No fim de 2013 fomos surpreendidos com um corte abrupto do financiamento dos projetos de extensão da UNESP [Universidade Estadual Paulista]. Para se ter uma ideia, na UNESP Marília houve um corte de 50% dos projetos financiados. Algo parecido aconteceu na UNESP Bauru: “Só na FEB (Faculdade de Engenharia de Bauru), o corte foi de 60% nas bolsas. Antes, a verba destinada era de R$ 35 mil e, neste ano, baixou para R$ 6 mil”, aponta César Villar, representante do Diretório Acadêmico da FEB na instituição e aluno do 3º ano de engenharia elétrica” (JCnet, 13/05/2014).

A respeito da redução drástica no orçamento voltado para os projetos de extensão da Unesp, cabe aqui apresentar a experiência de um dos autores deste artigo com o projeto intitulado “Economia para o ensino médio”, submetido ao 1º Edital PROEX – UNESP – Projetos de Extensão2013/2014. Esse projeto foi bastante elogiado pelos pareceristas locais (da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca), os quais destacaram algumas virtudes da proposta, tais como: 1ª) “O projeto em questão é de suma importância, não só para a FCHS, mas, e principalmente, para a comunidade francana. Despertar o interesse de alunos, tanto da universidade, quanto da comunidade para a Economia traz bastante vantagens, tanto em nível pessoal, quanto profissional. Além disso, os estudantes podem, ao serem estimulados a estudarem os temas propostos, transmitirem o conteúdo às suas famílias, amigos, etc.” e; 2ª) “Conceitos como PIB, inflação, câmbio, sistema financeiro, crise econômica etc. são centrais para a compreensão do mundo contemporâneo. Torná-los acessíveis a alunos do Ensino Médio é uma iniciativa acertada do coordenador do projeto, pois a ausência destes conteúdos na formação dos jovens dificulta a formulação de juízos embasados e autônomos acerca dos rumos da política nacional e internacional. Trata-se de um projeto que repercute diretamente na cidadania”.

Em que pese o fato de ter recebido pareceres extremamente favoráveis nas instâncias locais, o projeto foi reprovado pelo comitê da Proex, sob alegação de que sua exequibilidade não estava clara. Foi encaminhado um pedido de reconsideração à Proex, apoiado no argumento de que o projeto era claramente exequível, uma vez que o autor da proposta já havia mantido contato com a direção de uma escola pública do município de Franca (o colégio “E.E. Prof.ª Carmem Munhoz Coelho”), a qual se interessou pela proposta. Ademais, já estava montada a equipe do projeto, composta pelo professor-coordenador e por seis alunos de graduação do curso de Serviço Social. A resposta ao pedido de reconsideração dada pelo Comitê do Proex foi a seguinte: “O Projeto foi analisado na sua totalidade e consideramos a proposta muito interessante. Contudo entendemos que o mesmo pode continuar sendo desenvolvido com a população mesmo sem o auxílio do Proex. Esclarecemos também que mesmo projetos de alta relevância social também tiveram bolsas e recursos cortados”.

Independente dos problemas orçamentários que a UNESP e outras universidades públicas vêm sofrendo, salta aos olhos que a atividade de extensão é muito menos valorizada do que a atividade de pesquisa. É público e notório o fato de que os docentes das universidades públicas brasileiras estão pressionados pela política produtivista proveniente das agências de fomento e das próprias universidades em que trabalham. A adesão a essa lógica produtivista é compulsória, haja vista que os professores que não se enquadram ficam fora do circuito de financiamento e correm o risco, inclusive, de sofrer problemas do ponto de vista da progressão na carreira. No extremo, dentro da lógica punitiva da avaliação docente que impera em muitas universidades públicas brasileiras, há o risco de que os professores “improdutivos” sofram sanções, como a supressão do regime especial de trabalho (RDIDP) e seu “rebaixamento” para Regime de Tempo Parcial, ainda que tenham contribuições importantes concernentes à atividade de extensão. Opomos-nos a essa lógica produtivista, seja porque ela suscita uma produção científica “em série”, muitas vezes superficial, repetitiva, incapaz de pensar as grandes questões do Brasil e do mundo, seja porque ela traz prejuízo às atividades de ensino na graduação e na extensão, atividades sabidamente menos valorizadas dentro da lógica produtivista vigente (em que pese sua importância para a formação de quadros e pelo retorno à sociedade). Portanto, a (ir)racionalidade subjacente ao “publicar ou perecer”, mina o tripé ensino-pesquisa-extensão, ao punir o docente que tem importantes contribuições no campo da extensão e uma produção científica tímida.

É preciso reconhecer que esta escolha da reitoria pode fazer parte do projeto de “internacionalização” e do comprometimento do orçamento com salários. Como o leito de Procusto é curto, a reitoria não pode abrigar todas as demandas, pendendo então para um lado. Ao falar de internacionalização a reitoria não está defendendo uma maior aproximação entre o ensino, pesquisa e extensão das Universidades Públicas latino-americanas, mas sim com os “centros de excelência” dos países do Norte, traduções de “papers” para a publicação em revistas internacionais, etc. Para se ter uma ideia, recentemente buscamos recursos para traduzir um artigo para um livro argentino. Para a nossa surpresa, o edital de internacionalização não englobava esta língua, apenas a tradução para o inglês. Ora, se o “cobertor é curto”, não nos parece coerente a política de internacionalização adotada por muitas universidades brasileiras. Seria mais adequado atacar as prioridades, tais como: contratação de docentes e funcionários técnico-administrativos, reforçar a política de permanência estudantil, abandonar a política de arrocho salarial vigente e aumentar os recursos destinados à extensão.

Voltando ao foco do artigo, é preciso deixar claro qual projeto de extensão defendemos e dentro de qual projeto para a América Latina. Destacamos aqui as lutas contra a produção de alimentos envenenados, as lutas a favor da autogestão das fábricas, a construção de habitação popular sem trabalho explorado e com uma nova estética arquitetônica, a luta em defesa da escola pública, do transporte público e da saúde não mercantilizados. Todas estas lutas, dentre inúmeras outras, estão demandando uma outra extensão universitária e consequentemente uma outra pesquisa.

Poderíamos iniciar pelo debate dos paradigmas da revolução verde e da agroecologia. Os pesquisadores da agroecologia denunciam o paradigma da revolução verde, fundamentado em transgênicos, agrotóxicos, grandes propriedades de terra, tratores pesados e exploração dos trabalhadores. E defendem o desenvolvimento de linhas de pesquisa que auxiliem os movimentos sociais do campo na sua luta emancipatória, fundamentada na produção de alimentos saudáveis, na superação do trabalho alienado no campo, na socialização das sementes e numa assistência sociotécnica dialógica. Ao contrário do que muitos acreditam, a agroecologia é bastante complexa e requer muita pesquisa científica realizada junto aos movimentos sociais.

O (re)ssurgimento do movimento cooperativista, associativista e que luta pela desburocratização dos sindicatos também aponta uma nova demanda que a universidade pública deverá enfrentar. Novamente aparecem lemas como a produção de valores de uso, a desmercantilização, o fim da obsolescência planejada e o controle dos meios de produção pelos produtores livremente associados tendo em vista a satisfação das necessidades humanas. O florescimento do trabalho associado vai exigir da universidade muitas pesquisas históricas, sociológicas, tecnológicas, no campo da economia, arquitetura, etc.

No que se refere ao aprimoramento da educação básica, muitas pesquisas e projetos de extensão têm tentado interferir na licenciatura em geral: formação de sociólogos, biólogos, filósofos, historiadores, dentro de um outro paradigma curricular e de formação de intelectuais militantes [1]. Este tipo de inserção “salvacionista”, atuando por dentro da escola pública – num contexto de avanço da destruição da mesma – deve ser destacado como positivo, mas bastante limitado. De qualquer forma, a formação de intelectuais militantes se contrapõe à ideologia das profissões liberais, a famosa “formação para o mercado de trabalho”. Defendemos a formação de intelectuais militantes, tal como apregoava a ala esquerda da Reforma de Córdoba (1918), José Mariátegui e também Florestan Fernandes. A formação de intelectuais militantes implica em compromisso com as lutas do seu tempo e a combinação entre teoria revolucionária e ação revolucionária para a construção de uma nova escola pública e de uma América Latina emancipada.

Numa outra ponta, sem deixar de lado a defesa da escola pública, alguns educadores “apostam” nas iniciativas dos movimentos sociais, em que vigoram princípios como a autogestão da escola e em que os próprios movimentos incumbem-se de controlar o projeto pedagógico, formar seus professores e elaborar o material didático. Esta postura tem levado inúmeros pesquisadores-extensionistas a se aproximarem dos movimentos sociais.

Os exemplos acima mencionados fazem parte da exceção da extensão universitária. O alto clero da comunidade científica só vê como saída para seus impasses uma maior conexão com os grandes circuitos de produção do conhecimento e a proliferação da agenda do “inovacionismo” [2]. Se as empresas “nacionais” não demandam mestres e doutores, as corporações multinacionais muito menos. Questionamos a formação de mestres e doutores para o capital ou para a expansão/reprodução do paradigma do inovacionismo nas universidades públicas. A saída para a crise da extensão da Universidade Pública está numa maior aproximação com a agenda dos movimentos sociais e da produção de bens públicos/valores de uso. Esta extensão universitária demandaria uma outra forma de avaliação da produção científica, para além das Revistas A1, A2, B1 e B2, para além dos quantitativismos da CAPES, do CNPQ, das Planilhas da UNESP que não valorizam a extensão.

Notas

[1] Para este debate, ver o livro “O desafio educacional” de Florestan Fernandes (Editora Autores Associados, 1989).
[2] Ver o capítulo de Renato Dagnino “Começando pela extensão” no Livro “Movimentos Sociais, Trabalho Associado e Educação para além do capital” organizado Rodrigues, Novaes e Batista (Editora Outras Expressões, 2013, vol II).

Henrique T. Novaes (Docente da FFC – UNESP – Marília)
Cassio Garcia Ribeiro (Docente da UNESP – Franca)
Fabiana de Cássia Rodrigues (Profª Substituta da Faculdade de Educação – UNICAMP)

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