Por Amanda Calabria
“É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca,
Ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos
transforma. Somente o sujeito da experiência está,
portanto, aberto à sua própria transformação.”
Larrosa Bondía
O texto que se segue não pretende ser um manual para quem deseja construir relações amorosas não monogâmicas – relação alguma funciona a partir de uma espécie de guia. O ensaio tem por objetivo compartilhar uma breve reflexão sobre relacionamentos livres que não se encerra em si, longe está de se esgotar sobre o assunto e é fruto de experiências pessoais e trocas com pessoas próximas que também buscam vivenciar aquilo em que se acredita, além de ser consequente da reflexão dos estudos libertários a respeito.
A motivação da escrita se deu por algumas razões. Inicialmente a nível de um esclarecimento pessoal, depois porque muitos dos textos a respeito não satisfazem meu entendimento sobre “teoria” e “práxis”. Ou trazem concepções calcadas no amor neoliberal, patriarcal e capitalista, ou reproduzem discursos aparentemente libertários mas com fortes raízes heteronormativas, ou ainda falam do amor livre de maneira tão utópica e idealista que me parece descolado da prática e da compreensão da dominação patriarcal e da relação de poder entre gêneros. Há algum tempo queria escrever a respeito, mas só agora me sinto segura por conta da vivência construída, do acúmulo de afetos, casos e situações e das consequentes resoluções de conflitos.
Pelo entendimento mais holístico de “amor livre” podemos dizer que é uma forma de se relacionar horizontalmente com uma, duas ou mais pessoas se pautando por sentimentos como afetividade, solidariedade e comprometimento ético. A feminista e libertária Maria Lacerda de Moura falava de “amor diversão”, “amizade amorosa” e “amor plural” como momentos de educação do homem e da mulher para conquistarem a “possibilidade de amar”. Amor livre ou plural é uma forma de se relacionar contra hegemônica que questiona os modelos de relação patriarcais e capitalistas, não se definindo por um modelo específico de amor. As relações se pautam justamente pela liberdade e experimentação de acordo com os afetos e anseios dos envolvidos. O amor livre, sobretudo, escapa às categorias.
Gostaria, ainda, de deixar claro que não me atenho aos conceitos, teorias e categorizações de relações não monogâmicas comumente conhecidas, tal como “relações abertas”, “relações livres” e “poliamor”, pois temo que as conceituações com seus “acordos” estabelecidos às vezes levam mais ao engessamento as relações. Além do fato da suposta racionalidade que atravessa a “autonomia sexual” e “autonomia emocional” me parecer distanciada de uma prática sincera e coerente. Mas não tenho intenção de deslegitimar aqueles que se pautam e se organizam pelos conceitos mencionados acima. Ative-me, contudo, ao “amor livre” pela abrangência do termo a um campo maior de formas de relações amorosas e por ter sido a primeira reivindicação de experiência amorosa contra-hegemônica no seio da cultura libertária, quando também despontaram as primeiras reivindicações feministas contra o casamento burguês, a opressão machista e contra a moral sexual e seus códigos sociais.
Larrosa Bondía nos fala que algo só é apreendido se vivenciado, se passado pela experiência. Entendendo por experiência aquilo que acontece aos sujeitos, o que “nos passa” e “nos toca”; só assim somos capazes de atribuir significado e ter compreensão real de algo. Para Bondía o sujeito só se permite à experiência se está receptivo e disponível, se está “exposto” ao perigo, à vulnerabilidade e ao novo. Bem, sobre esse papo de amor livre, creio ser importante não descolar “teoria” e prática. E é sobre essa experiência que descreve Bondía a que nos referimos no presente ensaio, com todos os riscos e gozos, mas também com possibilidades de profunda transformação e aprendizado.
Sabemos que muitos homens sonham com essa história de relações não monogâmicas. Bem, alguns libertários e tantas mulheres também. Mas para construir todo sonho é preciso pés no chão. Não vejo amor livre horizontal sem uma caminhada séria e comprometida eticamente com o outro. A fetichização e idealização do amor livre numa teoria muito bem construída gera frustrações e sofrimentos se ignorada uma série de constructos sociais, culturais, históricos e políticos que perpassam as relações. Vivenciar o amor livre é estar sempre num processo de experimentação, amor livre é caminhada, estrada longa a ser percorrida, pois nunca se “está lá” no fim ideal. O devir e as intempéries da vida não nos deixam estáveis por muito tempo e “vira e mexe” as relações entram em crise e em reformulação, tendo os amantes que reconstruir e traçar novos acordos.
Penso que nessa busca partimos, na maioria das vezes, de um desejo no qual nossos anseios individuais possam ser respeitados. Também almejamos ver os pares livres, embora isso não seja tão claro. Muitos buscam relações sinceras e harmônicas. Mas, na prática, não há relação sincera se não somamos os anseios com uma busca constante por uma série de desconstruções. Desconstrução do ideal de amor neoliberal, que é o que se “encontra nas prateleiras”, que se pauta pela lógica de completa objetificação do outro – alvo de constantes desejos nunca saciáveis de relações superficiais – e, por isso, o outro é sempre descartado e substituído por um novo fetiche ou uma nova aspiração, como uma mercadoria, usada e descartada. Desconstrução do amor burguês romântico baseado na ideia de família nuclear, essa por vez fundamentada no sentimento de posse e propriedade do outro e numa busca inalcançável e sem sucesso pela complementaridade (sempre frustrada) que condena ainda as práticas amorosas extra-conjugais. E ainda a, talvez, mais difícil desconstrução: a mentalidade patriarcal que atravessa os relacionamentos. E isso é um esforço, principalmente, levado a cabo pelo parceiro do gênero masculino (se é uma relação que envolva um homem cis) que deve se empenhar cotidianamente por romper com o machismo do qual ele não está isento (por mais “feminista” e libertário que seja), romper com os seus condicionamentos e suas formações sociais e reconhecer seu privilégio e seu papel histórico-social nas relações.
É muito fácil fazer apologia do amor livre e condenar a monogamia, o patriarcado e o ciúme ferrenhamente eximindo o homem da reprodução de práticas machistas e culpabilizando a mulher pelo ciúme e a insegurança sentidas, advindas do mito do amor romântico – o qual a mulher foi estimulada a sentir e a buscar desde que ganhou sua primeira “Barbie” e “Ken” ou escutou seu primeiro conto de história romântico. É muito fácil desejar amor livre e não considerar que os homens, desde a infância, mas objetiva e enfaticamente desde a puberdade, são estimulados a se relacionarem livremente com seus órgãos sexuais e que é inculcado igualmente em seu imaginário a necessidade de se ter relações sexuais sem qualquer peso moral. Que os homens são notoriamente compreendidos se possuem mais parceiras sexuais, ou não são repreendidos e categorizados por isso. Que os homens não precisam de uma mulher para serem livres, independentes e “bem sucedidos”. Ou que não precisam de uma “mulher salvadora” para tirá-los da casa de seus pais. E, por fim, que eles são estimulados a sentirem desejos sexuais por mais de uma parceira, e isso é motivo de muito prestígio e poder no ethos em que se inserem. É muito fácil.
Seria ridículo dizer que nós, mulheres, vivemos desde a infância tudo isso às avessas? Que vivemos desde a infância na bolha da “casinha de bonecas” cheias de inseguranças e que só nosso “macho salvador”, príncipe encantado, pode garantir a estabilidade e segurança que precisamos para a vida adulta? Que somos consideradas o sexo frágil? Que a nossa sexualidade é reprimida e que mal conhecemos nossas genitálias pois elas sempre foram condenadas? Que somos taxadas de “vagabundas” ao nos relacionarmos com mais de um parceiro? Que a cultura do estupro vem nos culpar quando somos violentadas? Que somos criminalizadas se não levamos a cabo uma gravidez? E que o índice de homicídio de mulheres por seus parceiros sexuais, sobretudo, por considerá-las como propriedades suas, é altíssimo? Bem, acho que isso e muito mais nós, mulheres, estamos cansadas de saber.
O fato é que não dá para falarmos de amor livre senão levamos em conta o universo de dominação e violência masculina no qual estamos inseridas e submetidas pela nossa condição de nascer e nos tornarmos mulheres na sociedade patriarcal. E, mesmo tendo noção de tudo isso, pois somos exímias(os) militantes, desconstruir essas premissas naturalizadas a dois (ou a três e quatro) na prática é difícil, árduo e não menos doloroso. O amor livre, assim como toda construção não hegemônica, para ser construído dói. Por outro lado, vivenciar uma relação sincera com si próprio e com o outro é extremamente prazeroso, amoroso e transformador.
Ao considerarmos todos os aspectos necessários de se reestruturar na relação, penso que é egoísta somente condenar o ciúme e os ciumentos, as fraquezas e inseguranças sentidas numa relação plural. É preciso assumir inicialmente nossos lugares sociais, reconhecer os nossos anseios e de nossos parceiros mais profundos e caminhar se transformando e se descontruindo, ajudando o outro cotidianamente a lidar melhor com as sensações.
Os homens têm ainda trabalho dobrado. Se realmente comprometidos a vivenciar o amor livre, não devem temer a desconstrução de seu “machismo sagrado” em todos os aspectos quando colocadas em xeque as posições privilegiadas que ocupam. Muito menos se apavorarem com suas parceiras quando elas passam a, cheias de si, conquistar a autonomia que a vida inteira elas não tiveram, o que, com muita certeza, irá fazê-las rever o espaço que ocupam os homens em suas vidas até então.
Atento também que para a construção de amores livres ser possível é de suma importância dialogar com o outro sobre os afetos. Tenho para mim que o diálogo sincero é a chave para a construção de toda relação. Não que se tenha que contar tudo ao outro, cada relação deve ter o seu “acordo” estabelecido, que não é rígido e firme. Os acordos devem ser feitos e refeitos a partir dos sentimentos e desejos que surgem entre os pares, pois estamos suscetíveis a todo momento a nos depararmos com uma nova situação e um novo sentimento. E assim, as relações vão tecendo combinados diferentes. O amor livre jamais pode ser “Sou livre e faço o que quero”; esse discurso mais se assemelha a uma perspectiva individualista neoliberal, na qual os anseios do individuo são postos em prática a todo custo, o que causa, possivelmente, dor, angústia e insegurança no outro.
A minha experiência me transforma dia-a-dia. No meu caminhar ainda trôpego experiencio o ciúme, a insegurança e todos esses afetos considerados “mal vistos” pelos amorosos pluralistas que são inevitáveis na interação com outras pessoas, direta ou indiretamente.
Meus bons três anos de amor plural me fizeram crer que a horizontalidade das relações, que o sentimento de se sentir responsável pelos laços criados e a sinceridade no diálogo é a chave para uma vida de amores múltiplos harmônica. Que mesmo que se tenha um companheiro fixo nem por isso se deve negligenciar o cuidado com os outros parceiros amorosos e sexuais, uma vez que o cuidado, o respeito e a amizade são potencialmente aliados. (Descobri que é maravilhoso aliar a amizade, aproximando-a do “sexo” e do “amor”, afim de se estabelecerem laços de troca e respeito entre os parceiros. Mas, bem, essa também é uma construção longa e cautelosa.)
Penso, sobretudo, que é possível tecer redes de amor livre e fortalecê-las sempre se fundamentando em uma cumplicidade ética com outro. Amor não se divide, se soma, se multiplica. E quando nos relacionamos, nos comprometemos com o outro – o que, contrariando o amor neoliberal, comprometimento não é ruim, é cuidado, é laço criado, é se tornar responsável pelas suas ações.
As três primeiras ilustrações reproduzem obras de Lucian Freud e a última, de Stanley Spencer.
Aliar a discussão sobre amor livre ao feminismo é essencial. É lugar comum, ver companheiras da esquerda serem subjugadas por seus companheiros sob a ideia de que se vive um amor livre, quando, na verdade, a relação está dentro da mesma lógica de homem pertencedor do espaço público e desejoso e mulher pertencedora da esfera privada, aquela que é cuidadora e que tem sua autonomia restringida e cerceada a todo momento.
Além disso, sob o discurso de amor livre, é comum ver “compas” da esquerda tratarem o sexo como mercado, sob a mesma lógica capitalista, endossando, inclusive as fileiras da indústria pornográfica.
Parabéns pelo texto. Achei a passagem abaixo de extrema importância. E, fico no aguardo do dia em que se reveja privilégios, relações de poder e hierarquias próprias do sistema capitalista nas relações afetivas.
“O amor livre jamais pode ser “Sou livre e faço o que quero”; esse discurso mais se assemelha a uma perspectiva individualista neoliberal, na qual os anseios do individuo são postos em prática a todo custo, o que causa, possivelmente, dor, angústia e insegurança no outro.”
O PassaPalavra teve a coragem de publicar textos sobre assuntos silenciados. Agora falta o texto sobre suicídio e sofrimento mental na esquerda.
Maria,
Mas sobre esse assunto poderá alguma vez existir um texto melhor do que aquele longo uivo que Ginsberg lançou há já quase sessenta anos?
Se você compreende inglês, tem aqui o poema Howl:
http://www.poetryfoundation.org/poem/179381
Se não, encontrei na internet uma tentativa de tradução, possivelmente há outras.
http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=246344
Eu tive uma experiência prática de relacionamento aberto que foi trágica. Talvez eu escreva sobre o tema um dia. Penso que tem que haver pouco envolvimento afetivo para que um coletivo amoroso se instale.
Maria, talvez eu tenha sido um pouco irônico demais na minha resposta ao teu comentário no post do Dossiê “Feminismo”, ao tentar externar meu ceticismo com relação à produção teórica a respeito dos aspectos subjetivos do amor (mas também da loucura).
Aproveito então agora para traçar 2 breves comentários mais construtivos: ainda que eu seja cético como dito acima, fico feliz que mais mulheres tenham a iniciativa de pensar sobre os relacionamentos e que tenham cada vez mais iniciativa própria no momento de se engajar amorosamente com seus ou suas parceiras, pois não é de todo incomum que as relações homossexuais reproduzam modelos sociais que gostamos de nomear como “heteronormativos”.
Já com relação à coragem, creio que todo o crédito vai para a corajosa Amanda, e não para o PassaPalavra. Talvez você não tenha clareza sobre isso, mas basta que alguém escreva algo e que seja enviado para publicação. Precisamos de muitas mais Amandas que se empoderem no exercício de pensar, escrever e publicar suas ideias. Se você acompanha este blog verá que ele é aberto a contribuições das mais diversas e que nem sempre os textos tem de estar perfeitamente “alinhados” com as posições do coletivo. Se existem assuntos silenciados na esquerda se deve muito mais à falta de mentes dispostas a escrever do que de espaço para publicação.
A libido é plúrima, posto que saudável.
BEamongTWEEN desejo e gozo, há bem mais errância do que pode supor qualquer vã filosofia…
Curioso que na cabeça da Camila só existam homens dominadores e nunca mulheres. Mais curioso ainda é que não exista dominação, por exemplo, de mulher contra mulher ou de homem contra homem, em relações homossexuais.
Até as novelas da Globo estão mais adiantadas na análise dos relacionamentos. Quanta limitação!
Caro Pseudônimo, me desculpe, mas limitada eu não sou não. Dizer que novelas da Globo são mais avançadas de que minhas colocações é uma provocação sem lugar, meu caro. Talvez provocação essa com intencionalidade de não colocar o debate, mas de atacar a mim, não? Por que será? Alguma razão em específico?
O texto da Amanda, belo, por sinal, coloca a questão do amor livre e dos problemas relacionados ao machismo dentro no amor liberto, a partir de uma análise de uma relação heteronormativa e é com esse texto que estou dialogando, meu caro.
Acho que podemos sim, ampliar o debate. Aliás, faço a você a mesma recomendação que o Lucas fez à Maria: escreva um texto sobre dominação de mulheres sobre homens ou um sobre dominação em relações homossexuais, quem sabe aí eu não entro no debate com você sobre isso e coloque minhas posições e questões.
Mas, ao invés de me atacar, convido você a debater o texto da Amanda, a pensar o amor livre e os problemas concernentes à essa proposta de relacionamento aliadas ao machismo, à objetificação do outro, à mercantilização das relações, ao individualismo neoliberal e a como pensar como trabalhar uma relação horizontal.
Abraços
Camila,
concordo com o comentário do Pseudonimo.
A sua resposta a ele demonstra o ‘x’ da questão, quando vc diz para ele escrever sobre dominação de mulheres sobre homens. Pelo que entendi o que o Pseudonimo levantou foi justamente isso: colocar gênero nessa discussão não faz sentido, pois as assimetrias de poder em relacionamentos afetivos ocorrem independente dos gêneros envolvidos.
Impressiona que tudo seja dividido em guerra se sexos, quando simplesmente se trata de relações de poder entre pessoas e não de um gênero sobre outro. Ou você acha que o “faço o que eu quero e foda-se o resto” do tal ‘amor neoliberal’ (normalmente camuflado de ‘amor livre’) é atitude só de homens e heterossexuais? Minha percepção, pelo contrário, tenderia a me fazer acreditar que esse tipo de atitude é até mais comum em mulheres em relacionamentos ‘abertos’, até pela maior facilidade das mulheres em geral levarem esse tipo de atitude adiante na prática.
Primeiro gostaria de parabenizar a autora pelo assunto abordado e a investigação iniciada. É muito raro encontrar algo sobre esse assunto tão relevante para nossa evolução. No entanto gostaria de dizer que, a meu ver, se abordou pouco a raiz do que, de fato, gera seres humanos se relacionando por meio do “controle” e aprisionando uns aos outros, seja em qualquer tipo de relacionamento onde houver autoridades, leis, confusão entre desejos e necessidades.
“Sabemos que muitos homens sonham com essa história de relações não monogâmicas. (…) Mas para construir todo sonho é preciso pés no chão”. Não existe nenhuma possibilidade de se chegar a algum lugar com esse assunto sem se falar em “egopercepção”, expressão que prefiro usar no lugar de “autoconhecimento”. Uma vez desconhecendo a estrutura do EGO – raiz de todos os desentendimentos, todas as discórdias, todas as distorções que infligem sofrimento físico ou psicológico – não poderemos viver em harmonia neste mundo. A Verdade se revela apenas quando a ilusão termina, e esta só termina quando a compreendemos, e não quando fugimos dela. Sofrimento é basicamente sintoma de uma ilusão. Como saber o que é real, se não conhecermos os mecanismos da ilusão? A ilusão do “eu” se disfarça de realidade e dela se originam todas as distorções que se tornaram costumes e condicionamentos em nossa cultura. “O universo de dominação e violência (independente de gêneros e sexos) no qual estamos inseridos e submetidos pela nossa condição de nascer e nos tornarmos escravos” é apenas sintoma de nossa inconsciência da estrutura padrão de funcionamento deste fenômeno da mente humana. Nesse sentido é necessário sair da zona de conforto e investigar o novo, romper condicionamentos. Mas “o sujeito só se permite à experiência se está receptivo e disponível, se está ‘exposto’ ao perigo, à vulnerabilidade e ao novo”.
Existem tipos de relacionamentos? Ou apenas nos relacionamos? Não seríamos nós é que criamos rótulos, conceitos e nos aprisionamos a eles e sentimos necessidade de enquadrar os “estranhos” em algum destes estereótipos ou criarmos um novo conceito para ser seguido e aplicado? Se for “Amor”, por que precisaríamos da palavra “livre” para reforçar a direção apontada? Oras, existe Amor que não seja livre? Se há algum tipo de prisão, não deveríamos pressupor, automaticamente, que não há Amor? Talvez, se não há liberdade, está mais do que claro que não há Amor, e sim, uma ilusão, uma experiência que está sendo julgada como “Amor”, mas que está longe disto. Quando aponto para a liberdade, não me refiro à “liberdade de atitudes”, muito menos à “libertinagem” de sair por aí “pegando todas e todos”. Afinal de contas, “O amor livre jamais pode ser ‘Sou livre e faço o que quero’; esse discurso mais se assemelha a uma perspectiva individualista (…) o que causa, possivelmente, dor, angústia e insegurança”. Na verdade me refiro à “liberdade de espírito”, a verdadeira e única liberdade que é o desapego da ilusão do ego, e que se expressa naturalmente em nossas atitudes como o fim de qualquer atrito, qualquer distorção da realidade que cause sofrimento em todos os níveis e intensidades. Controle, ciúme, desejo compulsivo, culpa, medo, inveja, ira, comparação, reação, dificuldade de escutar, necessidade de estar sempre certo e de concluir, definir e classificar (aprisionar) tudo em categorias, imagens, conceitos, estereótipos, dentre outras características, fazem parte da estrutura do ego, presentes em qualquer ser humano, que normalmente está inconsciente deste movimento dentro de si mesmo. Não compreendemos a loucura de nossa civilização, pois nos acostumamos a ela. A autora diz que “Vivenciar o amor livre é estar sempre num processo de experimentação”. Eu diria que “Viver”, por si só, é estar sempre num processo de experimentação. Nós é que tendemos a aprisionar tudo em conceitos e segui-los. Como sermos “livres” sem compreender a estrutura daquilo que nos impede de ser, e que opera dentro de nós, e gera emoções e sentimentos que se manifestam em atitudes egoístas, colonizadoras, controladoras, autoritárias, possessivas? Como sabermos quando estamos sentindo Amor? O que nos tem dado certeza para dizer “estou amando”? Existem sofrimentos e acordos quando se está amando? Ou amar (de verdade) é justamente o fim do sofrimento e por si só, é incondicional, ou seja, não demanda acordos? Sim, “o diálogo sincero é a chave para a construção de toda relação”, mas uma coisa é certa: onde há Amor, não se fazem necessários acordos, pois Amor é uma linguagem UNIVERSAL, que para se expressar, só precisamos sentir, e não, “entender”.
Enfim, quem ama, de verdade, não está caçando, não está num movimento de desejar intensamente obter novos prazeres, novas conquistas, nem tirar disto seu senso de identidade e de bem estar, nem confundir tal descontrole com uma necessidade, mas está aproveitando o que a vida lhe oferece, sem trair ninguém. Tudo ocorre de forma natural, sem esse “eu quero mais” que vem do ego. No entanto, quem ainda não experiencia Amor, e sim, a ilusão do controle sobre o outro, sente-se traído (a) pela liberdade de seu parceiro. Não compreende ainda que “Amar” não é querer para si, num ato de tentar se completar com aquilo, aquele ou aquela, mas é estar inteiro sempre e desfrutar do momento presente, relacionando-se com o estímulo, e não, o que pensamos e conceitualizamos sobre ele.
Não fui breve, mas será que fui à raiz?
E como fica a propriedade material e compartilhamento de bens no amor live? No monogâmico há o famoso “juntar os trapos” e, se for rico o suficiente, posteriormente a herança. E no relacionamento do amor livre, a propriedade privada continua ou é compartilhada com cada afeto? O amor livre que se sustenta na “não propriedade de indivíduos” não seria ele próprio a “neoliberalização” das relações?
Camila,
Olho esses comentários enormes e fico pensando qual a razão disso tudo para ostentar uma mentira?
Os chamados libertários possuem uma postura da porta pra fora e outra da porta pra dentro, e você sabe disso. Essa questão dos relacionamentos é um dos fatores mais presentes na dissolução de coletivos. Camaradas que lutavam juntos passam a se odiar. É um fracasso total. Por todo canto só houve destruição. A questão é que você quer culpar apenas os homens quando sabe que há muitos casos de mulheres e homos que deram problema. Alguém deixava de ficar com alguém e iniciava o ciúmes, as fofocas, a sabotagem, as discussões e, por fim, o ódio. Um ódio brutal.
Há casos de pessoas que são perseguidas por anos. Sabotadas, vilipendiadas. Coletivizar uma buceta, um pau, um cu não é tão simples como coletivizar uma panela de arroz, ou a salada do dia.
O tal do amor libertário é só tragédia com mais tragédia. São homens possessivos, mulheres possessivas, homos possessivos. Um fracasso sem gênero específico.
A força de "Amores Plurais" reside em dois pilares: em primeiro lugar, a reflexão não está circunscrita ao campo teórico, adotado com pertinência pela autora; é resultado de um processo de experimentação. É a vivência de Amanda que lhe permite concluir, a cerca do amor, que este pode ser multiplicado e libertado - neste sentido, a sua vida é o seu "laboratório", o que nos remete ao segundo pilar do texto: a coragem de abordar o tema com a clareza exigida, com maturidade e consistência. Trata-se, afinal, do que há de mais humano ( demasiado humano ) em nós e que muitas outras mulheres relegaram à contenção.
Algo que esqueci de dizer:
Existem fatores econômicos e estéticos a dividir os grupos amorosos. Os militantes mais feios são secundarizados, os mais pobres não entram na trepação da turma de classe média. Um deficiente físico vai passar a militância toda sem se envolver com ninguém. Enfim, a mesma hierarquia. Os mais bonitos, classe média e simpáticos conseguem mais relacionamentos enquanto outros ficam no limbo.
Nada muda. É suruba apenas como qualquer outra e pegação como qualquer outro. Há ainda os padrões morais que definem quem pode ser aceito ou não. Transformar um grupo de luta social num grupo amoroso só traz prejuízos. Ainda mais no Brasil onde a predileção da esquerda é devorar a esquerda.
Por que será que você é “atacada” heim Camila? Agora, se alguém diz que o livro de uma autor é limitado, isto é visto como ataque. Espero que não chame a polícia para os que discordem de você.
A questão é que você aproveitou o debate para colocar seu ponto de vista misândrico apontando apenas os homens como opressores. Como sou homem e não pretendo ser vitimado, tenho que me defender. E apenas disse que o problema da possessão e das relações de poder nos relacionamentos não tem sexo. Conheci lésbicas opressoras, homens opressores, gays opressores, mulheres opressoras. E quando afirmei sobre a Globo é que nas suas novelas ela tem mostrado justamente gays opressores, coisa que você oculta ou não consegue ver em teu discurso misândrico.
Olha só, a discussão está crescendo e a polêmica também. Vamos lá, tentar ao menos, responder partes das provocações:
Pseudônimo II – Eu não acho que as assimetrias nos relacionamentos independam dos gêneros, visto que eu parto de uma perspectiva de uma relação assimétrica histórica, entre homens e mulheres. E não trato isso como “guerra dos sexos”, mas como machismo.
Agora, digo isso, dentro de um espectro amplo e, isso não quer dizer que, ao colocar que, culturalmente, muitos homens da esquerda utilizam teoricamente o “amor livre”, mas que se pautam em práticas das mais tradicionais e opressoras, que nego a existência de sexismo entre mulheres e nas relações homossexuais.
Talvez suas experiências te levem a ver sobre outra ótica, as minhas me levam a ver o contrário.
Coloquial – Não é uma questão de “culpar” os homens, mesmo porque a culpa é um sentimento bem dentro de um tradicionalismo cristão, e não estou dialogando dentro dessa perspectiva. Estou partindo de uma análise que tem um lugar teórico e que fica claro quando escrevo.
Agora, eu concordo com você, quando expõe sobre os fatores estéticos (que, aliás são bem dentro dos padrões estéticos do capitalismo) e sobre o “amor livre” ter seu lugar entre a classe média. Eu, pelo menos, nunca observei a prática do “amor livre” de forma filosófica, discursiva e prática entre a classe trabalhadora iletrada. O que reside entre esses sujeitos é a prática tradicional de relacionamento, com as traições e os “talaricos” da vida.
Agora sobre amor livre ser tragédia, eu já não sei, mas acredito que os relacionamentos pautados no amor livre, que são saudáveis, são exceção à regra.
Pseudônimo – Eu não vou chamar a polícia, não. Eu só discordo inteiramente da sua forma de expor suas colocações contrárias. Sinceramente, as considero fora de lugar, quase uma “histeria”. Eu, como coloquei acima, não nego que homossexuais tragam para suas relações posse, opressão e formas de se relacionar pautadas em padrões machistas, assim como não nego que existam mulheres que reproduzam machismos em suas relações. Que fique claro: jogar luz sobre um determinado aspecto não quer dizer que estou negando os outros, se assim fosse, eu deixaria claro a minha negação.
E já deixo claro que não, não estou dentro do grupo misândrico, assim como não sou leitora assídua de Valérie Solanas, nem concordo com ela, nem acredito no escracho como forma de luta.
É como eu disse: escrevam sobre esses temas. É uma provocação, mas uma provocação no sentido produtivo. Oras, pautem essas questões de forma teórica. Escrevam sobre a opressão de mulheres sobre os homens nos relacionamentos, exponham a opressão existente dentro dos relacionamentos homoafetivos, ao invés de ficarem achando que minhas colocações que tenham que necessariamente abordarem esses temas, senão sou considerada uma “feminista radical que come o tal Manifesto Scum”.
Espero nos próximos posts podermos discutir o texto da Amanda de forma mais pormenorizada.
Abraços,
Camila,
ame-o e deixe-o livre para amar. Sai dessa de querer ser superintendente dos relacionamentos alheios.
https://www.youtube.com/watch?v=-jiFNDgqNYA
Maluco beleza, esperamos o dia que não só não existam superintendentes dos relacionamentos alheios, mas que nos relacionamentos não exista sabotagem do outro, anulação, submissão e vigilância e que as pessoas sejam realmente livres – juntas, posto que liberdade individual é marco do individualismo.
Essa música é linda e traduz o ideal do que muitos discursos de “amor livre” não conseguem colocar na prática.
Que se teçam nas práticas os discursos, como bem colocou a Amanda nesse trecho:
“Os acordos devem ser feitos e refeitos a partir dos sentimentos e desejos que surgem entre os pares, pois estamos suscetíveis a todo momento a nos depararmos com uma nova situação e um novo sentimento. E assim, as relações vão tecendo combinados diferentes.”
Abraços
Camila, parabéns pela paciência!!
Concordo que opressão e relações assimétricas podem acontecer em qualquer direção: homens oprimindo mulheres, mulheres oprimindo homens e ambos se oprimindo. Contudo, não podemos negar o machismo histórico e a constatação de que, ainda hoje, na maior parte das relações são os homens que oprimem as mulheres, inclusive nas relações amorosas. Falar sobre este tipo de opressão não nega a existência dos outros tipos.
Se coletivos se desfazem por brigas entre um casal, um trio ou um quarteto amoroso, não imagino que esse coletivo teria vida mais longa se tivesse entre seus integrantes apenas adeptos da monogamia. Não existe forma de amor que elimine desentendimentos, brigas e decepções amorosas, tampouco se controla as reações de quem vive essas experiências amorosas. E pra ser sincero, tomara que nenhum coletivo ou modelo de sociedade consiga enquadrar todo mundo num jeito único de viver o amor. A vantagem que vejo no brilhante texto da Amanda é assumir a tarefa de construção cotidiana de uma relação não opressora, sempre aberta a críticas e reavaliações. Esse amor pode ser tudo, até monogâmico se esse for o acordo entre os que o vivenciam.
Por fim, imagino que entre militantes de esquerda essas relações tendem a se complexificar e o poder ganha novas dimensões. A assimetria nas relações não deveria ser equalizada com novas opressões. Pensando em experiências concretas, um casal de militantes que tem uma relação em que AMBOS discutem feminismo, AMBOS se agridem física e verbalmente e até preferem se afastar da militância no coletivo para continuar vivendo essa “loucura”, tem que ser pensado para além do simplismo de “escracho ao homem agressor e apoio irrestrito à mulher vítima”.
Pois eu presenciei a fossa de uma amiga que participou de um relacionamento a três (no qual ela só se comprometia com a moça do triângulo, e essa moça com ela e com outro rapaz), e a outra moça do relacionamento deu um pé na bunda fenomenal na minha amiga e no outro rapaz.
Depois essa moça ainda se saiu de vítima dizendo que o companheiro dela só aceitava o relacionamento por causa do fetiche de assistir ela e minha amiga transando, e que poliamor não dá certo se enfiar homem no meio, por causa da sexualização da mulher pelo homem.
Olha, eu quero saber como é que se faz menage sem fetiche e sexualização.
Enfim, não digo que seja impossível e nem discordo da autora do texto, só vim mostrar um outro lado, de uma amiga que foi machucada pela companheira mulher.
Sem dúvida o melhor texto que li sobre o assunto. Faço uma tentativa de amor de fato (amor em liberdade, que é ainda mais do que “liberar o parceiro”) e sei o quanto pode ser violentamente sofrido. Não existe possibilidade de libertação quando se prende às amarras de uma “relação aberta” onde existe uma relação de consumo com cada parceiro oferecendo o que uma mercadoria pode oferecer, na tentativa de preencher um vazio que nunca poderá ter fim (assim). Texto lindo, lúcido e libertador. Beijo procê.
Gente, a tal da Camila causa hein! Tá bem divertido esse negócio de pseudônimo I, II, III, Etc. A mulher arrasa quarteirão! Dor de cotovelo ou só ciúme mesmo? Camila, tu comeu todo esse povo mulher?
Eduardo, penso que, quando casais começam a se agredir mutuamente ou um dos envolvidos agride o outro – independente do gênero – a postura do companheiros que estão no entorno e que acompanham a situação deve ser a de intervenção e nunca a de se pautar por posturas como: são um casal; eles que devem sentar e conversar; não podemos fazer nada em relação à isso; em briga de marido e mulher ninguém mete a colher e etc…
Muitas vezes a reação à uma violência sofrida pode ser tão violenta quanto a ação e, quem está envolvido, muitas vezes não percebe racionalmente a postura que está tendo no momento.
A postura de isenção só tende a corroborar com uma ideia de amor burguês e, o amor burguês, nuclearizado tende a ser violento.
[aí quando falo da disjunção entre uma teoria de amor livre e uma prática, o que digo é que essa dissociação faz com que esses relacionamentos tenham apenas um aspecto aparente de amor livre e se configuram em essência enquanto relacionamentos tradicionais – e isso, acontece em grande parte dos relacionamentos, visto que acredita-se muito que ao postular que se vive um amor livre, as relações em si tornar-se-ão livres, sem necessidade de trabalho na prática, como se uma liberdae sexual irrestrita fosse o objetivo final do amor livre]
Se os companheiros tem uma perspectiva anti capitalista, tem que chamar os compas envolvidos “na xinxa”, sentar e conversar e se pedido, ouvir e trazê-los de volta à uma racionalidade, ou tentar fazê-los perceber que estão se articulando contrariamente à uma lógica teórico- discursiva que postulam.
Abraços
Antes de mais nada, saibam que sexo antes e fora do namoro/casamento —incluindo relacionamento aberto, poliamor, swing e menage— não é pecado!
Vejam:
http://www.libertos.tk/
ou
http://cristaoslibertos.nm.ru/
Em inglês para maiores detalhes:
http://www.libchrist.com/
http://inkaboutit4u.com/
Camila,
Há algo de muito errado nessa sua metodologia de análise
“Pseudônimo II – Eu não acho que as assimetrias nos relacionamentos independam dos gêneros, visto que eu parto de uma perspectiva de uma relação assimétrica histórica, entre homens e mulheres.”
Em vez de se basear nos fatos presentes, nos fenômenos que ocorrem, no empírico, vc se baseia num passado para afirmar algo sobre os fenômenos presentes. Para deixar claro, o seu argumento valeria também para defender a posição dos sionistas, do Estado de Israel diante dos palestinos “Eu não acho que as assimetrias independem dos povos, visto que eu pato de uma perspectiva de relação assimétrica histórica, na qual os judeus são perseguidos”.
Você parte de um machismo histórico em abstrato para dizer algo sobre as tais relações de ‘amor livre’. É como alguém que parte da perseguição histórica aos judeus para se posicionar já de antemão a favor da política de Israel em relação à Palestina. Sobre ‘amor livre’, mais empiria e menos metafisica, por favor.
Vc continua dizendo: “Escrevam sobre a opressão de mulheres sobre os homens nos relacionamentos”.
Vc não verá nenhum comentarista aqui escrevendo sobre isso porque simplesmente nenhum comentarista aqui, até agora, acha que se trate de opressão de mulheres sobre homens. Novamente, vc insiste numa visão de gêneros, e é por isso que parece guerra dos sexos. Trata-se de problemas e assimetrias de poder em relacionamentos, que independem de gênero. Não faz o menor sentido em se falar em opressão de mulheres sobre homens no tema aqui abordado, assim como não faz falar em opressão de homens sobre mulheres.
Ciúmes
I.
Esta noite não dê, minha querida,
Não abdique do teu querer a guarida.
Se vais gozar de uma carne alheia
Faça-o com dolo e com fé certeira.
Ao distribuir-te me sobra menos,
Abandonando-se pouco teremos,
Por isso, joga-te de peito aberto
que existe na aventura um rumo certo
De explorar sem perder-se da paixão.
Não te enganes, não quero pôr-te travas,
Represar a tua doce vasão.
Pelo amor tão belo que em mim tu gravas,
Antes de pechinchar a solidão
Escuta bem estas minhas palavras.
II.
Do desconhecido, pouco me importa:
Sua natureza sem rosto é morta.
Se amigo meu, estejas avisada
dos riscos de acabar emaranhada.
Como num beco, no escuro, num breu
estarei, se vais com amigo teu
Se fores com antigo amor, por fim,
Não me resta outro dizer: ai de mim!
Se em noite excêntrica forem em três,
Não me horrorize com tantos detalhes,
Termine o assunto já de uma vez.
E que essa boca tão fácil tu cales,
Pois preciso dos teus beijos, não vês?,
São só eles que espantam estes males.
Zeloso, o vate bonaerense bissoneta e desconjuga libidinais (des)apegos.
Um dos melhores textos que já li sobre o assunto! Só quem já vivenciou isso sabe o quanto é complicado lidar com os sentimentos que insistem em surgir (como ciúmes e insegurança) e com os outros indivíduos, que na maioria das vezes não entendem o que é um relacionamento diferente. Entendo o seu receio em dar nome ao amor. Eu tenho um relacionamento assim e sempre que me perguntam sobre, eu não consigo defini-lo em um rótulo, é uma coisa tão única que é muito difícil nomear.
Parabéns pela reflexão, compartilharei o texto com o meu companheiro e amigos.
E com este último comentário chegamos ao centro: o vazio.
Uma rotulação, de tão difícil de aplicar, só pode significar a inexistência de diferenças. Com tanta normatividade, com tantos conselhos, com tanta coisa, pra se dizer nada mais do que nada de diferente. Qual é a diferença do que se disse aqui sobre os relacionamentos plurais e sobre o que é dito sobre os relacionamentos monogaméticos?
Por esse caminho dá pra vislumbrar uma guinada de 360 graus: a grande inovação da construção de relacionamentos iguais aos monogâmicos, mas com a participação de 3 pessoas ou mais.
Lembro da primeira vez que participei de um seminário de formação com um grupo de esquerda. Devia ter 17 anos e fiquei todo constrangido na hora da refeição porque, ali, cada um tinha que se servir. Em casa, fui criado para seguir a regra de que a gente só se serve na casa da gente, fora não. E a Neli do Sintusp me salvou, fazendo meu prato. Uma pequena coisa e foi todo um sofrimento.
A gente é criado assim, com dados valores, dadas normas e dados sonhos. Na periferia, o sonho era ter um bom trabalho, casar aos 25 anos e ter grana suficiente para que a mulher não trabalhasse. Estes eram vistos como os maridos exemplares. Depois você cai nas proposições e discussão de uma certa esquerda que é uma esquerda swing, propôe a roda de parceiros e as trocas de casais. É algo muito diferente de tudo para o qual tínhamos sidos formados. E não é fácil que isso ocorra sem problemas, é impossível.
Muita gente vive isso durante um período, mas depois acaba. Há as pressões sociais, os amores, os ciúmes, as necessidades do cotidiano. Pode existir alguém que conseguiu fazer a transição facilmente. Mas para a maioria a coisa é trágica.
Olá pessoal. Gostei bastante do texto, das discussões e gostaria de ouvi-los quanto ao trecho que cita o consumo de relações como uma das modalidades de um determinado modo de reprodução da vida. Sou gay, estou num relacionamento monogâmico em função do desejo do meu parceiro, no entanto não teria problema em abrir a relação para o amor livre – com todos os intermináveis processos de negociação e renegociação que isso comporta. Fiquei curioso em discutir isso: a possibilidade de relações fugazes, sem isso ser sinônimo de uma dimensão particular que expressa uma dominação econômica ou questão de gênero. Entre homens gays a “pegação” pode ter infinitas conotações / sentidos / significados, dentre eles a possibilidade de romper com dimensões da heterossexualidade compulsória ou da heteronormatividade. Historicamente as formas de se relacionar na intimidade (sexual ou afetivamente) são plurais e gostaria de entender a ligação entre permanente e provisório com a legitimidade ou a normalização do laço afetivo como única possibilidade de entender relações fugazes como não desejáveis. Por favor, se alguém puder trazer novas perspectivas, adoraria ter acesso a elas. Abraços a tod@s!
Vou comentar antes pra deixar registrado:
vou ler o texto agora e estou com medo: tema bem polêmico.
Muito bom o texto, corajoso.
Do que eu vi, ouvi e cheguei a conhecer, os relacionamentos abertos sempre foram problemáticos no meio libertário.
EROS AGAPITO
Necessário: não-ser é impossível.
Impossível: não-ser é necessário.
O acaso (diferença, alteridade etc.), clinâmen no entremeio [(beAMONGtween(?!)] do não-ser, cria a terceira margem dum rio cujo nome é Tempo.
Acho tão engraçado que vem falar de amor livre e cita Maria de Lacerda Moura como referência para tentar justificar essas relações “modernas”. Esquecem que Maria de Lacerda (a quem admiro muito e sempre leio seus textos) nasceu e foi criada no interior de Minas Gerais no início do século passado. Mais conservador impossível. Lacerda reivindicava a liberdade da mulher amar quem ela quisesse (lembrando que naquela época mulheres eram obrigadas a casar jovens, na maioria das vezes sem estudo, e “amar um único homem pro resto da vida). Chega a ser desonesto citar pensadora tão brilhante de forma tão distorcida. Concordo com quem disse: “uma guinada de 360 graus: a grande inovação da construção de relacionamentos iguais aos monogâmicos, mas com a participação de 3 pessoas ou mais”. Tenho debatido essa temática com meu companheiro que insiste em me provar que é o melhor caminho. Em todos os seus argumentos só vejo individualismos berrantes e machismos inconscientes. Não caio nessa… respeito quem tenta, mas não tem nada de novo, a não ser mais sexo com mais pessoas, ou relações superficiais. Mas sério… mais cuidado ao usar Maria de Lacerda Moura nessas análises. Continuei a leitura, só por desencargo de consciência, pois pra mim, uma premissa comprometida, compromete todo o resto. Só minha percepção mesmo.. abraços a todos
Consigo entender as palavras do grupo em direção à Camila. Percebo uma enervação nos participantes ao citar as manifestações ou livres opiniões da Camila sobre o pensamento dos integrantes dessa discussão.O tema do amor e do amor livre é polêmico,mas nesse caso devería ser manifestação e conhecimento.Analisar é algo que acontece.
Conhecer é melhor. Saber o que paira nos relacionamentos é interessante e é matéria educacional.O amor ideal é o que está fora de propósito e inalcançavel, seja ele homo ou hetero, monogamico,poli, dual.tete a tete, um homem e uma mulher, sacanas ou legais.Sí, Só. Participando Agora, Já.
Muito feliz em saber que há tanta mais pessoas interessadas nessa discussão, texto muito bom, comentários igualmente aproveitáveis. Obrigado a todos por nos ajudarem a pensar!