Dizem que os brasileiros não participam de atividades políticas. No entanto, muitas vezes pessoas que nunca participaram de atividades chegam nesses espaços e se sentem como “massa de manobra”. Por Eduardo Santos

Caros colegas, estudantes, professores e professoras, amigos e amigas da Faculdade de Letras,

Diante de alguns acontecimentos que envolvem as eleições para o Centro Acadêmico da Letras, especialmente os debates que aconteceram na última sexta-feira, dia 26 de abril, gostaria de deixar aqui algumas reflexões e fazer algumas críticas com o objetivo de pensarmos nossa concepção de Centro Acadêmico (CA), de Universidade, de democracia, de movimento estudantil e também refletirmos sobre o processo eleitoral.

Antes de tudo, aclaro que as observações que pretendo fazer não são críticas pessoais ou expressão de não reconhecimento do trabalho e empenho individual de todos que de alguma forma ajudaram na construção do processo eleitoral em si, da organização dos debates e da construção das chapas. Reconheço, inclusive, que independentemente das posições divergentes de cada um, todos que de alguma forma se envolveram tiveram que abrir mão de atividades acadêmicas, de momentos de ócio e etc. Pensava que tal observação seria desnecessária; no entanto, depois de fazer algumas críticas nos debates e ser combatido com o argumento de que eu não teria o direito de criticar porque não ajudei em nada, vi ser necessário pontuar isso. Não estou em nenhuma das chapas e reconheço aqui que realmente não fiz nada em relação à organização das eleições e que, enquanto discente que usufrui do ambiente acadêmico, enquanto estudante que goza de alguns direitos conquistados graças a muitos que inclusive perderam (alguns muitos) suas vidas para garantir nosso direito de ter um CA nos dias atuais, realmente deveria ter ajudado em algo, mas por motivos que não cabem explanar aqui não o fiz.

Como bem divulgado pela comissão eleitoral e pelas duas chapas que pleiteiam a gestão do CA, estavam marcados três debates entre as duas chapas para a última sexta-feira, um em cada um dos turnos. Como nas sextas-feiras tenho aulas nos períodos matutino e vespertino e considerando a importância das atividades, participei dos debates dos turnos matutino e noturno.

Em relação à mobilização para o debate, é bastante animador ver o apoio de muitos professores que liberaram seus alunos para irem ao debate e o apoio democrático da direção e coordenação da nossa Faculdade ao evento. Destaco inclusive que achei extremamente positiva a presença no debate no turno matutino do professor Francisco e que todos da comunidade acadêmica devem ser convidados às atividades discentes. Os CAs podem funcionar em parceria com a direção das Faculdades ou da Universidade, não devem necessariamente fazer oposição aos diretores, coordenadores ou reitoria; no entanto, não podem estar presos à instituição, à direção ou ao que quer que seja. A única entidade a qual o CA deve submeter-se é à assembleia dos estudantes.

Os cargos de direção, coordenação e etc. são cargos administrativos, cujos gestores estão submetidos a determinada organização hierárquica e suas possibilidades de apoio às demandas estudantis são limitadas e dependem muitas vezes de políticas de Estado e de governo. Inclusive, em algumas situações, mesmo que os gestores concordem pessoalmente com determinada posição tomada pelos estudantes, eles optam por não se manifestarem ou mesmo se posicionarem contra para garantir o cumprimento de suas obrigações enquanto gestores.

As pessoas constantemente fazem escolhas em que devem decidir entre o que defendem e o cargo que ocupam ou a posição em que estão. Eu mesmo, trabalhando em determinado lugar como “técnico em idiomas”, já recebi ordens da direção com as quais eu não concordava e repassei aos meus alunos, que se revoltaram contra mim. Apesar de eu concordar com eles, optei por não me manifestar porque naquele momento achei melhor manter meu emprego; claro que torcia para eles se rebelarem contra as ordens e eu ser “impedido” de cumpri-las.

Os estudantes sempre estiveram à frente nas lutas por melhorias na Universidade, justamente porque eles são uma classe mais “livre”, que não tem nada ou muito pouco a perder. E os CAs, enquanto entidades estudantiis, devem prezar por isso.

Digo tudo isso, porque ficou evidente nos discursos da comissão eleitoral e de alguns membros da chapa Egidio Turchi (talvez da outra chapa também, mas eu não vi) que o debate só estava acontecendo porque tinha o apoio da direção. Na minha sala de aula um dos membros da referida chapa disse: “… lembrando que temos o debate às 11hs no cinema, que é um evento que conta com o apoio da direção e coordenação da nossa Faculdade e que, portanto, todos podem ir.” É claro que o discurso da chapa é também reflexo de todo contexto discursivo dos estudantes de letras da Universidade Federal de Goiânia (UFG). Arriscaria-me a dizer que esse discurso, devido à ideologia predominante, dá mais voto.

O que quero pontuar aqui não é que devamos ser contra a direção; ao contrário, devemos sim buscar seu apoio. No entanto, se não o conseguimos a atividade deve acontecer do mesmo jeito, porque é um direito nosso! Os apoios que recebemos devem ser divulgados, mas, se não pensamos de forma imediatista, é preocupante condicionar o acontecimento da atividade ao apoio ou não da direção. Durante o debate problematizei essa situação e o/a responsável (não é necessário identificar pessoas, portanto, o gênero também não se torna importante) pela comissão eleitoral argumentou, dentre outras coisas, que sem o apoio não se conseguiria o espaço, por exemplo. Nisso pontuo 1) que não sou contra o apoio, como já disse, e 2) que isso não é verdade, os espaços na Universidade não são propriedade de ninguém, uma comissão eleitoral ou uma gestão do CA podem sim solicitar o uso de um espaço e a concessão por parte da coordenação não é um favor que está nos fazendo.

Parece-me importantíssimo refletir sobre isso neste momento, porque precisamos transgredir determinados costumes. O processo de formação histórica do Brasil forjou aqui uma cultura em que os que pertencem às classes dominadas ou os grupos ou indivíduos que estão em posições hierárquicas inferiores são levados a acreditar que o exercício dos seus direitos é nada mais que fruto da benevolência daqueles que estão “por cima”.

Pensando na formação de professores e que esse cargo é um cargo de autoridade, até que ponto não estamos nos formando para criar nas salas de aula uma figura que condiciona o exercício da sua autoridade e suas decisões às afinidades ou não afinidades que têm para com seus alunos? Será que seremos professores que decidem dependendo da postura com ou sem “jeitinho” do aluno? Queremos continuar reproduzindo isso?

Desculpem-me, mas conheço muitos profissionais (não estou referindo-me a nenhum professor da Faculdade de Letras) que fazem da sua sala de aula um ambiente regido por uma rede invisível de autoritarismo, mascarada, muitas vezes, por seu comportamento gentil e cordial. Tudo isso para alimentarem suas vaidades – talvez porque, na perda da nossa dignidade enquanto seres que sofreram a alienação do seu direito de decidir sobre sua vida, que odeiam política, aprendemos a satisfazer-nos alimentando esse sentimento. Essa dinâmica cria inconscientemente nos alunos uma ideologia que se manifesta em expressões como: “ah, você não entregou no prazo, mas conversa com ‘jeitinho’ que o professor aceita seu trabalho”; “sabe como é, com ‘jeitinho’ com aquele professor você resolve”; “ele não deixou fulano de tal fazer a prova de segunda chamada, mas o fulano só foi lá e pediu, tenho certeza que você falando com ‘jeitinho’ o professor vai deixar.” Isso é formar pessoas extremamente autoritárias e, por mais que pareça paradoxal, ao mesmo tempo, submissas. E talvez, o pior de tudo, pessoas sem a mínima capacidade de refletir sobre seu comportamento autoritário com alguns e submisso com outros, porque foram educadas na sutileza da concessão dos favores que na verdade, muitas vezes, não são favores, mas deveres.

Comentários periféricos à parte, o que me moveu a parar por alguns minutos para escrever essa carta foram alguns fatos no processo de condução dos debates.

No período da manhã o mediador ou a mediadora abriu o debate explicando a dinâmica que guiaria a discussão. Ele ou ela esclareceu que a decisão quanto à forma do debate foi tomada pelo ou pela responsável pela comissão eleitoral, uma atitude individual. Questionei isso, inclusive no debate da tarde, e o mediador ou a mediadora, cortando minha fala (eu falava sem microfone), ligou o microfone dele ou dela e disse que eu não tinha nenhum direito de criticar porque eu não ajudei na construção do processo. Ficou parecendo que havia uma “panelinha” responsável pelo processo.

Entendo que as atividades que desempenhamos estão sempre sujeitas às críticas (desde que respeitosas) e os cargos que ocupamos não podem ser tomados como propriedades particulares nossas.

Se queremos maior participação dos estudantes é necessário levar todos os problemas que existem aos estudantes. Uma decisão como a forma do debate não pode nunca ser tomada apenas por uma pessoa, até porque ela correrá grandes riscos de equivocar-se, independentemente de quem ela seja. Dizem que os brasileiros não participam de atividades políticas. No entanto, muitas vezes pessoas que nunca participaram de atividades como essa chegam nesses espaços e se sentem como “massa de manobra”, onde já está tudo pronto e acabado e independentemente da ação delas ali tudo já está decidido por “panelinhas”.

A mediadora ou o mediador DECIDIU que o debate deveria pautar-se na seguinte estrutura: três blocos de perguntas e respostas entre as chapas; os blocos eram respectivamente: propostas acadêmicas; propostas de infraestrutura; movimentos sociais e ao final abriria-se para as PERGUNTAS da plateia (não anotei nada, se me falha a memória me corrijam, mas me lembro que se não era isso, era algo bem próximo). Cada chapa fazia uma pergunta para outra chapa e a pergunta era respondida em seguida.

A forma encontra sua razão no conteúdo. Na hora de pensarmos a forma de um debate devemos pensar nos seus objetivos, na dinâmica que é necessária para aquele tipo de discussão, em quem está envolvido, no ambiente, etc. Como ficou explícito no turno matutino, aquela forma de debate não contemplava as necessidades de uma discussão para eleição de uma gestão de CA. As duas chapas falavam praticamente as mesmas coisas, a discussão era periférica, sobre cargos, administração da verba, tudo questões burocráticas. Isso justamente porque a estrutura do debate não permitia discussões mais profundas. Muitos presentes começaram a ir embora reclamando, dizendo que achavam que naquele espaço eles poderiam participar também. Isso é muito ruim, porque tira a vontade das pessoas de participarem.

Ao falar sobre a forma do debate a mediadora ou o mediador da manhã respondeu que na televisão quando há debates para eleições é assim que funciona. Pois então, esse é justamente um argumento para justificar que nas eleições de um CA a forma não deve ser a adotada pelo Jornal Nacional nos debates para presidente da república, porque um CA tem uma dinâmica que não corresponde à dinâmica das esferas burocráticas do Estado. O que mais escutei foi reclamarem que “estudante não participa”. Certo, concordo, mas aí criamos um espaço que quando ele vai, ele não pode participar?

No turno matutino, quando enfim abriu-se espaço para a participação da plateia, quase metade do público já havia ido embora. Foram 40 minutos de “diálogo” entre as duas chapas, em que uma afirmava seu “respeito” pela outra e escondia divergências.

Repetimos, em um ambiente que deveríamos aproveitar justamente para questionar esses costumes, a ideia de que discordar é “brigar”, é “desrespeitar”. O debate do matutino foi aberto pela comissão eleitoral e pelas chapas no tom de que “nós estamos aqui para EXPÔR as propostas de cada uma das chapas, não é para brigar”. Discordar não é brigar. O ponto de vista das pessoas ou dos grupos são pontos de vistas, podem ser questionados, condenados, descartados, julgados; já as pessoas que criam esses pontos de vista não, elas devem ser respeitadas enquanto seres humanos. Toda e qualquer ideia pode e deve ser discutida.

Qual seria a função de uma gestão puramente ‘administrativa’?

No tom de “não vamos brigar”, no matutino, as chapas fugiram do debate e escolheram falar apenas sobre onde buscar recursos, detalhes sobre a ocupação dos cargos, se a sala do CA ficaria trancada ou destrancada. Como se gerir um Centro Acadêmico fosse gerir uma empresa multinacional em que os detalhes administrativos são o centro do debate. Olhemos a realidade, a participação estudantil nas atividades do CA são baixas, não vai mudar do dia para a noite, não precisamos de uma super-máquina burocrática porque as demandas administrativas são pequenas. E o burocrático deve estar em função dos planos da gestão e não os planos da gestão estarem em função do burocrático.

No primeiro momento em que a chapa Edigio Turchi expôs uma contradição com a chapa Renov(Ação), a pessoa que falava pela chapa foi interrompida pela mediadora ou pelo mediador, que pediu respeito entre as chapas. Tudo isso porque um dos integrantes da chapa pediu a outra chapa que esclarecesse um boato sobre “bolsa xerox” e que se fosse verdade seria compra de votos. O que há de desrespeitoso nessa pergunta? Nada. Só que nos acostumamos a esconder nossas feridas. Não é? O Brasil sempre foi um país alegre e festivo; não estraguem nossas festas falando de miséria e opressão. É o país do carnaval, das pessoas livres e sem roupas; esqueçamos que aqui há falsos moralismos. Racismo no Brasil, onde? Se você está falando isso, você está querendo brigar.

Depois dos 40 minutos de elogios entre as chapas, no matutino, abriu-se para PERGUNTAS. Muito mais interessante é abrir para intervenções, em que todos possam opinar, sugerir, problematizar, fazer perguntas indiretas. Apesar de o modelo ter sido o de PERGUNTAS, quase todos que falaram fizeram mais que perguntas.

Ao final, propus que, no debate da tarde, alguém intervisse falando da experiência da manhã e propondo uma nova forma: que se abrisse no início para uma exposição de 5 minutos para cada chapa e que depois a palavra estivesse com a plateia para falas de 2 minutos e a cada três falas de 2 minutos da plateia que cada uma das chapas tivesse 3 minutos para comentá-las e que não houvesse um tema limitado, que o tema fosse livre. Ninguém comentou nada, apenas a mediadora ou o mediador disse que a ou o responsável pela comissão eleitoral NÃO IRIA DEIXAR. Ou seja, já nos habituamos ao patrimonialismo e repetimos essa prática em uma mera função de responsável por uma mera comissão eleitoral para a eleição de um mero CA, imaginem se fosse alguma coisa que envolvesse mais ganho de poder e reconhecimento? Se envolvesse dinheiro então, hein?! Não é à toa que a pistolagem é algo tão natural no interior deste país.

Pois bem, no debate da tarde, a ou o responsável pela comissão eleitoral apresentou a estrutura do debate e eu pedi uma intervenção por questão de ordem. Apresentei a proposta acima, justificando a experiência do matutino. Apesar de alguns integrantes de ambas as chapas terem vivenciado a experiência do matutino e terem dito nos corredores para mim que concordavam com a mudança na estrutura, nenhum deles se manifestou no momento. Será que tinham medo de BRIGAR com a comissão eleitoral?!

Depois de propor, a ou o responsável pela comissão disse em tom enfático “não vai ter nenhuma modificação, já está decidido e pronto”, apesar de ela ou ele estar com o microfone dizendo “vamos dar prosseguimento, então a chapa….”, eu me levantei e pedi que ela ou ele colocasse a proposta para os presentes votarem, ao que ela ou ele respondeu: “NÃO, as coisas não são do jeito que a gente quer e estamos perdendo tempo com essa sua fala”. Só faltou ela ou ele completar: “… as coisas são do jeito que EU quero, porque eu ESTOU na comissão eleitoral, portanto, eu SOU a comissão eleitoral, esse cargo é de minha propriedade”.

Isso é bastante sintomático. Mais ao final do debate, tive oportunidade de falar e comentei que isso era expressão de patrimonialismo e autoritarismo e que não deveríamos repetir essas práticas. Mas a coisa foi levada na piadinha, na brincadeira, pela ou pelo responsável pela comissão.

Acredito que uma das funções do CA seja justamente aglutinar os estudantes para refletirem sua prática social enquanto futuros professores, estudantes, pesquisadores e etc. – temas que muitas vezes não têm espaço nas discussões mais acadêmicas e na correria do cumprimento do calendário universitário. As mudanças das nossas práticas no ambiente universitário refletem diretamente em vários âmbitos da sociedade. Os espaços que existem em torno de um CA devem justamente se opor a essas práticas próprias dos corruptos que tanto criticamos.

Mas o pior ainda estava por vir: uma combinação de oportunismo, politicagem e favorecimento (não estou acusando a comissão de favorecer a nenhuma das chapas). Uma ou um estudante, membro da gestão anterior, que chegou alguns minutos depois de eu ter feito a proposta de mudança na estrutura, percebeu que a forma que o debate assumiu não favorecia uma discussão. Ela ou ele foi até o palco e cochichou aos ouvidos do ou da responsável pela comissão.

Em seguida, a ou o responsável pela comissão interrompeu o andamento do debate e disse:

A pessoa tal propôs uma mudança no debate que consiste em a cada bloco abrirmos para fala das pessoas da plateia. Quero colocar a proposta em votação.

No momento pensei que a primeira impressão que as pessoas teriam se me levantasse e questionasse por que minha proposta não pôde ser votada e a da outra ou do outro estudante sim era de que eu estava em uma disputa pessoal. Mas de imediato vi que a situação era surreal, acho difícil ver uma situação igual até mesmo no podre Congresso Nacional – porque lá eles disfarçam melhor.

Levantei-me e questionei isso, a ou o responsável pela comissão se debruçou sobre a mesa em uma expressão de fatiga e riu e disse: “Tudo bem, tudo bem, vamos votar as duas propostas….” (?!) Na hora pensei, “será que isso não está mais para um circo, um teatro montado? Será que devo ficar aqui?” Na dúvida não me retirei. As duas propostas foram votas, mas no meio do debate a minha já não fazia sentido. Venceu a proposta da ou do membro da chapa antiga, que era bastante parecida com a minha, só que mantinha os blocos temáticos.

Gerindo conflitos?

Articulações politiqueiras, que são práticas de políticos profissionais – tudo em que não deveríamos nos espelhar – parece que viraram costume dos estudantes mais descolados no movimento estudantil na UFG. Durante a greve estudantil, por exemplo, muitas vezes em algumas assembleias um grupo de 10 decidia e ponto final, ficavam lá articulando de costas para o público. Tratar as massas estudantis como massas de manobra e criar uma panelinha de militantes experientes e ao seu redor um grupo de apoio muitas vezes baseado em amizades, onde a panelinha decide tudo, orienta quem eles colocam em determinado posto e, se alguma coisa sai errada na hora, destaca-se alguém para ir lá corrigir, tem parecido ser a coisa mais natural. No caso do debate, ficou evidente que a ou o responsável pela comissão submetia-se à gestão antiga ou talvez somente a uma ou um membro daquela gestão (não sei por quais motivos, talvez por nenhum motivo em especial, apenas por amizade e/ou vaidade) e era autoritária ou autoritário com o resto, uma clara reprodução das relações de poder presentes em todas as esferas corruptas deste país. Uma vergonha para estudantes que deveriam formar-se para tentar quebrar esse círculo vicioso.

Essas tradições podem ser rompidas, transgredidas, se agirmos de forma crítica, autocrítica, reflexiva e formos vigilantes em relação às vaidades (o que não significa perder a dignidade e o orgulho próprio).

Todo esse quadro me parece coerente com algumas atitudes de ambas as chapas. Naturalizou-se tanto a concepção de que o CA deva existir e funcionar em torno do burocrático, o autoritarismo ficou tão natural, a discussão rasa parece ser tão mais fácil e atraente que no debate da tarde, por exemplo, a chapa Renova(Ação) focou muito na recepção dos calouros, em detalhes das atividades integrativas e no dilema do calouro em situar-se na Universidade, desconsiderando, como dito por um estudante no debate, a autonomia dos estudantes. Muito mais interessante, importante e difícil é discutir o que levar aos calouros quando cheguem, quais debates organizar, por que organizar um debate com um tema X e não com um tema Y, como posicionar-se em relação à atual política de assistência estudantil, como posicionar-se em relação às reformas curriculares do curso, quando e por que discutir, por exemplo, a segurança no campus, discutir políticas para estreitar nosso relacionamento com estudantes de outros cursos e etc.

A chapa Edigio Turchi pareceu que quis assumir a função da coordenação da Faculdade. Como frequento duas licenciaturas, os vi passar em sala várias vezes, todas as vezes que passaram falaram que queriam organizar eventos, ajudar os alunos nas publicações, etc. Não falaram uma palavra sobre assuntos que se o CA não assumir não há outra entidade para assumir. Inclusive na minha turma de espanhol, a professora indagou: “espera, mas isso aqui a Faculdade já faz.” E eles responderam: “Não, o que propomos são publicações não acadêmicas.” E a professora comentou: “Mas lendo o material de vocês parece que vocês estão falando de organizar publicações e atividades que já são feitas pela nossa Faculdade”.

Apesar da resposta que deram na sala de aula, foi o discurso de cunho “academicista” que prevaleceu. Inclusive no debate matutino, um dos representantes dessa chapa focou todo seu discurso na produção acadêmica. Gente, de verdade, eu acho que nossa coordenação é bastante competente, que os estudantes são espertos o suficiente para buscar caminhos para produzirem na Faculdade. Vou ser sincero e claro, ficou parecendo que é bonito querer ser uma cópia do “grande”.

Coerente com todo esse discurso é o próprio nome da chapa: Edigio Turchi. Acho que não poderia ter um nome que melhor sistematizasse a concepção ideológica deles. Edigio Turchi foi um grande professor, um grande administrador, figura importante no desenvolvimento acadêmico deste estado. Já recebeu várias homenagens, inclusive o nome do auditório da nossa Faculdade é em sua homenagem. No entanto, o que sua biografia tem a ver com um Centro Acadêmico?

Edigio Turchi era uma figura que mantinha relações amistosas com os políticos goianos do regime militar, recebeu título de cidadão goiano em pleno 1969! Como já disse antes, as pessoas estão constantemente fazendo escolhas e não sou partidário de condenar ninguém pelas escolhas que fazem em seu tempo. Certamente ele quis posicionar-se como neutro na política, era um administrador neutro, mas sabemos muito bem o que significa a neutralidade. À época vários colegas seus perdiam cargos por não quererem participar de várias atrocidades, os estudantes eram PROIBIDOS DE TER UM CENTRO ACADÊMICO, ele optou por ficar tranquilo, uma legítima escolha dele. Nesse mesmo sentido, a chapa Edigio Turchi também fez uma escolha importante ao escolher tal nome.

O Centro Acadêmico é uma entidade de classe dos estudantes, uma entidade que deve organizar-se para garantir os direitos dos estudantes de determinada faculdade, para fazer atividades para além da academia. Uma chapa que queira deformar essas características está simplesmente jogando no lixo anos de lutas estudantis.

Ao questionar o nome da chapa, alguém me respondeu: “Mas se não fosse ele, nós não teríamos essa Faculdade aqui”. É, de novo o sentimento de que devemos um favor, faz-me lembrar da música Deus lhe pague do Chico Buarque (“por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir… Deus lhe pague”). A fundação de faculdades e universidades é uma necessidade da sociedade, é uma necessidade sobretudo das classes dominantes. Se não fosse Edigio Turchi fundar naquela época, eles conseguiriam outro, ainda que demorasse um pouco mais. Claro que ele fez com muita competência, mas outros espaços para esse reconhecimento são mais apropriados, como o nome do nosso mini-auditório, títulos de cidadão e etc.

De todas as formas, o que queria principalmente era provocar um pouco de reflexão. Não poderia deixar os episódios narrados passarem em branco.

Abraços a todas e todos!

Será o fim?

Nota sobre o autor

Eduardo Santos é acadêmico de Letras, 7º período.

Os leitores encontrarão aqui um glossário de gíria e de expressões idiomáticas, tanto de Portugal quanto do Brasil.

6 COMENTÁRIOS

  1. Cara muito bem escrito suas reflexões, as levarei ao movimento estudantil da UFU. A partir da minha vivencia no movimento daqui, desde 2007 até então, acredito que o que vc vivencia é comum entre as formas de organização, mas não natural. São, como apresentou, os políticos profissionais, os amiguinhos ou a menin@ gostos@ que queremos transar.

    Pq os estudantes que radicalizam são tratados como “não fez a leitura correta”, “só quer bagunçar”, “só quer ficar horrorizando e criticando todo mundo”, “não produz nada”, “onde vc estava qdo decidimos?”, mas são estes estudantes profissionais, seus amiguinhos, que tão tornando essa apatia ao movimento como algo natural nas universidades. O que vc narra, referindo-se ao que vivenciou na greve, foi o mesmo que aconteceu aqui na UFU, sob as decisões de pouquissimos do grupo Juntos! e Vamos a Luta!, ambos partidários. Votamos o indicativo de greve em um momento de informes, onde levantavamos o que estava ocorrendo pelo Brasil e na própria UFU.

    Realmente, precisamos fazer estas reflexões. O CA é um braço do Instituto ? Da faculdade? Ou o espaço de organização da luta estudantil. Pq, como militante, vivenciamos as pessoas assumirem os discursos acadêmicos e burocráticos ? Se nas disciplinas de licenciatura, questionamos o modelo da universidade. E qdo nos organizamos decidimos reproduzir o mesmo modelo ?

    Agradeço pela reflexão.
    Gabriel, Estudante de História UFU.

  2. Que bom que o texto serviu para reflexão. E como bem disse, Vamos à luta!

  3. Li o “Vamos a luta!” (nome do grupo) acima e por falta de atenção achei que ele se repetia em baixo, não como nome do grupo, mas como palavra de ordem…. Só depois vi que tinha me equivocado. Mas de todas as formas se não disse “Vamos à luta!” acredito que diria…. rsrsrsrs

  4. Eduardo,

    Ao ler o teu texto me ative a refletir sobre as nossas ações na universidade. Faço parte da Gestão Ouse Falar, a última gestão do DCE-UFG. Construímos muitas propostas, atos em defesa das cotas, agora na câmara municipal contra o plano diretor implementado pela prefeitura. Mas o trabalho de base, sempre foi o fôlego do movimento estudantil e queríamos ter feito mais. Me preocupa bastante a falta de debates profundas a cerca das posições e idéias expressadas por um determinado grupo. Questionar é forçar a construção de um mundo melhor. Os espaços do movimento estudantil não podem se prender a estruturas burocráticas, não podem reproduzir a lógica dominante, onde as vozes das minorias são silenciadas. O movimento estudantil organizado em entidades como C.A (Centro Acadêmicos) DCEs(Diretório Central dos Estudantes), Executivas, UNE (União Nacional dos Estudantes), ANEL (Assembléia Nacional de Estudantes Livres) tem como grande missão permitir as mais diversas vivências, num espaço de disputa e construção de ideias como a universidade, criar e recriar diariamente a nossa ação como sujeitos críticos e ativos, para nortear o caminho e se sentir parte de uma grande movimentação na superação das desigualdades. É um espaço de construção da esperança de dias melhores. É nosso papel apontar as contradições de uma sociedade marcada pela desigualdade e intolerância, conjuntamente criar as condições para sua superação. Deste modo, nós do DCE também temos nosso parcela de culpa. Claro entendemos que o momento é duro, os anos de neoliberalismo conduziu nossa geração a uma apatia terrível aos dilemas do país ou mesmo das decisões sobre o futuro do próprio bairro, queríamos conseguir abarcar todos os cursos, mas o nosso grande desafio na verdade é primeiro; possibilitar ao estudante se compreender que o DCE e os CAs pertencem a ele, e somente coletivamente poderemos superar tais desafios. Nos colocamos a disposição para juntos construirmos um debate profundo sobre o papel do movimento estudantil na universidade, bem como acatar sugestões. E deixamos nossa posição bem definida; é nosso direito como estudante ocupar, debater, apontar os rumos, dos espaços públicos desta universidade. É nosso papel apontar as contradições em nenhum momento precisaremos de pedir licença para existir. Forte abraço!

    Flávio Batista
    Coordenador do Diretório Central dos Estudantes da UFG

  5. Não pude deixar de ver algumas repercussões nesse texto para além da declaração do Flávio, do DCE, aqui no Passa Palavra, só que no facebook. No interesse de que a discussão seja o mais pública possível, segue a reprodução dos textos, para quem tiver paciência de os ler:

    Hugo:

    “Quando questiono a cultura partidária é exatamente no sentido de todos os elementos trazidos pelo Eduardo nesse texto. Atitudes em defesa da organização, do partido, do sindicato, do grupelho que são reacionárias se colocadas frente à frente com a intenção revolucionária. Porque passamos a agir em um Centro Acadêmico como os partidos agem no estado, como os professores agem na administração escolar (básica e superior) etc. Autoritarismo para não perder cargos, ideologização (no sentido de falsa consciência do Marx, ou seja, mentiras e dissimulações) para manipular o coletivo. Admiro a experiência democratizante do C.A. da Psi e me entristeço que isso esteja impregnado, como parece pelo relato, no C.A. de Letras. E continuo pensando que a experiência da greve avançou em relação à isso.”

    Arthur:

    “Hugo, então, várias coisas pra debater sobre esse acontecimento. Eu participei do debate eleitoral da Letras pela manhã. Acho que o cara inclusive esqueceu algumas intervenções que eu e mais gente (inclusive de outros cursos) fizeram. No geral eu concordo, o debate de chapa focou num tom burocrático e eu pontuei isso lá. E isso revela o nível de politização e de consciência sobre o que acontece na universidade. É um processo contraditório, que ao mesmo tempo tem elementos avançados como estudantes discutindo e tendo disputa política e elementos inertes como o grau de politização. Temos que ter nada mais que paciência. Eu já achei muito bom lá ter tido movimentação e disposição pra mobilizar e disputar uma entidade de representação política. Isso hoje em dia não é qualquer coisa.
    Mas eu gostaria de saber da sua avaliação sobre o que o autor do texto coloca sobre a greve. Eu, você e outros participamos da greve – e debatemos muito o caráter da greve, se o comando local de greve dos estudantes era representativo. O comando era uma panelinha (segundo o autor)? Temos que fazer essa reflexão.
    Acho, em síntese, o que o cara traz no texto não em essência uma cultura partidária – se fosse isso, o que diríamos do CAPsi -, mas sim o fenômeno (ainda) atípico do movimento estudantil em Goiás, como a falta de movimentação e politização a nível geral dos estudantes. Eu faço uma aposta que isso está mudando, mesmo que num movimento embrionário, mas está mudando. E tem mais uma coisa, Hugo. Lembro de você dizer que, depois da sua experiência na greve, você ia ler mais Lenin. Você está cumprindo o prometido? rs
    Um abraço camarada, vamos debatendo

    Hugo:

    “Bem, quanto à greve, eu discordo dele e, me lembrando de que é, me lembro que o Eduardo não esteve em muitas ocasiões. Lembro dele vendendo jornal em duas oportunidades. Com todos os limites de todas as pessoas envolvidas, acho que foi um grande avanço na organização do ME. O texto das nossas bandeiras e pautas praticamente pautou o texto nacional ou então, oque é melhro ainda, foi tão comum que ficou praticamente igual. Só de termos feito algo assim já é um grande avanço. Não foi um sindicato ou o DCE quem mancumunou algo para outros aprovarem, nos debatemos para construir do início, com escuta de todas as demandas. Muitos de nós erramos pela falta de paciência com quem estava chegando tratando pessoas como se elas devessem saber de berço o que é o ME e como se faz no ME. Outras ficaram o tempo todo tentando demonstrar que um Comando Local de Greve não dirigista não daria certo. E tentavam boicotar toda e qualquer atividade. Outros agiam como se apenas a própria opinião ou pensamento valesse a pena e não tinham a coragem e a capacidade de descerem da iluminação teórica sobre a revolução para lidar com a inexperiência, o não saber, o estar a caminho. Tipo assim, eu só vou fazer algo com quem pensa igual a mim e do jeito que eu penso que vai dar certo. O que é extremamente autoritário e por isso se aproxima de atitudes questionadas pelo Eduardo. Então, autoritarismo, burocratismo etc. não ocorre só de uma forma e nem de forma pura. E haviam quem rompesse qualquer construção com quem tivesse uma atitude autoritária, mesmo que essa atitude fosse vencida pelo grupo e a pessoa admitisse a derrota e continuasse em frente. Os tais dos modelos falaram alto mas acabamos aprendendo que é possível criar novidades novas.”

    Grouxo:

    “Ele não avalia a greve em geral, na minha opinião, avalia apenas as primeiras assembleias que tiveram de fato uma participação massiva. E em ambas as assembleias, achei o diagnóstico dele bastante exato. Realmente aconteceu de ficar uma patota de dez-doze pessoas de costas para os outros 300, 400 estudantes envolvidos( e isso incluía pessoas do que veio a ser o comando de greve e ainda não era e da atual gestão do DCE) arranjando entre si como que seria decidido o que foi. Não foi à toa que a nossa greve, apesar da participação massiva das primeiras assembleias, foi profundamente esvaziada. A maioria absoluta dos estudantes participou dessas duas assembleias e de mais nada. Se pá foram justamente os momentos que você viu o Eduardo, Hugo.”

    Hugo:

    “Agora, não acho que devemos ter nada mais que paciência. A paciência forma para a continuidade e para a espera de um ente exterior que resolverá tudo, seja uma divindade ou um “quadro político”. Penso que é necessário cuidado principalmente com quem está chegando, mas enfrentar sempre as tentativas de burocratização.

    Sim Grouxo Marxista, foi exatamente nesses momentos. Isso realmente aconteceu, houve momento em que o DCE perdeu o controle da assembleia nas duas primeiras, a que deflagrou a greve e a que compôs o CLGE. Entendo que, para quem estava indo pela primeira vez, essa situação é desmotivadora, mas conheço parte das pessoas que foram nessas assembleias e ouvi delas mesmas que estavam lá para saber se ia ou não ter greve mesmo. Muitas eu chamei por mais de uma vez e simplesmente diziam que não queriam, que iam viajar, que tinham outras coisas para fazer. Não todas é claro. Estou dizendo isso pois também percebi uma romantização do ME como alternativa ao burocratismo. Eu concordo plenamente que a gestão PT-PCdoB, que tomou no golpe o DCE dos grupos independentes, tentou manter no cabresto o tempo todo. Não só esses dois partidos, havia militantes de outros partidos ou organizações que tentaram. Agora, é isso o que existe e é isso o que temos de enfrentar no ME. E vi muita gente fugindo da luta ou achando que enfrentar essas situações era ficar calado pra não criar tensão ou sair fora. Ambas posturas pra mim são de sair fora pois ambas resultam no mesmo: deixa eles mostrarem o autoritarismo pra gente poder dizer como eles estão equivocados e irmos embora com justificativa. Nesse momento em que um grupo foi lá para a frente tentar combinar tudo, eu inclusive fiz isso, houve também quem questionou e propôs a abertura. É uma luta de classes, de modelos, de sexos, de territórios… tudo junto e misturado. A luta é enfrentamento mesmo. O ME é feito por quem topa fazer enfrentamento e não por quem fica chorando mágoas porque não ficou do jeito que queria. Então, ao invés de ficar só reclamando a atitude deveria ser de ir lá e dar um basta. Como teve quem fizesse. Não foi uma assembleia qualquer não, houve tensão da plenária o tempo todo, com o Leandro, comigo, com a Paula Andréia Falcão, com a Marcela Coimbra, com o Arthur Dunck Oliveira e por ai vai. O problema pra mim, não é errar, é se negar a aprender com o erro. E nessa assembleia, lembro que a plenária deixou isso muito claro, cada um que ia lá e insistia no erro, a plenária botava no lugar. Isso foi feito o tempo todo no CLGE. Mas muitos e muitas se negaram a participar por que queriam um partido soviético em que todo mundo tem de pensar igual, falar igual e fazer igual. Para ir para o acampamento como CLGE nos encontramos e debatemos se iríamos como comando ou cada um individualmente. Para fazer as manifestações, nos encontrávamos com divulgação nos meios que tínhamos: facebook, sim! Todo mundo sabia que era nessa ferramenta que estávamos divulgando, não somos proprietários dos meiso de produção pra divulgar na TV Anhanguera. Ter picareta no ME como em qualquer lugar em que se organize uma luta, isso vai ter sempre, acredito que mesmo depois da revolução, agora, interessa é o enfrentamento disso e também o reconhecimento dos avanços dos companheiros/as de luta. Vencer o estranhamento que a alienação produz em nós para com nossos companheiros de interesses revolucionários.”

    Eduardo:

    “Boa noite, pessoal! Estou sem muito tempo para entrar no debate agora. Mas gostaria de pontuar que a crítica que fiz em relação à greve, foi dirigida a momentos pontuais, como Grouxo disse, não foi em relação à greve como um todo. Eu não participei de todos os momentos da greve, mas nas três assembleias que fui aconteceu o que narrei aqui. Acredito que o que a greve deixou foi principalmente positivo. E realmente não podemos deixar que os problemas sejam usados como desculpa para desfazer o que foi construido.”

    Gabriel:

    “Hugo Leonnardo, são elementos que temos que conversar, agora eu lamento a genralização com a qual você trata essa questão uma vez que essa cultura se extende por grande parte de nossa cultura e sociedade e como você bem colocou no comentário que curti, às vezes falamos que fazemos algo absolutamente diferente de tudo, mas que em essência não mudamos, e ainda temos que discutir depois o que faze se chamar algo de partido (creio que isso não é simplesmente a participação ou não nas eleições como uma legenda), como materialista você sabe que não apenas o nome que damos paras coisas que fazem elas serem algo, tem muito antipartidário ai que temo seu partido. Nem sempre o que parece é e nem sempre o que falamos se materializam em nossas PRÁXIS… aparece mala!”

  6. Segue a minha resposta aos comentários do Hugo e dos demais, publicada no último sábado e até agora sem resposta.

    “Não concordo, Hugo, que haja uma romantização do ME como alternativa ao burocratismo. O que há é justamente uma crítica de como a prática burocrática está presente dentro do movimento estudantil. Essa prática pressupõe um alheamento das bases das decisões do movimento e, óbvio, pressupõe também que as bases permitam que as decisões de um movimento que lhe pertence lhe sejam tomadas.

    Mas eu acho que, principalmente, a luta que envolve a burocratização do movimento está na criação de condições que incentivam ou impedem a participação mais ampla possível nas decisões. Essas condições, concretamente, foram dadas pelos grupos que tinham experiência em organização de assembleias e tinham uma maior força númerica organizada: o DCE e alguns grupos de esquerda que viriam a ser o CLGE. As condições dadas foram as que favoreceram uma disputa de cúpula entre esses dois grupos, e eu devo dizer isso como alguém que fez parte de uma dessas ‘cúpulas’ mesmo insistindo na soberania da assembleia o tempo todo.

    Eu acho que a maioria dos estudantes percebeu isso e passou a boicotar os nossos espaços e manifestações. Isso aconteceu a partir do fim da segunda assembleia… na terceira passamos a ter participação de dez, vinte pessoas, quando antes tínhamos centenas. Ir viajar ou ignorar o chamado da assembleia não é ‘falta de consciência’ ou ‘fugir da luta’, na minha opinião é um boicote, é uma discordância bem clara. Quem concorda mata aula, não viaja, vai pro pau. Quem acha que não é possível diálogo, não faz nada disso. E se acha, tem suas razões. Não é uma questão de picaretagem vs autenticidade na luta, mas de condições concretas de luta e participação…. e na minha opinião, tem a ver com a tendência em todas as lutas da classe trabalhadora para a criação de gestores da luta que se responsabilizam pelo apassivamento dos demais e o seu fortalecimento como ‘representante das massas’.

    Quanto à sua avaliação do DCE, também discordo. A disputa pelo DCE não foi uma disputa grupo partidário versus grupos independentes. As últimas gestões do DCE, pelo menos nos últimos cinco anos, foram todas hegemonizadas por grupos partidários que aparelharam a estrutura, só que grupos partidários e oposição ao governo: PSOL, PCB e PSTU e uns independentes inocentes úteis. Se hoje há uma enorme distanciamento dos estudantes em relação a essa entidade e a maioria das entidades estudantis, esses grupos tem muito pelo que responder. Se hoje há uma despolitização imensa do movimento estudantil, não é apenas por um determinismo geral de um ‘refluxo das lutas’, mas por conta do contexto de luta dos últimos anos concretamente aqui na UFG. Eu acho que os partidos tem um peso imenso nisso e tem uma influência bastante grande nos independentes que atuam de forma análoga. Episódios como esse do debate eleitoral, como as práticas cupulistas da última greve, pra mim contribuem demais pra despolitização dos estudantes. E não temos que ter paciência pra lidar com isso. Temos que quebrar essas tradições, criticar ferrenhamente quem as pratica mesmo sem perceber e principalmente as organizações que promovem isso, temos que ir pro enfrentamento interno e isso vai possibilitar que a gente consiga enfrentar as direções de faculdade, de universidade, os governos. Se houver interesse nisso, claro.

    Também não tenho como concordar que o saldo da greve foi positivo. Na minha opinião foi bastante negativo, foi uma derrota pesada para os estudantes da UFG do ponto de vista político e do ponto de vista organizativo. Um momento de euforia que não deu em nada pra mim é pior que a continuidade da mesma passividade. As reuniões do CLGE, totalmente travadas pelas articulações anteriores dos grupos envolvidos… Pessoalmente, fiquei muito mais desmotivado para atuar politicamente dentro da UFG; eu e meus colegas da FACOMB continuamos praticamente isolados sofrendo ainda mais perseguições depois da greve e da ocupa e só conseguimos mudar a nossa situação depois de uma ameaça de morte e a entrada de uns calouros mais abertos pras coisas. Se teve um efeito positivo, pra mim, foi ganhar a coragem pra romper com um monte de coisa que eu nem conhecia direito.

    Agora que eu tô pensando, a nossa situação só melhorou quando conseguimos achar um jeito de abrir, fazer as pessoas também participarem mais das coisas e decidirem o que era melhor… e isso implica em quebrar o poder de ser o único que está por dentro, o único que sabe organizar assembleia, os únicos que entendem o que tá rolando. Implica ter o trabalho de repassar todas as informações, explicar o seu ponto de vista como o SEU e não o “nosso”, um “nosso” que ainda não foi construído… implica também em uma transformação mais profunda e mais demorada.Vencer o estranhamento é isso. É ter condições de tomar conta do que lhe diz respeito e enfrentar quem te expropria do controle da tua via, das tuas ações políticas. E isso não é só coragem, não é só voluntarismo. É também interesse… interesse de classe, interesse na autonomia, na revolução, interesse em algo além do que construir o seu próprio grupo, implica em alguns riscos…. E pra mim isso faltou durante a greve. E falta na prática autoritária que marca a maior parte do movimento estudantil na UFG hoje…

    Queria também notar que, no mais mais, pelo menos um integrante do DCE se manifestou publicamente no artigo do Passa Palavra. Gostaria de saber a opinião dos companheiros a respeito da manifestação do Flávio publicamente, no espaço do site. Fica o convite.”

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