tudo, é a única indústria em Ouro Preto e importante fonte de arrecadação do município de menos de 80 mil habitantes. Segundo aqueles que estão mobilizados contra as demissões, a Novelis busca fechar a fábrica em Ouro Preto para vender a energia produzida pelas nove hidrelétricas que ela possui em Minas Gerais, as quais fornecem 65% da energia necessária para a produção da fábrica (a produção de alumínio é altamente intensiva em consumo de energia elétrica).

Além de trabalhadores, de representantes sindicais, de um deputado estadual (PDT [Partido Democrático Trabalhista]) e de um deputado federal (PT [Partido dos Trabalhadores]), estavam presentes e tomaram a palavra durante a reunião da Câmara [Assembleia] municipal militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Expulsos de suas terras pela Novelis para a construção de hidrelétricas, já sofreram também a pressão e o terror impostos pela empresa, e fizeram questão de salientar que não estavam ali para “apoiar” a luta dos trabalhadores ameaçados de demissão, pois aquela seria também uma luta deles.

Do presidente da Câmara aos militantes do MAB, passando pelos representantes sindicais, pela quase totalidade dos vereadores e pelos deputados presentes, os discursos foram veementes e em uníssono contra a Novelis. Em linhas gerais, condenou-se a desumanidade da empresa colocando na rua 160 pais de família, sua falta de compromisso social e o fato de ter ganho concessões de hidrelétricas para gerar emprego e agora estar gerando desemprego. Ressalte-se que surgiu na fala de sindicalistas, mas também de vereadores, a proposta de estatização da fábrica: uma vez que a Novelis não tem interesse em geri-la, que a sociedade, o poder público, se encarregasse de tocá-la [assumi-la].

Como se consegue uma Câmara Vermelha?

No dia seguinte, relatando a colegas a reunião-ato, afirmava eu com certa convicção baseada nas posturas e discursos que ouvi, que a Câmara de Vereadores de Ouro Preto era “vermelha”, que a grande maioria dos vereadores era de esquerda. A postura de embate com a empresa, a começar pelo presidente da Câmara, elogiada até mesmo por um membro da extrema-esquerda (o dirigente sindical do PSTU), não devia deixar dúvidas.

Mas o fato é que eu não deveria ter mais o direito a tal ingenuidade política. Foi apenas acessando o site da Câmara, preparando-me para escrever este texto, que soube da filiação partidária de cada vereador: 1 do PT; 1 do PDT; 1 do PV; 1 do PTdoB; 1 do PMDB; 2 do PR; 4 do PPS; 1 do PP; 1 do PSD; 2 do PSDB (incluindo o presidente da Câmara). Muito pelo contrário, se formos levar em conta a sigla partidária, os vereadores de partidos considerados de esquerda eram minoritários – no máximo dois. Definitivamente, não era nada fácil distinguir a filiação partidária baseando-se na postura e no discurso de cada um. Vereadores do PT, PP, PSDB, PPS etc., apresentavam discursos de embate com a Novelis extremamente parecidos.

Sabemos que o mesmo fenômeno costuma ocorrer ao inverso e com mais frequência: políticos eleitos com filiação de esquerda acabam agindo como os de direita. Trata-se de uma lição que não é nova: muito mais do que a eleição de determinadas siglas, o que determina a tendência política de um poder executivo ou legislativo é uma situação concreta, formada por uma conjuntura e pelas relações de força construídas na sociedade. Pode dizer-se que há um interesse mais ou menos direto dos vereadores em evitar o fechamento da fábrica, uma vez que ela é fonte importante de arrecadação do município – estejam os vereadores pensando em fonte de recurso para a população ou para seus interesses particulares. Mas é provável que apenas isso não explique a atitude “vermelha” da quase totalidade dos vereadores. Provável para explicar o fato é estarem amarrados a uma causa com legitimidade inabalável, protagonizada por trabalhadores e organizações relativamente bem articuladas. Pode aventar-se que se trata apenas de “discursos” adaptados às circunstâncias para angariar simpatia (e votos futuros). Claro é que os políticos costumam adaptar seu discurso à plateia. Mas em si o discurso já é uma prática que tem algum efeito e o fato é que a mera realização daquela reunião em frente aos portões da Novelis já era uma prática para além do discurso, sendo uma das provas disso o desconforto que causou à empresa, acuando os funcionários para não participarem.

Perspectivas de uma “luta defensiva”

Quando nos deparamos com uma luta para manter empregos, é comum termos pelo menos dois sentimentos: o primeiro, de apreensão e compaixão pela vida dos trabalhadores e suas famílias na iminência da ausência das condições materiais de vida; o segundo, de uma certa fraqueza ou impotência por se tratar de uma luta a princípio “defensiva”, na qual simplesmente se tenta frear um avanço dos interesses capitalistas sobre as condições de vida dos trabalhadores. Mas encarar lutas como defensivas ou ofensivas geralmente pressupõe uma falsa distinção.

Uma luta para manter empregos, no processo de sua constituição, pode criar novos vínculos, mobilizar trabalhadores e grupos que anteriormente não possuíam laços e não vislumbravam interesses comuns. Pode implicar portanto não só um avanço da chamada consciência, mas também de organização, de experiência e de possibilidades de práticas e não apenas para aqueles mais engajados. Além disso, os instrumentos mobilizados podem apontar direções, caminhos, ajudando ao mesmo tempo a construí-los. Nesse sentido lutas “defensivas” são sempre também “ofensivas”, ao menos no campo simbólico, na constituição das significações e do imaginário social.

No caso da luta em curso em Ouro Preto, o próprio horizonte de desapropriação da fábrica – proposta difícil de ser alcançada, mas não impossível – já é um indício de como a separação entre lutas defensivas e ofensivas não ocorre na prática. Os recursos ou instrumentos simbólicos mobilizados para defender o emprego dos trabalhadores são os mesmos que fornecem os pressupostos para se avançar, limitando um pouco mais o campo de poder do capital.

Numa época em que podemos dizer que o sistema de produção capitalista já atingiu plenamente o estado de um sistema de produção pela produção, o que restou de referente fora dessa circularidade, como álibi ou produto de caráter social, é a própria produção de trabalho, ou melhor, de emprego. O trabalho é o produto da fábrica. Essa é sua justificativa social e é para isso que a fábrica deve existir e continuar existindo. A mobilização discursiva, a legitimidade dos interesses desses trabalhadores diante de um futuro de desemprego é feita em torno desse fundamento social da fábrica, reforçando essa justificativa de existência e, por consequência, afirmando o direito ao trabalho sobre os interesses dos capitalistas e, em última análise, sobre o direito de propriedade. Esse é um dos sentidos em que a luta em Ouro Preto pode ser vista como uma luta ofensiva.

A luta aponta a direção de outros movimentos e lutas no Brasil e afora. Como os sem-terra que buscam meios para produzir, os sem-teto que buscam satisfazer imediatamente sua necessidade de moradia e, diferentemente dos primórdios do movimento operário de 200 anos atrás em que a categoria econômica de produtivo era o lastro no qual se pretendia legitimar a cidadania, hoje os movimentos e as lutas tendem a apontar e construir o caminho dos direitos como cidadãos fundamentarem o direito de serem produtivos, o direito aos meios de produção ou mesmo à satisfação direta de suas necessidades cotidianas (transporte, habitação, saúde etc.). Uma mudança que vai do direito por produzir ao direito de produzir. Uma luta supostamente defensiva pode ajudar a avançar nesse caminho.

2 COMENTÁRIOS

  1. Estranho este posicionamento dos vereadores do município. Talvez tenham tomado esta postura em defesa da estatização da fábrica porque o fechamento da mesma prejudicaria enormemente a cidade e para fazer “uma média” com os trabalhadores. Mas, conhecendo os partidos e a conjuntura, tal proposta não passa de um blefe! É um blefe até porquê quais seriam os meios defendidos para a realização desta tarefa? Ocupação da fábrica pelos operários ou negociação de gabinete?

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