Existe o discurso da profissionalização da cultura, seguro que dessa forma pode fazer parte do sistema e colapsá-lo por dentro. Essa visão funciona como um cartão de visita ao mercado industrial fonográfico e demais ordens de poder burocrático, atestando que a cultura está pronta para ser massificada sob a égide do consumo. Por Arthur Moura
“Em presença de um nível de vida cada vez mais elevado, a não conformidade ao sistema parece ser algo socialmente inútil (…). Na época contemporânea, os controles tecnológicos parecem ser a própria encarnação da razão, com vantagem para todos os grupos e interesses sociais, em tal medida que toda contradição parece irracional e toda ação contrária impossível.”
Marcuse
O crescimento do público no hip hop é um fenômeno que deve ser analisado à luz das tranformações ocorridas na indústria cultural – que por si só apresenta-se como campo demasiado amplo – como pelos aspectos de formação das variadas vertentes que compõem a cultura hip hop e sua relação com os territórios, linguagens, articulações, discursos, etc. Por isso, não falamos especificamente do rap, mas também dos demais elementos que formam o hip hop, como o break, o DJ e o graffite. Esses articulam-se tanto no que diz respeito às suas formas de resistência como na associação a estruturas de poder do capital. Ainda que desejássemos, suas disposições, articulações e formas associativas não seriam menos complexas. Observa-se neste campo um rápido processo de inserção dos valores de consumo ao mesmo tempo em que se preservam posturas que negam associações diretas com instâncias de poder responsáveis pela manutenção do status quo, complexificando nossa análise crítica sobre o processo histórico do hip hop. Algo semelhante acontece com o público. Neste texto pretendemos analisar e discutir o que vem a ser o público do hip hop, como se relaciona com a arte que consome e com os artistas que produzem a arte. Interessa-nos compreender a relação entre público/artista, artista/indústria e público/indústria. É importante também elucidar o processo de formação desse público desde outras temporalidades, tendo na historicidade fundamental importância às nossas conclusões parciais.
O hip hop tornou-se um dos principais referenciais da cultura jovem ocidental. Isso se deu a partir da construção, primeiramente, por segmentos das periferias, tendo nesse processo a fundamentação da cultura através da construção de um ethos de resistência contra as formas de opressão da sociedade capitalista. Num segundo momento, com a massificação e apropriação dos símbolos, gestos e rebeldia por um amplo público de camadas sociais médias e até mesmo da classe alta burguesa. A juventude que consumia o punk e o rock se encontraram num hiato principalmente na década perdida, a década de 90. As gerações que seguiram desde os 90 encontraram no máximo resquícios da aura que envolveu os principais nomes do punk e do rock´n´roll do passado, necessitando, portanto, de um novo referencial que situasse a geração que se anunciava. O hip hop tem a característica de ter agregado públicos do rock, pop e new metal, tendo esses se apropriado da linguagem do rap para compor os seus estilos. Não à toa, uma das maiores bandas do mundo, o Rage Against the Machine, revolucionou tanto o rap como o rock. Já no início dos anos 2000 o público do rap (e do hip hop) não se resumia somente aos estratos periféricos. O fato de ser uma cultura de rua aponta para uma importante tendência a essa mistura de atores de classes distintas. Isso acentuou também os níveis de contradição, apontando para disputas políticas que se estabeleciam desde já. O público dessa época se forma ao mesmo tempo que os artistas experimentam sonoridades, parcerias e ideias. Formou-se muito mais uma cena de artistas do que um público de mercado. Esse primeiro momento diz respeito a formação do rap independente (ver “Uma Liberdade Chamada Solidão: a formação do rap independente no Rio de Janeiro 1990 – 2013”, Universidade Federal Fluminense, curso de História). Com o desenvolvimento do mercado, o público insere-se numa dinâmica específica, cabendo o protagonismo muito mais aos interesses econômicos associado ao status, prestígio e poder de influência dos artistas do hip hop, que, por sua vez, associaram o hip hop não somente ao seu poder combativo, mas ao seu papel de entretenimento.
O entretenimento é a continuação, sob outras formas, da dependência aos níveis mais íntimos dos valores arraigados do capital. A esfera de consumo fora direcionada ao tempo livre do trabalhador em seus mais variados âmbitos como forma a inserir e naturalizar os valores éticos e morais do capitalismo. Esse tempo livre resultou diretamente dos avanços técnicos que diminuíram a jornada de trabalho, proporcionando mais “liberdade” ao gênero humano em suas atividades extra-formais, sendo que “o objetivo real da manipulação consiste em transformar esse ‘tempo livre’, esse lazer ampliado, em ‘tempo de consumo’.” (Carlos Nelson Coutinho, O Estruturalismo e a Miséria da Razão, pág.: 70) Para chegar a essa configuração “a exploração da classe operária volta-se cada vez mais intensamente da exploração mediante a mais-valia absoluta para uma exploração operada através da mais-valia relativa; isso significa que é possível, simultaneamente, um aumento da exploração e um aumento do nível de vida do trabalhador.” (Gyorgy Lukács, Conversando com Lukács, pág.: 51-52) O que observamos com relação aos eventos de rap, por exemplo, é que a crítica e o pensamento combativo encontram uma pré-disposição a dissolver-se em ritmos contagiantes de felicidade, amor ao próximo, satisfação e suposta harmonia social, já que o caráter flexível enverga-se muito mais às liberdades de mercado e individual. As lideranças ganham tempo e espaço para imprimir suas leituras da realidade, tendo na realidade material características próprias de um eterno campo onírico, fluido, harmônico e contagiante. A construção da ideia de harmonia social permite ao hip hop descolar-se da leitura material do processo histórico contraditório transformando o entretenimento na plataforma principal de alienação do público. A linguagem metafórica ligada a uma suposta liberdade poética, mesmo encontrando dificuldades para tal, abriu os caminhos para associar o hip hop ao projeto pequeno burguês da sociedade de consumo. A constante necessidade de ser independente buscada de forma irrefletida incluiu nas pautas da cena o conceito de liberdade, livre dos confrontos que compõem o campo social em disputa. Reagir ao caráter conflituoso e contraditório da realidade, da própria natureza e principalmente do processo ontológico, é encarado como intolerância e demasiado arriscado de se assumir, já que as concepções construídas sob este espectro não dispõem de ferramentas fundamentais a localizar o indivíduo e o ser social no turbilhão dos acontecimentos, limitando a liberdade a formas associativas do poder burocrático. O lazer, portanto, é mais um tempo de consumo onde as relações diplomáticas regem as prioridades do que já fora entendido como cultura de resistência. Por isso é preciso relativizar constantemente a necessidade de se popularizar e politizar as perspectivas, shows e eventos que acontecem diariamente nos espaços públicos. Para sustentar essa posição é preciso acordos entre os que compõem os lugares de prestígio. Esses acordos determinam os rumos, quem é aceito, quem está apto ou não, quem pode ou não ser reconhecido ou dizer algo. Para sustentar essa configuração existe o discurso da profissionalização da cultura, seguro que dessa forma pode fazer parte do sistema e colapsá-lo por dentro. Essa visão funciona como um cartão de visita ao mercado industrial fonográfico e demais ordens de poder burocrático, atestando que a cultura está pronta para ser massificada sob a égide do consumo. A partir dessa perspectiva, as lideranças (que mais tarde se transformarão em dirigentes) se consolidam e têm facilidade para ignorar toda e qualquer crítica que possa enfraquecer o seu projeto político, pois o público continua fiel somente ao que pensa aquele que protagoniza a cena e ocupa determinada posição de destaque. O público, dentro dessa configuração, reflete as necessidades mais ignóbeis da sociedade do espetáculo, atrativa por fora e sombria por dentro. O público é o suporte que garante o consumo das tendências e mercadorias, fetichizadas pelo processo de reprodução do capital.
Além de criar uma relação de dependência e subordinação hierárquica entre artista, mercado e público, cada qual ocupa lugar e função específica na cena obedecendo a uma relação alienada entre os próprios atores. Desejosos de relações livres, os atores que compõem a cena do hip hop têm de enfrentar todas as fases de construção de um ethos cultural, tendo nesse processo não as respostas para nossas questões, mas problemáticas e contradições próprias do campo material em disputa. As injúrias sofridas mediante aceitação às normas passam a compor o hall dos méritos, apresentando-se mediante estatísticas e planos concretos sobre o avanço do hip hop principalmente no que diz respeito à sua inserção mercadológica. Por isso, não necessariamente precisa-se renunciar aos fundamentos das estruturas burocráticas de poder, sendo esses também os anseios de uma suposta maioria. Podemos fazer uma analogia com o que Bourdieu entende por “opinião pública”: resultado de construtos supostamente objetivo e neutro. Temos nesse processo não a participação popular organizada a partir de pautas próprias que promova a cultura hip hop, tampouco a renúncia ao capitalismo e suas formas de poder. Os enunciados emitidos raramente vão nessa direção. O que temos é muito mais uma construção milimetricamente pensada a um segmento que o mercado entende por consumidor como forma a dar vazão às necessidades do capital e de interesses particulares. Quando inserido na ordem da luta social, as referências e representatividades do hip hop situam-se no campo da política representativa pequeno burguesa, orgulhando-se por convencer os donos do poder do valor vendável e flexível da cultura. Tudo isso reforça a impossibilidade de traçar um caminho autenticamente revolucionário. Ao invés disso, “vemos renascer uma forma primitiva de anticapitalismo romântico, facilmente isolável – e até mesmo comercializável – pela ideologia neocapitalista. Reproduz-se assim, numa nova etapa, a mesma duplicidade que caracteriza todo o pensamento imediatista da decadência.” (Carlos Nelson, pág.: 72) O público (ou o que podemos chamar de grande público), por sua vez, se expressa favorável ao processo de mercantilização por não opor-se, estabelecendo um diálogo através de categorias e prioridades semelhantes.
A relação do público com o que lhe é oferecido torna-se uma relação desigual, nem por isso unilateral. Afirma-se, em tom paternalista e cheia de imposições políticas persuasivas dentro do sonho construído ao consumo de ideias, mercadorias, estéticas comportamentos, tudo isso oferecido por uma fração condensada da realidade. Para além de consumidor, o público deve ser obediente, cego aos mandamentos daqueles que se transformaram em líderes da cena do hip hop. O público é ensinado a reagir apenas ao que lhe diz respeito, nunca infringindo seus limites. Isso só foi possível a partir do momento que o hip hop se dividiu em castas, setores diferenciados daqueles que não são artistas ou que não detêm poder de mando. O artista é o único competente, restando ao público posição subalterna no que diz respeito as decisões. O conflito começa a surgir a partir do momento que o público passa a interferir nos rumos da cultura como um todo. O público então deve ser lembrado que o lugar de comando pertence àqueles que ocupam os palcos, programas de rádio e televisão, jornais e demais lugares de destaque. É escusado dizer que esses lugares são construídos exclusivamente à nova casta que agora se forma no rap e no hip hop. Em postagem no facebook, Dropê Comando Selva escreve:
“Os “fans” são uma peça fundamental no movimento/mercado musical, mas quando eles começam a moldar oq acontece dentro desse movimento, e a influenciar demais oq os artistas vao dizer e fazer, a coisa pode ficar perigosa, o artista existe pra surpreender, inovar e nao dar apenas oq as pessoas querem. Até pq no fundo no fundo elas querem ser surpreendidas… Pensa nisso.” (Rio de Janeiro, 13 de abril de 2014)
Para o ambulante cultural, movimento e mercado são categorias idênticas, complementares e livres de antagonismos. Isso é possível a partir das ideias de harmonia social e flexibilidade estabelecidas por relações diplomáticas com interesses políticos bem definidos. Sobre o caráter dessa flexibilidade, diz Sennet:
“Em nossa época a nova economia política trai esse desejo pessoal de liberdade. A repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estruturas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam. (…) O sistema de poder que se esconde nas modernas formas de flexibilidade consiste em três elementos: reinvenção descontínua de instituições, especialização flexível de produção e concentração de poder sem centralização. Os fatos que se encaixam em cada uma dessas categorias são conhecidos da maioria de nós, nenhum mistério. Já avaliar a consequência deles, é mais difícil.” (Sennet, Richard. A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 2011, pág. 54)
A relação dos artistas com o público através do seu principal canal de comunicação, a internet, mais especificamente o facebook, nos diz, entre outros, sobre a flexibilidade discursiva (já que suas posições sobre os fatos afirmam-se em formas superficiais o bastante para soarem neutras, ao mesmo tempo cativantes, persuasivas e agradáveis aos olhares), pesquisa de mercado, venda de produtos, shows, visão de mundo e relações profissionais. Tudo isso através de uma exposição constante e sistemática e muitas vezes banal dos usuários, que serve para sustentar o espetáculo midiático virtual. Essa super-exposição faz com que o artista transformasse momentos particulares de sua vida pessoal em algum tipo de atração a seu público, pois nem sempre basta oferecer suas produções artísticas, há de se expor o máximo possível (é o que eles chamam de “estar presente”). Podem ser pensamentos corriqueiros sobre qualquer fato que está acontecendo no momento, uma nova tatuagem ou pequenas desavenças. Os artistas independentes tornaram-se novos referenciais produtores de informação e opinião. Os fãs são aqueles que, nas redes sociais, sustentam as opiniões dos artistas (seja ele grafiteiro, MC ou produtor), curtindo, compartilhando ou comentando a favor, nunca extrapolando os argumentos centrais emitidos pela fala do artista. Assim, os argumentos nunca se transformam, mas recriam novas formas de poder e domínio. Por isso, a internet tornou-se o melhor canal para legitimar o discurso mais conveniente, pois barreiras invisíveis guardam a fala que se pretende hegemônica. A crítica, portanto, é indesejada e muito pouco praticada. Sobre evitar a crítica, diz Cabes:
“O hip-hop me ensinou mtas lições de vida, e uma delas é a respeitar tudo e todos, não julgar e sim, aceitar as pessoas como são, e através da prática de uma cultura, trazer algo de bom, se possível transformador para o mundo, e se não, pelo menos me comunicar com o mundo ao redor, e a espalhar uma mensagem positiva. (…)Então por favor, críticas não constroem nada, quem constrói é quem tá em ação, em movimento. E pra chegar lá, ou onde quer que seja, você tem q estar em movimento. E que nossa cultura Hip-Hop e o RAP continuem sempre em movimento, pra frente e pra cima, invadindo todos os meios de comunicação possíveis para difundir cada vez mais o que a gente acredita: consciência coletiva, paz, amor, união e diversão.” (Cabes MC – post de 7 de janeiro de 2014)
A relação com o público nesse nível responde à neutralização do caráter de enfrentamento, típico de culturas urbanas de resistência, para cultivar a paz, amor, união e diversão. Observa-se então que o abandono e até mesmo a propaganda contra a crítica abre caminhos para a transformação e ressignificação da cultura a partir do olhar da harmonia, da busca por algo, sem que necessariamente haja conflito para tal. Para além desse panorama, o público deve ser observado em seu aspecto concreto, material, nas ocupações dos espaços da cidade.
As rodas de rima são núcleos que surgiram a partir de uma já movimentada cena em locais principalmente como a Lapa [Rio de Janeiro]. Essas ocupações, hoje, movimentam a cena em níveis locais, o que faz com que cada bairro construa ramos sólidos da cultura a partir da ocupação dos espaços públicos para, assim, compor um todo de diferentes pontos no Estado. Essas ocupações acentuam contradições no hip hop, presentes na privatização da cultura por casas de show e boates. Com o tempo as boates tornaram-se oportunidade de negócio para os próprios organizadores de eventos de rap underground, antes mesmo da existência das rodas culturais de rima. As boates quase sempre servem para promover segmentos que possam oferecer lucro tanto para os proprietários como para os artistas que se dispõem a tal relação. Com o advento das rodas o circuito ganha a possibilidade de ampliar o acesso do público com o hip hop de maneira mais próxima, nem por isso horizontal. As rodas, no entanto, mantêm uma relação dialética com esse contexto, pois ao mesmo tempo que fortalecem uma cena comercial, muitas vezes preparando os que mais se destacam para o mercado, também produzem seu próprio circuito e formas de resistência, pois o fato de se ocupar um espaço público cria automaticamente conflitos com aqueles que entendem a cidade como um campo privado ou reservado para algum segmento em especial. Na verdade esse movimento específico das rodas, ou seja, sua disposição flexível tanto no que diz respeito à construção de uma cena pública presente semanalmente em espaços ocupados quanto à sua disposição e tolerância ao mercado de consumo e demais ordens de poder, é o que a fundamenta e garante a sua permanência e existência política. Esse caráter flexível reflete-se em dois pontos: sua relação com o mercado e interlocução com instâncias de poder do Estado e demais segmentos envolvidos na relação público/cidade. Devido a seu tempo de existência, essas ocupações desenvolvem-se em níveis primários, nem por isso menos complexo. Esse é um panorama geral que nos permite avançar sobre as minúcias das relações políticas existentes nesses espaços, que certamente enriquecerão nossa leitura crítica sobre a realidade material da cena. A condição de existência das rodas, portanto, diz respeito fundamentalmente a relações políticas de poder e domínio, negociações e trocas simbólicas. Essas relações são estabelecidas entre:
• Organizadores / público
• Organizadores / artistas
• Organizadores / Estado
• Público / artista
• Organizadores / empresas e ongs
Sendo que os organizadores situam-se entre:
• Organizadores locais
• Representantes do circuito (CCRP)
• Apoiadores
• Demais representatividades com influência indireta
Os poderes situam-se entre:
• Prefeitura
• Tráfico
• Polícia
• Guarda municipal
• Moradores locais
Por fim, os artistas:
• Grupos de rap
• DJ´s
• MC´s
• Outros
Como podemos notar existe uma grande ênfase sobre aqueles que organizam. Os organizadores, no entanto, tornaram-se dirigentes. Apesar de não apresentarem-se como tal, são eles que detêm as informações e determinações gerais das rodas culturais de rima. Isso se deu principalmente por uma ausência de uma participação popular no que diz respeito às problemáticas gerais da ocupação. Essa relação de poder é sutil, eficaz e determinante aos rumos e disposições das ocupações. Com isso não queremos neutralizar a importância do público no que diz respeito ao seu nível de influência, mas ainda assim, sua posição final encontra-se à mercê de uma estrutura montada para estar acima na hierarquia das relações. O público é composto em sua maioria por jovens de 15 a 20 anos, homens, sendo essa geração a principal consumidora do hip hop. Esse público é importante sustento para a cena. É daí que surgem os improvisadores que vão rimar nas batalhas. São eles também os principais adeptos e disseminadores de ideologias feitas especificamente para este segmento (ideologias como “a rua é noiz”, “um só caminho” e “VVAR” são apenas alguns exemplos). Eles compõem também parcela significativa dos que consomem os produtos vendidos por artistas e empresas. Em seguida temos uma geração de 25 a 30 anos que frequenta esses espaços ocasionalmente mais como uma forma de encontrar velhos amigos, sendo que há também uma parcela significativa que utiliza desses espaços para divulgar seus trabalhos, produções e estabelecer parcerias. Existem os moradores locais que também dão corpo a esse público e que não necessariamente têm envolvimento direto com o hip hop, mas nem por isso deixam de apreciar os eventos. Em muitas rodas, como é o caso da de Vila Isabel, há presença de crianças, pais e idosos. O fato é que cada ocupação respeita suas especificidades locais, seja no que diz respeito ao público ou a relações políticas. No entanto, as ocupações possuem características gerais, típicas e normativas.
A função do público no hip hop não se resume a um caráter meramente passivo, como se este fosse apenas um catalizador para satisfazer necessidades que lhes são alheias. O público é também aquele que negocia e torna a cultura dinâmica e viva. No entanto, dentro da configuração geral que se formou, o público é também agente de valores criados pelo capital, presente nos preceitos básicos da indústria cultural. Isso faz com que ele se estabeleça numa dinâmica onde as relações de poder estipulam os parâmetros da cultura, sendo sua influência também parte do jogo. O público responde a estímulos ao mesmo tempo que os produz. Cria demandas e tendências em simultâneo. Reverencia símbolos e constrói os seus próprios. Sustenta artistas e os abandona.
Sobre o autor
Arthur Moura é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (monografia “Uma Liberdade Chamada Solidão: a formação do rap independente no Rio de Janeiro 1990 – 2013); fazedor de filmes, tendo produzido “As Palavras de um Faminto (2005)”, “De Repente: poetas de rua (2009)”, “Paralelo 14 (2007)”, “Os Presos de Março (2011)”, “Prévia do Amanhã (2012)”, “UTOPIA e cidade (2013)”, “Do Olho ao Avesso (2013)”.