Há uns seis ou sete anos, andando à noite pela Calle del Arenal, em Madrid, surpreendeu-me a suite nº 6 para violoncelo, de Bach, inusitada porque a multidão que por ali passa é mais adepta de ruídos do que de música. Nas noites seguintes lá continuava o mesmo senhor, distinto e ligeiramente triste, tocando as suites para violoncelo de Bach. Começámos a conversar, ele no inglês dele, eu no meu. É arménio, emigrou devido à crise provocada pela dissolução da União Soviética. Sempre que regresso a Madrid e passo pela Calle del Arenal o encontro. Falamos sobre música e sobre as dificuldades de ser músico de rua. Conversamos aos solavancos, porque se não toca não caem moedas na caixa de cartão. Encontrei-o de novo há dias, está com um repertório um pouco alargado, algumas obras de Tchaikovsky além das suites de Bach, e disse que por vezes se junta com outros e formam um quarteto ou um quinteto. «São bons, os outros?». Encolheu os ombros. A amiga que me acompanhava perguntou-lhe se tinha outro ganha-pão. «Tive alunos, agora estão todos em orquestras. Não dou mais aulas». O olhar triste ficou distante. «Eu era professor de violoncelo no conservatório de Yerevan». Passa Palavra