Nossa proposta inicial era unir as lutas de cada ocupação de nossa região para ter mais força para conter os despejos e encaminhar projetos de construção habitacional feitos e geridos pelo povo, de modo coletivo. Mas sabíamos que este processo também seria difícil e, de fato, estamos assistindo a sucessivos despejos, por um lado, e por outro, a um lamentável processo de amoldamento das demandas populares, quando em algumas ocupações, as autodeclaradas “lideranças”, em meio a abraços e apertos de mão com os burocratas, em negociatas por benefícios próprios, acabaram por aceitar que o plano das empreiteiras, de politiqueiros, de grileiros e dos gestores políticos se cumpra. Assim, estão sendo feitos acertos para que as grandes empreiteiras construam apartamentos de péssima qualidade, sem participação popular, promovendo um enorme adensamento populacional numa região que não possui estrutura para isso, e que é ambientalmente frágil, e em troca se promete a destinação de uma pequena parte dos apartamentos construídos para o atendimento da demanda das ocupações.

Como sempre, quem se lasca são os trabalhadores e trabalhadoras que sonhavam em sair da opressão pela falta de um teto.

A falta de unidade entre as ocupações apenas revela uma disputa política: poder popular, autonomia política e construção coletiva são ideias impossíveis de construir a partir de vínculos partidários ou dos oportunismos de diversos tipos. Felizmente, de nosso ponto de vista, algumas ocupações aderiram à proposta de negar o clientelismo, a troca de favores, a delegação de poder aos “negociadores”, a presença de vereadores e seus advogados oferecendo “solução” etc., para encarar o desafio de criar formas próprias de organização e de luta. Assim, apesar do desgaste de seis meses de luta cotidiana as Ocupações Jardim da Luta (Gaivotas), Recanto da Vitória (Lucélia) e Jardim da União (primeiro no Itajaí e agora no Varginha), permanecem unidas.

E mais importante que isso, existem nelas alguns processos organizativos bastante promissores. Na nova ocupação do Jardim da União, por exemplo, não dividimos os terrenos em lotes para minimizar o individualismo e para combater a “síndrome dos pequenos proprietários privados”, a ideia de que “isso aqui é meu, ninguém tasca, e ninguém tem nada com isso”. Se é a propriedade privada que está em jogo, seria preciso colocá-la em discussão de saída… Também pensamos que a demanda concreta, imediata, tem que ser realizável. Por um lado, não adiantaria nada colocar mil pessoas onde cabem 100 casas, só para termos maior capacidade de mobilização e de pressão política, pois isso seria iludir as pessoas, e brincar com suas necessidades mais básicas. E é fácil ver que hoje, diante do enorme poder das empreiteiras e imobiliárias, nenhum movimento terá acesso a terras e recursos suficientes para atender demandas imensas. Por outro lado, nosso objetivo não é apenas quantitativo, mas com base nas lutas imediatas, queremos criar outras relações sociais, construir processos de longo prazo e que ultrapassam a conquista da moradia. Por isso, em função das poucas pernas que temos, não é possível desenvolver processos de organização desse tipo envolvendo um número muito grande de pessoas.

Como partimos do pressuposto de que as pessoas não são gado, nem devem servir apenas como braços, pernas e gargantas, e que as decisões não podem ser tomadas por uma cúpula, que apenas comunica a “massa” nas assembléias e espaços do gênero, etc. temos tentado instaurar formas de organização que são constantemente repensadas e transformadas, de modo a evitar a cristalização de relações de poder e de favorecimento pessoal.

Assim, nestes 3 primeiros meses de ocupação experimentamos a eleição de uma estrutura organizativa interna, rotativa, e revogável em grupos de ocupantes. Também tínhamos criado uma coordenação geral da ocupação que foi substituída por reuniões semanais temáticas (infraestrutura, educação,cultura, etc), para discutirmos o que precisamos e que podemos fazer por nós mesmos em nossa nova comunidade, e dividir as tarefas de organização interna, num constante exercício de auto-organização, que em geral se materializa em diversos tipos de mutirão.

Com isso, além das lutas diretas, que encaramos como espaços de formação, de planejamento, de execução e de avaliação coletivas, temos buscado construir atividades de educação, cultura, comunicação, infraestrutura, esportes, informática etc. E como em nosso movimento batalhamos pela não profissionalização da militância, para que não se reproduzam formas empresariais ou estatais de diferenciação pela hierarquia, ou dependência de um “salário” para organizar a luta, mas também para mantermos autonomia política e financeira em relação a empresas, ONGs, partidos políticos, centrais sindicais etc, estamos tentando colocar em funcionamento cooperativas autônomas de produção.

Sabemos que todos esses esforços representam muito pouco diante das inúmeras formas de violência que nos oprimem, sobretudo numa conjuntura tão acirrada e complexa neste ano de Copa do Mundo, eleições etc., que promete personalidades, mas também grandes riscos aos movimentos populares. Ainda assim, acreditamos que o amadurecimento e a multiplicação desses tipos de experiências organizativas são fundamentais para a construção do poder popular.

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