Por Passa Palavra
Há cerca de quinze dias recebemos, de um amigo nosso, a notícia de que Cesare Battisti estaria em Florianópolis, Santa Catarina, para participar de um evento na UFSC, a universidade federal daquele estado. Cesare Battisti os leitores deste site bem o conhecem, assim como a epopeia que foi a luta pela sua libertação nestas terras do Brasil. Os grupos de solidariedade que se formaram em torno do caso debateram-se não só com magistrados e políticos conservadores mas também com movimentos e partidos de esquerda.
Pois bem. Ontem chegava-nos a informação de que da parte de um grupelho de orientação Integralista estava sendo organizada uma manifestação de protesto pela presença do escritor italiano em solo florianopolitano (vejam aqui, é patético!), marcada para acontecer hoje, 6 de novembro, na mesma data da mesa “Quem Tem o Direito ao Dizer”, organizada pelo Departamento de Letras da UFSC, mais precisamente pelos alunos da Programa de Educação Tutorial (PET) do curso. Importante dizer: Cesare Battisti trataria daquilo a que tem se dedicado desde junho de 2011, quando fora finalmente solto e recebera visto de permanência definitiva no Brasil — literatura.
Minutos depois, ao saber que Cesare havia cancelado a sua participação, logo imaginamos que se tratasse de uma medida cautelosa de sua parte, para evitar qualquer tipo de alvoroço com um grupo de lunáticos verde-oliva. Só que não! Alguém chegara primeiro.
Mais uma vez, só que agora na já famosa versão coxinha, os “galinhas verdes” foram ultrapassados pela história. Antes que cacarejassem à direita, uma ordem adveio da outra ponta, e do alto – se é que vocês nos entendem. A recomendação era a de que Cesare não participasse da atividade marcada, pois o implícito caráter político do evento poderia prejudicar, digamos assim, a entrega do seu registro de estrangeiro – se é que vocês nos entendem.
Cesare entendeu. E os fascistas vão dormir tranquilos.
Direita para quê ou fascismo para quê?
Para apresentar o ‘mal menor’, a democracia, como o melhor dos mundos possíveis…
Essa situação absurda de Battisti está clara na política de imigração do Brasil, que pode atuar dessa maneira na medida que lhe convém.
Da Expulsão
Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
Lei de 1980 – http://bit.ly/18YCdl5
Outro artigo também bizarro:
Art. 4o
A política imigratória objetivará, primordialmente, a admissão de mão-de-obra especializada adequada aos vários setores da economia nacional, ao desenvolvimento econômico, social,
cultural, científico e tecnológico do Brasil, à captação de recursos e geração de emprego e renda,observada a proteção ao trabalhador nacional.
Esse é do Projeto de Lei que está tramitando no Congresso. Dizem que é pior do que a lei formulada durante a ditadura: http://bit.ly/1bvV5OC
Juliana,
Os artigos que você cita mostram que essa interdição a que Battisti foi submetido não se sustenta em lei alguma. Foi pura decisão política. Uma decisão política que nos faz pensar onde estamos. Não há nada que proíba um estrangeiro participar de um evento acadêmico sobre literatura.
Ao texto do Passa Palavra eu acrescento essa Declaração do Carlos Lungarzo:
Declaração à opinião pública e à mídia, do biógrafo de Battisti
Por Carlos Alberto Lungarzo.
707697_3_46ba_cesare-battisti-a-paris-le-13-mars-2004Em minha qualidade de coordenador do grupo de apoio ao escritor italiano Cesare Battisti, venho por meio desta, explicar as circunstâncias em que foi cancelada a participação deste escritor no evento “Quem tem o Direito ao Dizer”, que devia acontecer no dia 6 no Departamento de Letras da UFSC.
Há quase 15 meses, os membros do PET desse departamento, bem como outras pessoas da universidade, convidaram a Battisti e a mim a participar deste evento, um convite que muito nos honra, e pelo qual estamos profundamente gratos, não apenas a eles, mas a todo o pessoal e público da universidade que fez possível o convite.
Hoje, dia 5, fui informado por Battisti de que tinha recebido uma “recomendação” de um alto escalão do governo, veiculada através de um alto representante do Parlamento, para não comparecer ao evento. O parlamentar também falou comigo, fazendo uma referência, que não entendi muito bem, à relação entre este evento e o processamento do RG para estrangeiros (RNE) de Battisti que ainda não lhe foi entregue. Outrossim, o Exmo. Parlamentar me informou de que a divulgação feita pelos organizadores do evento revelavam uma implicação política que tornava altamente inadequada a participação de Battisti.
Desejo salientar, a título pessoal:
1. Não acredito que, no atual momento da história, possa ainda confudir-se ação políticacom defesa dos direitos humanos, que é o objetivo deste evento, e ao qual manifesto minha admiração pela coragem, inteligência e profundidade com que foi programado.
2. Contrariamente ao habitualmente divulgado, Battisti não é refugiado político. Seu refúgio, concedido pelo então ministro Tarso Genro em 2009, foi cassado pelo STF em 09/09/2009.. Após sua soltura em 09/06/2011, Battisti recebeu do Conselho de Imigração um visto de permanência definitiva no país, que é uma condição de estrangeiro idêntica a de milhares de imigrantes, incluído eu.
3. De acordo com a CF, os Direitos Humanos fazem parte dos princípios em que se baseia a República Brasileira, assim sendo, não podem ser negados a ninguém em função de sua nacionalidade. Se é impedido a um escritor falar de seus livros, e se considera que literatura e direitos humanas significam ação política (e até, segundo parece, ação política ilegal), quero manifestar minha perplexidade sobre o que devemos entender por democracia e estado de direito.
4. Não só agradeço como me solidarizo totalmente com a Magnífica Reitora e toda a comunidade da UFSC pelo que, segundo entendo, deve entender-se como um ato de desrespeito à autonomia de uma universidade. Mesmo que seja Federal, a UFSC é um ente autônomo e não uma dependência do núcleo estratégico do estado. É perigoso para o direito de expressão interferir no convite a uma pessoa que está legalmente no país, cuja vida é totalmente pública e cujo único objetivo era falar sobre os quase 30 livros que escreveu, muitos dos quais tiveram grande sucesso de crítica e leitores no exterior, especialmente na França.
Finalmente, quero fazer notar um paradoxo. A gente queria falar sobre “Quem tem direito ao dizer”, mas nós mesmos ficamos sem esse direito.
Somos condenados ao silêncio. É verdade que o silêncio pode ser uma maneira de expressar-se, mas a expressão através do silêncio pode ser ambígua. Aliás, nem sempre o silêncio fica registrado na história.
Carlos Alberto Lungarzo
Professor titular (ap.) UNICAMP; Ex-pesquisador 1 do CNPQ
http://desacato.info/2013/11/declaracao-a-opiniao-publica-e-a-midia-do-biografo-de-battisti/
PET não significa Programa Especial de Treinamento desde 1990 e tanto. Agora é Programa de Educação Tutorial – um nome pra afastar essa ideia de uma “elite” na graduação.
Caro Alcides,
Já corrigimos o lapso.
Coletivo Passa Palavra
Que eu saiba, o exílio foi concedido mas há explicitamente a obrigação de o exilado se afastar das atividades políticas. Essa mesma censura feita ao Césare foi lembrada ao senador boliviano refugiado no Brasil.
Vamos ser honestos e deixar as coisas claras.
Outra: se não é o PT ele tava na cadeia agora. Pessoas do PT o acolheram aqui, o protegeram e conseguiram o asilo.
Ou vocês acham que foi a força de 3 blogs de extrema esquerda lidos por menos de 6 mil pessoas?
Mais honestidade, por favor!
O comentário acima reclama «honestidade». Poderia então referir-se ao assunto do artigo, o facto de Cesare Battisti ter sido pressionado a não se apresentar no evento da UFSC, para o qual havia sido convidado. Sempre no mesmo plano de honestidade, convém ler com atenção a lei citada num dos comentários anteriores. «É passível de expulsão o estrangeiro […] cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais». Os juristas aprendem a redigir de maneira exacta, excepto quando lhes convém ser imprecisos, e foi este o caso. Assim formulada, aquela lei confere às autoridades um poder totalmente discricionário. Finalmente, se o governo do PT acabou por libertar e acolher Cesare Battisti, não o fez sem um movimento crescente de apoio ao prisioneiro, no Brasil e noutros países. E se esse movimento conseguiu ampliar-se e ter repercussão, quando no início contava com uma base tão reduzida, isso só mostra que as lutas persistentes e bem orientadas podem ter êxito.
Já agora, atenção MPL de São Paulo! Não tarda muito que surja algum comentário que, invocando a «honestidade», atribua a redução da tarifa ao prefeito pêtista, com o argumento de que isso nunca poderia dever-se a uma dúzia de meninas e meninos que saíram à rua.
Acho que a Vânia se por um lado distingue na escrita o Partido de pessoas do Partido, parece que no pensamento não faz esse distinção.
Sim, pessoas do PT foram importantes na libertação do Cesare Battisti, assim como foram pessoas que não eram do PT.
Segunda questão: diferentemente do que Vânia afirma, não se tratava de atividade política. Como aponta Carlos Lungarzo, debate sobre literatura e direitos humanos é considerada atividade política? Se sim, o que não é atividade política? Provavelmente apenas ver TV, comer e dormir.
Bem, é no governo do PT, com a “esquerda no Poder” e sua conivência ou anuência que estamos vendo um avanço conservador… felicianos, agora galinhas-verdes…
Com as notícias recentes sobre declaração de Gilberto carvalho de querer abrir diálogo com os Black Blocs, o governo do PT pretende bater o recorde de incorporação e assimilação no espectro político: integrar dos Black Blocs aos Integralistas no governo.
Aqui o outro lado que faltou para colocar a questão no quadro completo.
http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2013/09/03/senador-boliviano-e-ameacado-de-extradicao-e-desiste-de-visitar-congresso/
Sobre o outro assunto: o que o MPL conseguiu em São Paulo, com o seu exército de patricinhas e anarcoboys, foi construir a maior mobilização da direita no pós ditadura. Deram à direita aulas práticas de mobilização urbana.
Mas vai ser difícil ver o dia que alguém surja com honestidade para reconhecer, mesmo que minimamente, o fato de que a esquerda esteve a mobilizar a direita naqueles dias devido a uma série de fatores.
Saúde!
Vânia,
explique o que tem a ver o senador boliviano com o que aconteceu esta semana em torno do citado evento na UFSC.
Sobre MPL, manifestações etc. Não vale a pena discutir com alguém que na falta de argumento usa desqualificações irracionais.
E das suas afirmações o que se conclui é que Arnaldo Jabor, a Fiesp, a Globo etc., são de esquerda, visto que a “direita” só foi para as ruas após os chamados deles. Isso é fato.
Mas nem sei por que escrevo isso, discutir com governista fanático é como discutir existência de deus com crente.
Eu não sabia que havia no Brasil tantos (mais de um milhão) “anarcoboys” e “patricinhas”. Seria uma piada ou será que a Vania é uma daquelas petistas que acredita no mito de que o PT criou uma espécie de “sociedade da classe média”? O curioso é que não sei por onde a Vania andou em junho, julho e desde então, já que se tivesse ido às ruas não teria dito isso dos anarcoboys e patricinhas, e se tivesse ficado em casa acompanhando os debates pela internet não teria dito:
“Mas vai ser difícil ver o dia que alguém surja com honestidade para reconhecer, mesmo que minimamente, o fato de que a esquerda esteve a mobilizar a direita naqueles dias devido a uma série de fatores.”
justamente no site que mais trabalhou criticamente essa questão da assimilação das lutas pela direita.
Por onde esteve Vania?
Mundo engraçado esse, não é mesmo, Vânia?
Onde a direita mobilizada barra o aumento do preço de um serviço público e a esquerda censura um evento sobre Direitos Humanos e literatura numa universidade.
Isso me lembra uma certa reunião, num certo aparelho, numa certa manhã, de uma dia de um certo ano de nossas vidas incertas: Estávamos tratando dos encaminhamentos de uma greve de professores que alcançava seu quadragésim quinto dia, os galinhas do verdes do PT (chamemos pelo nome por favor), todo o tempo afirmavam: “cuidado, se voces radicalizarem na greve,se teimarem em mantê-la, vamos perder o que conquistamos”.
20 Anos divide esta reunião do caso do Cesare Battisti, fico a perguntar se a lógica não a é mesma. Não sem razão John Holloway sempre nos lembra que a história da esquerda mundo afora é, invariavelmente, uma história de traições, de etapismos, de pequenas desculpas cotidianas, de um movimento cujo núcleo é simplesmente que nada de extraordinári mude o ordinário dos dias de nossas vidas.
Contra a realidade o que temos? Gente que escreve livro, John Holloway.
O PT participa do esquema para a vinda do Battisti ao Brasil, o recebe, o esconde, o ajuda, o defende, lhe concede o refúgio e agora aparece alguém citando John Holloway. Um cara muito importante para a luta de classes no Brasil, belo contêiner de metáforas embolsando uma boa grana.
Fala sério!
Tencionava ficar tranquilamente afastado desta troca de comentários, mas há momentos em que a hilariedade me faz esquecer a sensatez. «O PT participa do esquema para a vinda do Battisti ao Brasil, o recebe, o esconde, o ajuda, o defende». Mas será que essa comentadora ou comentador que assina «Vânia» sabe em que condições Cesare Battisti chegou ao Brasil, como aqui viveu durante algum tempo, até que, para empregar as suas lindas frases, o PT o tivesse escondido na prisão? No entanto, basta procurar, há muitos artigos elucidativos neste site, até existe uma etiqueta dedicada a Cesare Battisti. É só clicar e ler. Mas agora entendi tudo. O Cesare não apareceu no evento da UFSC porque o PT mais uma vez o escondeu, para o ajudar, para o defender. Quão ingratos somos!
Carlos Lungarzo conta aqui detalhes do ocorrido.
Destaco a frase: “Eu sou imigrante comum e nem a ditadura de Figueiredo me submeteu a regime especial.”
Refúgio e imigração: coisas diferentes
Por Carlos Lungarzo em 9 de novembro de 2013
http://www.consciencia.net/refugio-e-imigracao-coisas-diferentes/
Sobre o comentário de João Bernardo (a quem sou grato por me proporcionar leituras aprazíveis, sobretudo em relação às temáticas ecológica e agrária) que insinuou que “se o governo do PT acabou por libertar e acolher Cesare Battisti, não o fez sem um movimento crescente de apoio ao prisioneiro, no Brasil e noutros países” é também importante reconhecer, por outro lado, o mérito deste governo em enfrentar a enorme pressão que a grande mídia e os partidos de direita impuseram contra a extradição de Battisti. Ou seja, não é um impedimento (que nem se sabe ao certo de onde veio) que Battisti se pronunciasse em uma palestra universitária que vai subtrair nosso reconhecimento ao governo brasileiro em ter enfrentado uma furiosa oposição que pleiteava sua cabeça. Ainda, em tempo: não temos apenas um milhão de anarcoboys e patricinhas no Brasil. Há, pelo menos, umas duas dezenas de milhões deles que compõem uma nova classe média que vai surgindo no país e que precisa ser incorporada à luta política consequente e progressista. O MPL não pode ser confundido com as bandeiras dos anarcoboys (embora esses a tenha utilizado para seus fins pequenoburgueses). A tal correlação de forças precisa ser estudada e vivida na luta cotidiana, com o risco de se deixar iludir por teorias idealistas.
Luciano, você vai ver muito bem “de onde veio” ao ler a nota publicada pelo professor Carlos Lungarzo, disponibilizada no comentário acima do seu, do Leo Vinicius.
Outra coisa: estes dias eu estava refletindo sobre o termo “pequeno burguês” e como ele tem sido usado por PTistas para se referir especialmente ao que eles supõe ser os “rebeldes sem causa” (gente que reclama de barriga cheia). Logo me dei conta do porque desta escolha léxica: se o governo PTistas consagra a aliança de classes, então tem de arranjar algum tipo de palavra pejorativa para se referir ao que eles imaginam ser os beneficiados recalcitrantes de sua aliança. O pequeno burguês não se conforma nem com as benesses de seus “superiores” (bancos, empreiteras, petroleiras), nem se alinha ao programa revolucionário petista (indignar-se contra a prisão do Dirceu por meio de comentários em blogs progressistas).
A propósito,
Facebook da moça que liderou a organização dos atos contra Battisti. O Danilo Gentile ia bancar carro de som e tudo.
https://www.facebook.com/AnaCampag/photos