Por Mariana Clini Diana

 

CaliColômbia. Os diálogos de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) estão em etapa de discussão sobre o tema de vítimas. Nesta fase, além da guerrilha e do governo, também farão parte 60 vítimas que viajarão a Havana para apresentar propostas. O desafio que ensombra o processo de paz neste momento é saber quais das vítimas estarão cara a cara com a guerrilha.

Em um país onde existem mais de 6 milhões de vítimas do conflito armado, decidir a quem dar voz é uma tarefa complicada. As diferenças entre as vítimas estão principalmente em quem foi o agressor. Muitas sofreram diversos tipos de violência causados não somente pelas FARC, mas também por outros grupos armados e pelo Estado colombiano. Por isso, foi definido pelos organizadores dos diálogos de paz que todos devem ser incluídos neste processo, não somente os que sofreram violência com as FARC.

“Separar as vítimas por vitimários não nos parece compatível com o fim de apoiar um processo que leva à reconciliação e ao entendimento”, enfatiza Fabrizio Hochschild, coordenador da ONU Colômbia.

Com a intenção de incluir o máximo de pessoas nesta etapa, a Universidade Nacional da Colômbia e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realizaram fóruns com as vítimas nos meses de julho e agosto. Participaram mais de 1500 vítimas, com o objetivo de consolidar propostas de ressarcimento, além de constituir um espaço para o reconhecimento dos direitos e dignidade dos que sofreram com o conflito armado colombiano. Porém, um embate entre os próprios participantes mostrou que muitos não estão de acordo sobre quem deve ter voz na hora de expor as propostas em Havana.

“Não é um processo de paz com as FARC, é um processo de paz para terminar com o conflito armado colombiano”, explica Alejo Vargas, professor da Universidade Nacional e organizador dos Fóruns de Vítimas.

Esta decisão não foi bem aceita entre as vítimas das FARC, que acreditam que deve participar nos diálogos de paz somente quem foi atingido diretamente por este grupo armado.

“Que seja vítima de verdade. Que não vá uma pessoa que não tenha conhecimento do que é uma guerra”, protesta Jose, que se apresentou com um nome fictício. Ele relata que, por causa das FARC, foi psicologicamente afetado pelas bombas e minas que açoitavam a sua região, no departamento de Magdalena.

“Somos nós que devemos conversar com eles (FARC), para que digam a verdade e nos peçam perdão”, manifesta Juan Carlos, que também não quis revelar seu verdadeiro nome. Apesar de ter seu pai assassinado pelas FARC nos anos 90, ele enfatiza que estaria pronto para perdoar os responsáveis: “se não existe perdão, seguiremos em guerra”.

Por outro lado, as vítimas de outros grupos guerrilheiros e paramilitares defendem que todos que vivenciaram o conflito têm o direito de participar.

“Não são somente as FARC, existem muitas outras formas de violência”, enfatiza a transexual Michel Vasquez Higuera, membro da organização Transpopulares, que dá apoio a transexuais vítimas do conflito armado e de exclusão social. Ela protesta que também se sente vítima e por isso também quer fazer parte dos diálogos de paz, e acrescenta que “não é possível buscar uma paz se a sociedade não aceita as diferenças”.

Um fator que dificulta a categorização entre uma vítima e outra é que muitos colombianos sofreram violências por mais de um tipo de agressor. Gilma Pineda é um exemplo de vítima que vivenciou muitos tipos de hostilidades, por mais de um grupo armado.

“Se estamos pensando na paz, não devemos pensar em guerrilha, em paramilitares, nem nada disso. Queremos a paz para todos, para eles (grupos armados) e para todo mundo, e seguir adiante com nossas vidas”, suplica Pineda, que foi agredida sexualmente, perdeu seu irmão e depois seu esposo assassinados. Para preservar sua vida e de seus filhos, foi obrigada a se mudar para Bogotá.

Os diálogos de paz com as FARC se iniciaram em outubro de 2012, e já está em discussão o quarto ponto dentro de um conjunto de seis. Conta com a participação de Cuba e Noruega como observadores e Venezuela e Chile como países acompanhantes.

Pela primeira vez na história da Colômbia as vítimas do conflito participam de um processo de paz com a guerrilha mais antiga da América Latina. Apesar de discordarem sobre quem deve participar em Havana, as vítimas possuem o sofrimento em comum. Muitos estão ameaçados e por isso não sentem confiança em contar suas histórias facilmente. Por outro lado, também demonstram o desejo de serem ouvidos e compreendidos em um país que muitas vezes os ignorou. Ir a Havana é uma oportunidade de serem escutados, não somente pelas autoridades colombianas, mas também pelo mundo.

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