Por Passa Palavra
Rio de Janeiro
Cerca de 4 mil manifestantes se reuniram ontem (06/02) na Candelária com o objetivo de dizer um sonoro não ao anúncio de aumento nas passagens de ônibus feito pelo prefeito Eduardo Paes na última semana. Anúncio controverso, ocorrido depois de o Governo estadual, pressionado pelas últimas manifestações, ter congelado os preços das passagens de trens, metrô e barcas. Porém, o risco da manobra editada pelo prefeito não se resume a esse ponto.
O anúncio de aumento, programado para ocorrer no próximo dia 8, deu-se após o próprio Tribunal de Contas do Município (TCM) ter declarado por meio de relatório técnico a incongruência de números e planilhas apresentados pelas empresas. Constatou-se a ausência de séries históricas para comparação dos preços de insumos, sugerindo assim o superfaturamento de itens, com fortes indícios da existência de uma “caixa preta” no sistema. Devido a esse fato, o relatório sugeria uma redução no preço das passagens dos atuais R$2,75 para R$2,50. Mesmo assim, o plenário do TCM não endossou o seu próprio parecer técnico e declarou no relatório final ser inapto a decidir sobre o assunto. Tentavam assim se eximir politicamente, mas na prática abriam espaço para o anúncio de aumento, que acabou por ocorrer rapidamente, apenas algumas horas após a publicação do referido relatório. No entanto, essa medida também mostrava certo isolamento do prefeito, que insistiu em anunciar o aumento das passagens mesmo sem embasamento técnico adequado.
Dentre os organizadores estavam vários coletivos e organizações políticas locais, como o Fórum de Luta Contra o Aumento, a AERJ, a Assembleia do Largo, a Assembleia Popular e os MPLs do Rio de Janeiro e de Niterói. No entanto, como se dá em toda manifestação de rua, vários outros grupos e indivíduos se somaram ao protesto e trouxeram novamente ânimo às ruas centrais do Rio. O roteiro do ato começou como todos os outros no verão carioca: sol e calor intensos, concentração com muita música e disposição de luta. Os manifestantes fecharam as duas faixas da Avenida Presidente Vargas sentido zona norte e seguiram entoando palavras de ordem contra o aumento, contra a Copa e pela tarifa zero. O clima, porém, se transformou quando tentaram reeditar o roteiro das manifestações da semana passada (dias 28 e 30). Nas últimas manifestações, como pode ser visto aqui, centenas de trabalhadores aderiram ao movimento e simplesmente pularam as catracas da Estação Central do Brasil, em um clima extremamente ameno, no qual a Polícia Militar (PM) não reprimiu e a população se aproximou mais das pautas trazidas pelos manifestantes. Quadro totalmente distinto do ocorrido ontem.
Logo que os manifestante entraram novamente na Central, iniciaram o já costumeiro “pula catraca”, enquanto outros tentavam quebrar as catracas da estação. A PM entrou em seguida e começou a lançar bombas de efeito moral, causando pânico e correria dentro da estação. Era cena comum o choro e o desespero de trabalhadores que apanhavam e eram encurralados pela polícia. Uma companheira em estado de choque relatou também que uma senhora, após ser agredida pela polícia, teve convulsão. Entretanto a ação truculenta da PM não se limitou a isso. Spray de pimenta e bombas de gás lacrimogênio foram lançadas no ambiente fechado da Central. Além disso, alguns relatos também dão conta do uso na Central de bombas de nova tecnologia, que no ato do lançamento se espalhariam em várias partes e que, quando explodem, fazem um grande clarão, lançando a esmo alguns estilhaços. Especula-se que talvez o repórter da TV Bandeirantes tenha sido atingido durante o ato por uma dessas armas não-letais. Até o momento o boletim médico afirmava que o repórter estava em estado grave e que passaria por cirurgia. Também devido à correria e tumulto, um ônibus atropelou uma pessoa.
Enquanto alguns manifestantes estavam encurralados pela polícia no interior da Central, outros nos arredores da estação tentavam manter o ato, mesmo com toda repressão prosseguida pela polícia. A resistência durou por algumas horas e os relatos da equipe de advogados militantes contabilizam 28 presos, sendo que dois desses teriam sido presos no interior de uma área de controle militar. Apenas esses dois últimos ainda continuam detidos.
Ao final da manifestação já era possível encontrar pelo Facebook a convocatória para a próxima manifestação no dia 10, primeiro dia útil de cobrança da nova tarifa.
Goiânia
Em Goiânia, no dia 06 de fevereiro, também houve manifestação por melhorias no transporte coletivo na Região Metropolitana. Organizada pela Frente de Luta pelo Transporte Coletivo – que congrega organizações como a RECC, o Tarifa Zero Goiânia, o Psol e outras, além de uma grande quantidade de pessoas não pertencentes a nenhuma organização. A manifestação tinha como objetivo pressionar a implementação imediata do passe livre estudantil universal e irrestrito, bem como a volta imediata do programa Ganha Tempo. O programa permite aos passageiros utilizarem até três ônibus em um intervalo de duas horas e meia, pagando apenas uma passagem.
O passe livre foi aprovado na Câmara de vereadores de Goiânia em julho de 2013 e até o mês de fevereiro não havia entrado em vigor. O Ganha Tempo foi planejado para ser uma compensação em decorrência da isenção fiscal dada pelo Governo Federal nos impostos PIS e COFINS, em junho do mesmo ano, às empresas de transporte coletivo. Entretanto, com o congelamento da tarifa no ano passado e a superação da utilização do programa por parte dos usuários, os empresários alegaram perdas financeiras (embora não demonstradas) e conseguiram uma liminar na justiça de Goiás suspendendo o programa. Entre a melhoria nas formas de utilização do sistema de transporte e a manutenção do lucro empresarial, o Poder Judiciário do estado e a Prefeitura de Goiânia (que não se opôs à suspensão) não vacilaram em apoiar a última.
Com o intuito de lutar por essas conquistas do ano passado, os manifestantes se concentraram na Praça Universitária, de onde saíram por volta das 18:00 deslocando-se por algumas avenidas próximas, com o objetivo de chegar ao terminal da Praça da Bíblia, onde dias atrás ocorreu uma manifestação espontânea contra o atraso de ônibus. Mas para isso um trajeto mais longo foi elaborado com o intuito de dificultar um pouco o trabalho de repressão da polícia.
A queima de pneus e lixo foi realizada em alguns pontos do trajeto, e a tentativa da polícia de impedir a queima dos materiais já indicava que haveria repressão na continuação da manifestação. Já na subida da praça do Botafogo os primeiros tiros de bala de borracha foram disparados. Entretanto, os manifestantes não se dispersaram e continuaram a manifestação por mais duas quadras. A menos de um quilômetro do objetivo final da manifestação a cavalaria da PM iniciou seus trabalhos, utilizando cassetetes e cavalos contra os manifestantes, ferindo alguns deles. A tropa de choque apoiava, com tiros de bala de borracha.
Os manifestantes atiraram paus e pedras e conseguiram se refugiar na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG). A PM não entrou, mas em frente ao portão de entrada continuou a atirar contra os manifestantes. Durante vinte minutos os manifestantes esperaram por uma negociação para a saída do local, sem interferência policial. Contra a proposta do comandante da operação policial, de dispersão em pequenos grupos, os manifestantes decidiram sair todos ao mesmo tempo e se deslocaram para a Faculdade de Direito, vizinha ao local anterior. Lá, uma rápida assembleia foi realizada entre os manifestantes, decidindo-se por uma nova manifestação no dia 13 de fevereiro.
A dispersão dos manifestantes foi tranquila nas imediações da faculdade, mas era possível ver a abordagem policial em diversos pontos de ônibus e plataformas de embarque da região onde ocorreu a manifestação. Demonstrando que a repressão não se encerra com o término da manifestação.
Horas antes da manifestação, que exigia nas ruas suas reivindicações, um grupo de 15 entidades estudantis da cidade havia se reunido com a nova diretoria da CMTC (Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo). Pretendendo abrir um canal de diálogo com as instituições oficiais do movimento estudantil e prometendo resolver a situação do passe livre com o Governo do estado, a nova presidente da entidade, Patrícia Veras, afirmou ainda querer entrar em contato com “a população para discutir os problemas, as demandas e as soluções” para o transporte coletivo na Região Metropolitana de Goiânia.
Tal postura indica uma mudança em relação à antiga diretoria, que em nenhum momento se dispôs a dialogar com os movimentos. Mas indica também possíveis problemas que podem surgir da tentativa de institucionalizar uma luta que tem a rua e o controle momentâneo de parte da cidade como seu único local de realização.
Nem tudo é motivo para choro
Apesar da forte repressão, alguns policiais demonstraram que apoiam algumas das ações e reivindicações dos manifestantes. No Rio os policiais da PM aderiram ao catracaço, pulando também as roletas da Central do Brasil, mesmo que para caçar alguns manifestantes espertinhos. Em Goiânia, um policial da PM se posicionou a favor do fim da instituição em que trabalha, apoiando a reivindicação “Pelo fim da PM”, ao segurar um escudo confiscado dos manifestante.
Os leitores portugueses que não percebam certas expressões usadas no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam algumas expressões correntes em Portugal
dispõem aqui de um Glossário de gíria e termos idiomáticos.
Eu não chamaria de “arma não-letal” uma arma que deixa alguém em estado grave, com afundamento craniano, tendo passado por cirurgia de 4 horas e que ainda pode morrer. Letal com certeza é.
Leo, dentro da corporação da polícia, esses armamentos como bombas de efeito moral, bala de borracha, etc. são chamadas de “munição de baixa letalidade”.
Vídeo do coletivo Coma Livre sobre a repressão policial à manifestação em Goiânia: http://www.youtube.com/watch?v=8sligOkZE9w&feature=c4-overview&list=UUQO-PPFpD6Ort2igPxNj_Eg