Por Henrique T. Novaes, Fabiana Rodrigues e Cassio Garcia Ribeiro

 

Certa vez Frederick Taylor afirmou que sua teoria é universal. No seu livro Princípios da administração científica ele disse que estes servem para a fábrica, para a Igreja, para a escola, para o serviço público, para a casa e tudo mais onde houver pessoas que possam ser submetidas a uma administração “científica”.

Nos anos 1970, houve uma grande ofensiva do capital através da reestruturação produtiva, da ofensiva ideológica, da acumulação por espoliação, da contrarreforma do Estado e da criminalização dos movimentos sociais anticapital com o intuito de retomada da sua hegemonia na sociedade. Os princípios da acumulação flexível passaram a hegemonizar a teoria e a prática das corporações e do Estado capitalista. No Estado brasileiro, passamos então das ondas de “racionalização” (1930-1980), com algumas vitórias republicanas no período 1930-1964, para o tsunami da “racionalização” da gestão escolar e universitária dos anos 1990-2000. Estes princípios englobam a “participação” do trabalhador dando sugestões de melhoria da empresa ou da sua repartição no Estado, o trabalho em equipe, atitudes como ser pró-ativo, interpretar fatos e transformá-los em inovação (em processos e produtos), além da terceirização das atividades, meio para redução de custos da administração “enxuta”. Gostaríamos de destacar nesta breve síntese a difusão destes princípios especialmente nas universidades estaduais e no Ensino Médio do Estado de São Paulo. Tudo leva a crer que eles contribuíram para a criação da “Escola de Liderança e Gestão” da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e do curso de especialização “Gestão Empreendedora” para diretores de escolas públicas no Estado de São Paulo.

Para difundir e aperfeiçoar o paradigma da educação antirrepublicana foi criada a “Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores (EFAP) Paulo Renato de Souza”, tendo como objetivo “reciclar” os conhecimentos de professores, diretores, vice-diretores, supervisores, etc. Algo sintomático das ações da EFAP foi o convênio entre a mesma, a UFF e o SESI para o oferecimento do curso de especialização chamado “Gestão Empreendedora”, voltado para diretores de escolas públicas. Citamos aqui os objetivos do curso para o leitor saber do que estamos falando:

“Geral: a. Contribuir para a formação dos gestores de escolas públicas no uso dos conhecimentos e das ferramentas da gestão educacional, tendo como base o desenvolvimento de condutas empreendedoras.

Específicos: a. Formar gestores educacionais, empreendedores, capazes de intervir de forma criativa e inovadora na gestão escolar, revendo o seu papel de líder da escola, tanto pedagógico quanto administrativo; b. Proporcionar o desenvolvimento de competências em gestão, com ênfase na atitude empreendedora e na inovação, materializada em um percurso curricular integrado e multidisciplinar; c. Oportunizar ao cursista a realização de estudos com flexibilidade, promovendo uma maior adaptação às suas possibilidades e aspirações individuais em relação ao curso, sem que isso prejudique a qualidade acadêmica; d. Produzir conhecimentos em domínios específicos sobre gestão escolar e propiciar sua atualização, com ênfase no desenvolvimento de atitude empreendedora; e. Promover a divulgação e intercâmbio das melhores práticas de gestão empreendedora e inovação aplicada à gestão organizacional escolar”.

Numa rápida visita ao site do curso na UFF é possível perceber o perfil gerencialista dos professores do curso e por consequência o conteúdo conservador das disciplinas. Para nós esta ofensiva ideológica faz parte das novas formas de gestão da força de trabalho docente disseminadas pelo capital. O diretor torna-se um empresário inovador ou gestor escolar. O/a secretário/a de escola torna-se “agente de organização escolar”. O novo dicionário da gestão escolar do capital agora engloba palavras como liderança, eficiência, eficácia, inovação, condutas empreendedoras, flexibilidade, desempenho, dentre tantas outras que invadiram a escola nos últimos anos. Estes cursos de especialização ajudam a aperfeiçoar teórica e praticamente ações já implementadas pelo gerencialismo escolar do Ensino Médio paulista, tal como o princípio do bônus – uma espécie de isca – para os professores das escolas que melhoraram seu “rendimento” na avaliação no SARESP.

Seguindo esta tendência, na Secretaria da Educação temos membros de consultorias como a Mckinsey promovendo uma reforma estrutural na administração central, nos mostrando que é cada vez mais comum a substituição de tecnocratas por consultores na administração central do sistema escolar paulista.

Estas consultorias implementam políticas de “terceirização” das atividades meio, políticas de aumento do “desempenho” dos professores e de criação das condições gerais para a mercadorização da educação, dentre tantas outras ações que não poderemos destacar. Apenas para se ter uma ideia, os trabalhadores que executam os serviços gerais como limpeza, etc. já não pertencem mais aos quadros do serviço público, mas de empresas terceirizadas. O mesmo vale para as universidades estaduais paulistas.

Outra “solução mágica” para o problema educacional paulista é o estímulo direto e indireto a “parcerias” entre escolas e empresas. Não são poucos os relatos de diretores que passam a buscar fundos complementares em empresas, a cobrar o estacionamento, o cafezinho, etc [*]

É preciso reconhecer que uma parte dos diretores passa a cobrar estas taxas não porque querem, mas em função da negligência de investimentos da administração central do sistema escolar dentro de um projeto de desmonte da escola pública.

Num nível acima do sistema escolar básico, a gestão autocrática da UNESP preferiu criar uma “Escola de Liderança e Gestão” ao invés de debater com seus membros soluções democráticas para a resolução dos seus problemas. De acordo com o site da UNESP, a “Escola de Liderança e Gestão” foi criada para:

“formar e capacitar os gestores da UNESP, compartilhar melhores práticas de gestão, analisar as práticas visando aprimorar os processos e melhorar a efetividade da gestão institucional. […] Este projeto teve como pedra fundamental a Oficina de Educação Corporativa.

Gestão Acadêmica
Público-alvo: Diretores, Pró-Reitores, Coordenadores e Assessores da UNESP.
Objetivos: Atualização de conhecimentos sobre o contexto em que está inserida a Universidade pública brasileira e valorizar a importância da gestão estratégica para que a universidade pública atinja suas finalidades.
Temáticas Centrais: A Universidade no mundo global e Estratégias de gestão acadêmica na Universidade Pública Brasileira.

O papel dos Departamentos e seus gestores na Universidade Pública Brasileira
Público-alvo: Chefes dos Departamentos da UNESP.
Objetivos: Atualização dos conhecimentos de gestão acadêmica e liderança; Discussão das habilidades inerentes ao papel Institucional dos Chefes de Departamento; Reflexão das ações estratégicas para a melhoria da gestão na UNESP.
Temáticas Centrais: O papel dos Departamentos na Universidade Pública Brasileira; A arquitetura organizacional da UNESP e suas influências; O papel do Chefe de Departamento: real e esperado; O valor da gestão de mudanças.

O papel do Coordenador de Curso de Graduação na Universidade Pública Brasileira
Público-alvo: Coordenadores de Curso de Graduação
Temáticas Centrais: Diretrizes da Educação Superior; A graduação na UNESP; Princípios fundamentais para avaliação da graduação; O aluno de graduação da UNESP; O Coordenador de Curso de Graduação no papel de Líder; Papel Institucional do Coordenador do Curso de Graduação; e Perspectivas futuras para a Graduação.”

Dentro da mesma tendência ideológica, na Folha de São Paulo do dia 20/06/2011 o senhor Hélio Schwartsman sugeriu no artigo “Ideias para a USP [Universidade de São Paulo]” que as universidades estaduais deveriam “buscar um bom administrador no mercado”. Nos Estados Unidos, já é muito comum as escolas serem administradas pelas corporações (escolas charter), da mesma forma que nas universidades “públicas” administradas por “um bom administrador” obtido no mercado. Na Colômbia, já temos algumas escolas charter. No Brasil já temos escolas charter principalmente em Pernambuco. Em Campinas já temos duas escolas charter e tudo leva a crer que isso se espalhará.

Na Veja do dia 25 de junho o Reitor da USP Marco Antonio Zago ressalta a necessidade de premiações para valorizar a “excelência” dos professores que se destacam, a produção de patentes, os contratos e salários diferenciados como ingredientes da fórmula para quebrar a “mentalidade sindical” e a “estabilidade precoce” dos professores desta universidade.

Como para a coalização política comandada pelo PSDB, para os reitores e para os consultores de Grandes Corporações que controlam a Secretaria da Educação os trabalhadores públicos são “pouco eficientes”, mais uma vez a técnica a ser utilizada para a melhoria do serviço “público” deve vir da “iniciativa privada”, isto é, fórmulas capitalistas de gestão da força de trabalho que levam ao aumento do “engajamento” e do “desempenho” dos professores e – claro – de um arsenal ideológico que captura a subjetividade dos trabalhadores públicos e os faz crer que são empreendedores.

Nota

[*] Estes temas aparecem de forma muito bem abordada no filme “Entre os muros da escola” (Laurent Cantet), como se estivéssemos num shopping que tem que ser lucrativo.

Nota sobre os autores

Henrique T. Novaes é docente da UNESP Marília.
Fabiana Rodrigues é Profª Substituta da Faculdade de Educação – UNICAMP.
Cassio Garcia Ribeiro é docente da UNESP Franca.

As fotografias que ilustram o artigo são de Darren Ketchum.

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1 COMENTÁRIO

  1. Gostaria de narrar uma situação que mostra que a situação da UNESP não é a mais grave, por pior que seja…

    Leciono num curso superior de uma instituição do sistema IF (Institutos Federais de Educação Profissional e Tenológica, os antigos CEFET’s), em algum lugar do Brasil. Ali, o empreendedorismo está no Plano Político-Pedagógico do IF, assim como no Projeto Curricular do meu curso. O atual diretor do centro, considerado de esquerda por muitos, devido a um passado sindical, fez sua Tese de Doutorado sobre o Benchmarking aplicado na avaliação de cursos superiores. No meu curso, os TCC’s são obrigatoriamente realizados em parceria com empresas, assim como muitos projetos feitos em sala de aula. Com isso, professores e alunos são obrigados a prestar serviço para estas empresas. Além disto, as empresas têm direito a um assento nas bancas de avaliação dos TCC’s. Alguns desses trabalhos ocorrem em parcerias com empresas de professores e dos próprios alunos. Quando se estabelece parceria com uma empresa para um projeto curricular semestral, toda a estrutura pedagógica do módulo se adapta às necessidades e cronograma da mesma. Até a equipe de professores é escalada ideologicamente, entre os que defendem abertamente este sistema, para evitar constrangimentos para a empresa e discursos contrários em sala de aula. A apologia durante as aulas beira à lavagem cerebral.

    Enquanto uma minoria percebe o tamanho do problema, a discussão chega no máximo a uma crítica contábil, no sentido de que a empresa está ganhando mais do que os royalties pagos à instituição. Também temos uma Empresa JR. Nossa pedagogia é por competências e por projetos. Avaliamos os alunos por competências técnicas e comportamentais (criatividade, autonomia, liderança, etc.). O utilitarismo e o pragmatismo já tomou conta de tudo e de todos (quase todos…). Inovação é a palavra de ordem. Tudo se tornou negócio, ou quer se tornar. Quem faz discursos antiempresa é perseguido ou desqualificado. Na realidade, no âmbito daquele curso especificamente, sou o único professor que se posiciona abertamente contra tudo isto. Enquanto isto, o sindicato está muito preocupado em combater o “governo neoliberal da Dilma”, enquanto as relações sociais de produção capitalistas dominam nosso cotidiano laboral.

    A terceirização também tomou conta dos serviços básicos. Além de não termos nem restaurante universitário (só uma cantina privada), nem moradia estudantil.

    Além disto, existe uma tendência a tornar obrigatório alguma titulação gestorial (especialização, MBA, Mestrado, Doutorado, etc) para ocupar cargos eletivos e comissionados, como diretor, pró-reitor, etc. Mas isto ainda tem certa polêmica.

    Bem, de cabeça foram os aspectos que me lembrei, mas já não é pouca coisa…

    Meus esforços têm sido no sentido de disseminar uma discussão entre os estudantes do curso, que tem tido algum retorno, mas a coisa ainda está um pouco desorganizada. Mas a luta continua…

    Saudações!

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