Por Quatro coroas
5.
Enquanto vocês viveram, além da ascensão, o auge da juventude dos partidos de esquerda – PT e Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – no movimento estudantil (1998-2003), eu vivi apenas a queda. E nessa queda veio abaixo também o movimento estudantil – ou o que restava dele. Diante de um movimento estudantil vazio, mas ainda cheio de contradições, alguns optaram por voltar para casa ou por filiar-se a um novo partido, enquanto outros buscaram o velho-novo caminho dos movimentos sociais – àquela época ainda não decodificados (por mim) como “lutas autônomas”.
Em 2003, quando entrei na universidade, o movimento estudantil estava em êxtase. Os principais partidos de esquerda estavam no poder e as suas juventudes, ávidas pela parcela de poder que lhes parecia justa, faziam do movimento estudantil um ensaio geral para as disputas de “gente grande” que as esperavam no mundo dos adultos. Ainda não havia contradições. Dizia-se que era o momento da juventude de esquerda se organizar nos partidos e a partir deles disputar o bairro, o local de trabalho e a universidade; “disputar a hegemonia para garantir a vitória da classe trabalhadora” era o mote geral. Assim, os congressos, encontros de curso e eleições em centros acadêmicos e DCEs eram disputadíssimos e envolviam meses de articulação prévia, planejamento logístico, captação de recursos e conchavos entre partidos em reuniões “para além dos muros da universidade”. Inclusive, em meio a toda aquela agitação de 2003, o primeiro jargão político que aprendi e decerto o mais repetido no movimento estudantil da Universidade Católica de Salvador (UCSal) ainda naquele ano foi: o movimento estudantil deve ir para além dos muros da universidade. Um indício da sanha por hegemonia que pautava a esquerda não apenas no movimento estudantil, mas também no movimento sindical e no interior dos partidos na relação entre as correntes.
Mas o que era entendido como necessidade (de hegemonia) mostrou-se afã. A instrumentalização e o aparelhamento das organizações setoriais (estudantis, sindicais, comunitárias) não era, afinal, meio de disputa da sociedade e construção do socialismo, mas a própria finalidade dos partidos. Em uma frase, o objetivo era: aparelhar as entidades, controlar as lutas e assegurar a estabilidade geral da governança de “esquerda” liderada por Lula. Sob intervenção direta de José Dirceu, a juventude do PT conseguiu unificar as suas correntes nas eleições em diversas entidades representativas e universidades, incluindo a UCSal, onde estudava. Entre as correntes de esquerda no PT, dentre as quais a Democracia Socialista (que eu integrava), a justificativa da “unidade petista” e a dissimulação do controle tinham o nome de “estratégia da pinça”, resumida na frase “um pé na institucionalidade, outro nos movimentos sociais”. Mas pinça tem pés ou lanças?
A reforma da previdência, a política econômica e o intocável “superavit primário”, a repressão aos movimentos sociais, a lei de parceria público-privada, etc., começaram a desmantelar o “castelo de pinças” do PT-PCdoB ainda em 2003. Juntos, esses elementos tornaram-se a base da crítica aos partidos de esquerda também no movimento estudantil da UCSal. Entretanto, em que pesem as camisas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em desfile diário nos corredores, não foram os movimentos sociais que mobilizaram os atônitos jovens universitários de esquerda. Nós ainda perambulávamos pelos corredores sem saber muito bem o que fazer com nossas filiações. Num primeiro momento, as correntes à esquerda do PT valeram-se da tese do “partido em disputa” e conseguiram capitalizar a discordância da base. A antiga Força Socialista (FS-PT) talvez tenha sido a corrente que soube melhor aproveitar o contexto para crescer. Cresceu e tornou-se hegemônica na Universidade Católica vencendo, inclusive, as eleições para o DCE em 2003. Com o surgimento da Ação Popular Socialista (APS), criada pela FS para aglutinar mais gente e sair do PT “por cima”, surge a primeira grande cisão que marca, por um lado, o fim da unidade interna do PT e o fortalecimento de um bloco da esquerda partidária de oposição que terminaria sendo consolidado no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e no Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) (ele próprio fundado por uma antiga corrente do PT expulsa do partido em 1991).
Por outro lado, a mesma “cisão” instaurou o debate sobre a (in)viabilidade da “disputa” no interior do PT e, a reboque, no interior das grandes entidades representativas – UNE, UBES, UEEs. Para alguns, esse debate abriu um flanco de reflexões e leituras que os levaram muito além, até ao questionamento do papel dos partidos na luta de classes e o seu caráter revolucionário. Ou seja, a cisão que inflamou o debate sobre a disputa pela hegemonia instigou também a seguinte reflexão: “No limite, mesmo garantida a hegemonia de esquerda nos partidos e entidades, em que ponto estaremos em relação à hegemonia socialista na sociedade?” Nada do que tínhamos tido acesso, nada do que nos fora indicado nos “cadernos de formação”, nada do que tinha sido citado na bibliografia permitida do leninismo ou ainda do trotskismo, dava conta das problematizações que pululavam dos debates e conversas de corredor. Ademais, para a minha geração, que entrou na universidade já na era Lula, existia uma desconfiança geral em relação aos clássicos da esquerda (Marx, Engels, Lenin, Trotsky e Stalin), posto que sobre suas cabeças assentava a base teórica utilizada pelos partidos de esquerda para justificar a própria existência e conduta. Eu, que ainda fazia parte de uma corrente trotskista no PT, não pude recorrer senão à história e buscar nos relatos em primeira pessoa das revoluções e, em geral, da luta de classes, os princípios que me orientariam.
Foi um caminho reflexivo que muitos da minha geração trilharam individualmente, ainda que apoiados por companheiros em conversas de bar ou em espaços autônomos que iam surgindo em Salvador e em outras cidades. Em particular, lembro da Assembleia Popular de 2005, no ápice da crise do mensalão , quando, ainda filiado ao PT, decidi ir a Brasília participar do evento. Para além dos debates que pautavam a autonomia e a combatividade dos movimentos sociais, quem esteve presente à assembleia popular de 2005 pôde viver na prática as contradições da esquerda brasileira. A maior parte dos participantes do evento estava acampada num alojamento em Brasília e todos os dias era servida alimentação pra todos. Numa noite, após a principal marcha de dez quilômetros em direção à Praça dos Três Poderes, foi servida uma refeição deteriorada. Eu comi bem pouco, mas a maioria faminta saciou-se com o que fora oferecido. Lembro-me de um membro do MST que ao meu lado, sentado no meio-fio, reclamava: “Nos deram melão cozido pra comer!” Era chuchu com frango, mas o gosto era tão ruim que justificava o protesto do companheiro.
Mas o pior ainda estava por vir. O espaço onde estávamos alojado não tinha sido limpo para a nossa chegada e não foi limpo ao longo do evento. Nos primeiros dias sequer havia lixeiras. Eu tomava medicamento para dormir por conta da sujeira que irritava o nariz, e todos comentavam a impossibilidade de usar os banheiros com toda aquela sujeira. Pois bem, ninguém contava que o tal “chuchu com frango” estaria estragado, causando o internamento de dezenas de participantes além, é claro, da interdição completa dos banheiros devido à quantidade de fezes espalhadas pelo chão e pelas paredes. Lembro que acordei com o barulho de helicóptero e ambulâncias. A mídia já cobria o acontecido e membros da vigilância sanitária tentavam, sem sucesso, isolar todo o alojamento. Não soube de um só líder do MST ou diretor do PT que tivesse passado mal; provavelmente estavam muito ocupados numa reunião com Jaques Wagner, que na época era ainda Ministro do Trabalho. Ao contar o que tinha acontecido a membros do PT de Brasília, escutei a seguinte resposta: “Mas por que você ficou no alojamento? Você deveria ter ficado, desde o início, em nossa casa!” Conheci, finalmente, a envergadura da “pinça” petista e a sua estratégia de hegemonia da classe trabalhadora.
Voltei de Brasília e perambulei feito barata tonta por reuniões de coletivos, debates com movimentos sociais, mesas de bar, tentando encontrar alguém que, além de confirmar a minha opinião, me sugerisse um caminho de militância que contemplasse tudo o que estava vivenciando. Era claro que eu não estava sozinho. Lembro que muita gente da minha geração sequer filiou-se ao PT, pois previu o “desvio”. Mas será que era mesmo um desvio circunstancial, uma particularidade da esquerda partidária brasileira? Caso fosse um problema universal, o que foi feito em outros lugares? Eu não tinha fontes de leitura. Lembro que o que me alentava naquela época era ler Paulo Freire e Frei Betto. Comecei a pensar em trabalho de base, educação popular e naquela velha ladainha de que “a cabeça pensa onde os pés pisam”; decidi que tinha que afastar-me do partido e ir trabalhar com movimentos sociais. Mas sozinho?
Foi então que numa conversa, em São Lázaro, com integrantes do DA de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (DAMED), disseram-me que um grupo de “dissidentes” do movimento estudantil passaria um final de semana numa casa em Jauá para discutir a crise nesse movimento e o que fazer diante dela. Não pude estar presente nesse primeiro encontro em Jauá, mas fui aos encontros seguintes no Passeio Público. Lá conheci uma galera que não só falava em ir às bases dos movimentos sociais trabalhar com elas, mas usava já o termo lutas autônomas. Aquilo caiu como um psicotrópico para minha insônia! Era um grupo grande – talvez 30 pessoas do movimento estudantil – a criticar os partidos políticos, as entidades representativas (UNE, UBES, UEEs etc), sindicatos e a defender a luta de classes a partir dos movimentos sociais. Era uma galera que, em geral, tinha a mesma bagagem de leitura e estava devorando Paulo Freire, a história das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e dos movimentos populares brasileiros da década de 1980. Por outro lado, tinha uma galera com mais leitura e que transitava melhor pelos conceitos que a gente estava começando a escutar. Aquela história de horizontalidade, apartidarismo, autonomismo, crítica às burocracias, dita assim através de conceitos, era nova para a maioria, mas fazia todo sentido e foi naturalmente assimilada. Dessas reuniões no Passeio Público, acho que a principal conclusão foi a seguinte: era preciso apoiar os movimentos sociais através do trabalho de base. Sair dos partidos e entidades representativas para romper com a burocracia que engessava a luta de classes. Era preciso sujar os pés e mãos para potencializar as lutas nas periferias das cidades e ocupações de beira de estrada. A principal ferramenta seria a educação popular. A gente tentaria colocar o nosso “saber” acadêmico e força braçal a serviço da luta dos trabalhadores.
Mas estávamos preparados para o tranco?
Dos dois coletivos criados a partir dos encontros do passeio público, um urbano (COMUNA) e outro rural (NEPPA), posso falar apenas do primeiro: é óbvio que não estávamos preparados. Fomos trabalhar em ocupações urbanas do Movimento dos Sem-Teto da Bahia (MSTB) e em dois anos passamos por situações que renderiam páginas e páginas. Ainda assim, entre erros e acertos, a impressão que tenho hoje é que os princípios da horizontalidade, apartidarismo, autonomismo e trabalho de base se consolidaram em nossa prática. Apesar de o coletivo ter acabado, a militância de cada um dos ex-membros continua sendo pautada pelos mesmos princípios.
6.
Vivemos, cada um de nós, momentos duros em que militantes partidários eram os companheiros com quem podíamos contar, quando não eram os únicos. Nosso “apartidarismo” é um apartidarismo calejado de quem já apanhou muito de partidos em lutas de antes, mas sabe que não dá para meter todo mundo que é de partido no mesmo saco de lixo antes de jogar fora. Alguns de nós nasceram, literalmente, dentro dos partidos de esquerda, outros militaram junto ou até dentro deles. Apesar disso, nossa própria história nos levou a dormir com um olho aberto na relação com partidos; bater juntos, sim, quando necessário, mas marchar separados, sempre.
Durante e depois dos acontecimentos de junho de 2013, a gente ficou com a impressão de que o problema dos militantes mais novos com os partidos não é esse, mas o fato de partidos de esquerda (PT, PCdoB, PSB, PSOL, etc.) estarem no poder fazendo coisas aparentemente “de direita”: sentar a porrada em manifestantes, não ouvir as reivindicações, impor políticas sem diálogo, etc. Parece que rola uma confusão entre o que é “coisa de direita” e o que é a ação normal daqueles que estão com o poder do Estado em mãos, qualquer que seja seu “lado” no campo político; esta confusão pode levar a erros traumáticos no futuro.
Para nós, o que rola na relação com militantes de partidos é o seguinte: está colando, está fazendo as coisas de acordo com a pauta que está aparecendo nas assembleias, nas reuniões, nas mobilizações? Beleza, é companheiro. Saiu disso, tá querendo tomar a frente das coisas sozinho, tá atropelando a coletividade, tá fazendo coisas sem consultar ninguém? Tá perigando virar traíra. Não importa se é de partido, se é “independente”, se é gente boa, não importa: se deu mole nisso que estamos falando, tá perigando virar traíra, tem que chamar a atenção e ver no que dá. E se continuar, aí virou traíra mesmo e tem que ser denunciado com fatos e provas mostrando a trairagem.
Estivemos – e estamos – nas ruas, ombro a ombro com aqueles que tiveram nas jornadas de junho sua primeira experiência de militância/ativismo. Mas ao contrário do que outros, mesmo mais experientes do que nós, não viramos para eles metendo dedo na cara para acusá-los de “só ter acordado agora”. Queremos, sim, que conheçam outras experiências de luta, outras histórias, que aproveitem tudo isso para fortalecer-se e continuarmos caminhando juntos. Esperamos que tenha servido para alguma coisa tocar em lembranças que são para nós, às vezes, física e psicologicamente dolorosas. E que este primeiro compartilhar de experiências ajude na construção de novas táticas e estratégias de luta.
Os leitores portugueses que não percebam certas expressões usadas no Brasil e os leitores brasileiros que não entendam algumas expressões correntes em Portugal dispõem aqui de um Glossário de gíria e termos idiomáticos.
Leia a 1ª parte e a 2ª parte destas Notas sobre a luta autônoma em Salvador.
Contribuição com algumas reflexões sobre feminismo, a partir do acúmulo que tenho na luta feminista.
Nota sobre o comentário: hoje, não estou organizada em nenhum coletivo exclusivo de mulheres e o fato de escrever esse comentário sozinha não é uma ocasionalidade, é sintomático no sentido da dificuldade de nós mulheres nos organizarmos para além dos grupos mistos permeados por divergências táticas de movimento ou dos interesses individuais que pouco contribuem para a superação de TODAS as relações hierárquicas de poder.
Nota sobre o comentário 2: Reconheço a discussão teórica sobre abandono do termo mulheres, sendo que, de maneira quase geral, não nos encaixamos nos pressupostos hegemônicos do que é ser mulher. É tático nos chamar de mulheres, a partir da necessidade de demarcar posição política sobre a invisibilização de nós na própria política e movimentos socias.
O feminismo é o movimento de luta pela libertação da mulher e dentro deste movimento existem uma série de perspectivas táticas diferenciadas. Apesar de eu ser uma mulher branca de classe média acredito que a luta feminista para a emanciapação de nós mulheres deva está atrelada a todas as outras lutas contra os sistemas opressivos de poder (por fora dos ditames da democracia e justiça burguesas), caso contrário, não será emancipação de nós mulheres, mas sim a liberação de uma mulher que está numa posição de privilégio com relação às categorias classe social, raça/etnia, sexualidade, idade…
Burocratização da luta feminista:
O primeiro contato que tive com o feminismo foi através das pautas históricas do movimento, era discussão sobre o aborto – a discussão foi pautada com todo tipo de defesa: fazendo os devidos recortes de classe e raça. A questão é que os espaços onde estas pautas estavam sendo agitadas não contavam com a presença de ninguém que fugisse à regra: mulher branca ou mulher negra classe alta que compõe partido político e acadêmicas brancas. Qual seria a real intenção de se montar um espaço que não abre diálogo com o potencial revolucionário das mulheres que são atingidas pelos ditames do Estado e religião sobre nossos corpos? Tenho uma dificuldade em acreditar na premissa que existe feminista que milita dentro de partido político eleitoreiro: primeiro que nossas pautas ficam sempre em segundo plano em qualquer articulação mista, segundo que as pautas que conseguem ser abraçadas pelo partido são cada vez mais recuadas devido à serie de parcerias que tais organizações políticas fazem com setores conservadores, terceiro que nunca vi uma feminista que milita em organização eleitoreira não tender o debate para a representação em instâncias burocráticas ao invés de contribuir para a nossa autonomia. A partir destes três elementos podemos perceber uma ‘primeira’ tática dentro do movimento feminista: ocupar espaços institucionais para que as pautas avancem paulatinamente. Um espaço de discussão na câmara de vereadorxs, por exemplo, é uma maneira que discutir entre a classe branca pequeno-burguesa o que podemos articular dentro do movimento para que mulheres assinem abaixo-assinados em apoio a uma pauta que tem dialogado muito pouco dentro de bairros periféricos e outros movimentos sociais, não posso excluir aqui os oportunismos de fabíolas, portugais, martas, dilces (me perdoem se esqueci de alguma) que ocupam estes espaços para se auto-promoverem e permanecerem na memória até a hora do voto. Esta não é surpresa, inclusive, os partidos políticos têm cada vez mais se apropriado das lutas específicas usando a identificação para angariar votos. São vários nomes em campanha de cor rosa ou púrpura esperando seu click no confirma da democracia burguesa.
Qual a conquista efetiva destas mulheres que dizem que estão se empoderando dentro do sistema político? em que pautas avançamos? na discussão sobre o aborto e a automia dos nossos corpos permanecemos invertebradas e inertes. Na lei maria da penha? que tem servido mais para fazer estimativa com relação às denúncias que na prevenção de situações de risco e superação da violência contra a mulher?
A lei maria da penha no texto de apresentação e intenção pode até ser bonitinho, mas na prática, as agredidas não recebem a assistência social necessária (pois as mulheres agredidas tem medo de passar necessidades financeiras na lógica ‘ruim com ele, pior sem ele’, principalmente por que xs filhxs são responsabilidade dela de acordo com as definições de papéis sexuais impostos), não há atendimento com orientações específicas sobre o caso (ao contrário, constantemente denunciam as ridicularizações e a irrelevância como é tratado os casos nas DEAMs), apoio psicológico, nem há espaços onde estas mulheres compartilhem suas histórias marcadas pela violência física e psicológica com a finalidade de socializar e politizar suas relações de opressão. Contamos também que na maioria das vezes por falta de elementos para a condenação, a justiça libera o agressor e ele volta para se vingar. Pode parecer simples, porém mostra as deficiências da lei, onde não funciona o apoio financeiro à vítima, não possui um lugar para que ela e sua família estejam em segurança, não ‘reeduca o agressor’, ou seja, não só não funciona quanto ao que se propõe, como também, dentro combate à violência contra a mulher ‘tapa o sol com a peneira’ agindo individualmente (a partir de quem denuncia), ou seja, a lei é um paliativo apenas, ela não muda o sistema de sociedade que continuará dando armas aos meninos e bonecas às meninas.
As mulheres dos partidos de esquerda que não são base/apoio do governo que estiver no poder fazem até as mesmas críticas ao que chamam de conquistas institucionais do movimento feminista, porém, usam as mesmas formas e metodologias para agitar uma pauta com a ressalva de que o problema não é a tática em si, mas sim um problema da direção, do governo em específico e seguem na mesma política de angariamento de votos como se não soubessem que precisam de outras bancadas para se passar uma pauta dentro do sistema político.
feministas em alguns grupos autônomos mistos:
Depois de perceber o engessamento das pautas feministas dentro das instituições mediada por grupos /indivíduos oportunistas ou esperançosos fora da realidade, junta com outras companheiras buscamos pautar um feminismo autônomo dentro de um grupo misto de militância estudantil, as perspectivas de tal grupo me encheram os olhos, a idéia era se lutar por um movimento estudantil que extrapolasse as grades de nossa universidade, que estivesse em diálogo com movimentos sociais (não, não era a consulta popular e suas dissidências para agregar gente). Bom, sobre feminismo autônomo dentro de um coletivo marxista só tenho a dizer que éramos estranguladas cada vez que a discussão era feita, nossas pautas eram tão transversais com os machões marxistas quanto com os partidos. E até hoje, nós feministas estamos com dificuldades de nos organizar, por que ‘os próprios revolucionários’ fazem questão de atrapalhar nossa auto-organização, nos chamam de chatas, feminazis, dizem que somos excludentes, mas na real: como fazer ‘trabalho de base feminista’ em quem não acredita na importância da luta invariavelmente? falo principalmente do caráter prático, das mudanças diárias de comportamento… dialogar como com quem defende que ‘revolução é uma caixinha de presentes com várias emancipações de brinde’? temos que estar na luta de classes sim, para superarmos o capital, mas superando o capitalismo, não superamos o racismo ou o sexismo e o princípio de autoridade que o homem branco tem. A classe trabalhadora não é homogênea e o despertar para a transformação social, varia de indivíduo para indivíduo de acordo com suas experiências. A ideia é lutarmos para que este despertar seja cada vez menos repartido, afinal a luta é contra TODO O TIPO DE OPRESSÃO, todo mundo juntx e misturadx. A classe trabalhadora não é um ente abstrato descolado da realidade e das especifidades…a esquerda autônoma (marxista ou não), não percebe o potencial revolucionário que está sob as categorias que não são ‘classe’… Neste ‘comer mosca’, são os partidos que chegam primeiro. E depois reclamam que o movimento negro, por exemplo, é todo burocratizado nas políticas públicas.
Caminharemos juntxs, mas sem um grupo oprimir o outro dentro da luta verdadeiramente autônoma, sem patria, sem patrão, nem machão, nem racismo, sem elitismos teóricos…numa cultura organizacional não-burocratizada, horizontal, solidária com a luta de ‘o outro’…assim avançamos juntxs.