Por Zancudo
Hong Kong está tomada por nuvens de gás lacrimogêneo e pelo cheiro de spray de pimenta na medida em que o governo brutalmente lança novamente sua força contra os milhares de manifestantes que ocupam as ruas. As dezenas de milhares de manifestantes estão exigindo do governo central em Pequim reformas democráticas básicas. A resposta que eles receberam foi uma saraivada de gás lacrimogênio lançada em estudantes e trabalhadores sem qualquer aviso e sem provocação prévia. Diversos ataques policiais com spray de pimenta e cassetetes têm sido realizados pra expulsar os manifestantes das praças e das ruas da cidade.
A violência demonstrada pela polícia de Hong Kong não é exclusividade chinesa. É como todos os Estados se comportam quando são confrontados com um desafio direto ao seu poder. Nós temos visto os mesmos ataques policiais acontecerem contra os movimentos Occupy dos EUA, nos protestos do Parque Taksim na Turquia e contra incontáveis protestos similares ao redor do globo. Uma vez que somos trabalhadores que enfrentaram a mesma repressão ou que muito em breve poderão enfrentá-la, é importante que condenemos os ataques do governo chinês e apoiemos os manifestantes. Estamos todos juntos na mesma batalha e enfrentamos todos o mesmo inimigo. Se não apoiarmos aqueles que lutam nas ruas de Hong Kong, quem estará conosco quando estivermos ocupando nossas próprias ruas?
A principal reivindicação dos manifestantes em Hong Kong é por um verdadeiro sufrágio universal. O governo central determinou que os candidatos a Chefe do Executivo de Hong Kong para as eleições de 2017 serão escolhidos por nomeação de um comitê pró-Pequim ao invés de serem escolhidos por voto aberto.
Apesar do tamanho das manifestações e do bloqueio de muitas ruas principais, principalmente nas áreas de Admiralty, Causeway Bay e Mongkok, a maior parte da cidade segue tranquila e ainda não está claro o impacto econômico destes protestos. Embora isso possa mudar – hoje, que é o Dia Nacional da China (1º de outubro), os protestos cresceram para um tamanho muito maior e se espalharam para novos locais. Para fazer o seu poder ser sentido mais fortemente, os trabalhadores de Hong Kong terão de deixar seus locais de trabalho e sair para bloquear as ruas. A Confederação dos Sindicatos de Hong Kong (HKCTU) – um sindicato independente, do tipo partido operário socialista com raízes no movimento operário cristão – chamou uma greve política em apoio aos protestos. Esse é um importante momento para o movimento. No entanto a HKCTU é pequena e será necessário que muitos trabalhadores não-sindicalizados também entrem em greve para que ela tenha um impacto significativo.
Embora muitas reportagens veiculadas na mídia tenham identificado o “Occupy Central with Love and Peace” (OCLP, geralmente identificado pela mídia apenas como “Occupy Central”) como a principal força dentro dos protestos, eles são, de fato, o fim da cauda do movimento de protesto. Eles já haviam adiado o início dessa ocupação por meses e usaram a ameaça da ocupação como uma mera moeda de troca em suas negociações com o governo. Quando a Federação dos Estudantes de Hong Kong (HKFS) decidiu ela mesma iniciar a ocupação em julho, ela não recebeu apoio algum do OCLP. Como resultado 511 pessoas foram presas quando a polícia dispersou o acampamento. Dessa vez, quando a HKFS chamou para uma semana de greves estudantis e protestos, muitos apoiadores saíram para as ruas e o comitê central do OCLP foi forçado a chamar uma ocupação imediata para evitar que fossem deixados comendo poeira (mesmo assim muitos abandonaram inicialmente o protesto, quando o OCLP se juntou, porque temiam que o ele estivesse cooptando o movimento). Embora a HFKS tenha feito o chamado para ações que redundaram nessa grande mobilização, também eles acabaram ficando para trás. Após o primeiro dia de ocupação do centro de Hong Kong, os líderes da HKFS pediram ao povo para deixar as ruas durante a noite para evitar mais violência policial. Em vez disso, as pessoas escolheram ignorar as lideranças e continuaram ocupando o distrito. Agora já não há quem comande o curso dos acontecimentos, nem comitê que decida o que vai acontecer a seguir – as pessoas nas ruas estão fazendo elas mesmas essas escolhas.
Quais serão as escolhas ninguém pode ainda dizer. Hong Kong está em uma situação de espontaneidade das massas. No entanto, é improvável que essa espontaneidade leve o povo de Hong Kong muito além das demandas e da consciência da democracia liberal burguesa. A ideologia de direita é forte dentro do movimento, com muitos manifestantes procurando defender o que vêem como uma luta da sua pátria contra as incursões da China continental. Isso inclui a organização de direita Paixão Cívica (熱血 公民), que tem aparecido muito nos protestos. Enquanto isso, a esquerda em Hong Kong é muito pequena, fraca e desorganizada. Embora existam vários grupos de esquerda e coletivos anarquistas nas linhas de frente dos protestos, nenhum segmento da esquerda anti-capitalista é capaz de colocar em ação uma estratégia forte o suficiente para impulsionar a luta para além das demandas eleitorais básicas (embora isso não ocorra por falta de empenho). Os manifestantes que preparam a defesa contra ataques da polícia através da construção de barricadas com caixotes do lixo são atacados por seus colegas manifestantes por serem os mais violentos, destruindo propriedades e provocando a polícia. Como qualquer liberal, esses manifestantes geralmente são mais rápidos em denunciar as ações de autodefesa de seus camaradas do que os ataques absurdamente violentos da polícia.
Mas mesmo com essas limitações, este é um momento importante para a classe trabalhadora de Hong Kong tomar consciência de seu próprio poder autônomo. Embora a direita esteja muito presente nos protestos, há uma oportunidade para a ala esquerda da classe trabalhadora – fragmentada, contraditória e com pouco apelo – mostrar liderança e começar a construir algo maior e de mais duração do que alguns dias de protesto. Assim, devemos estar com aqueles que lutam e apoiá-los enquanto eles ocupam as ruas de Hong Kong e resistem aos cruéis e violentos ataques da polícia.
A versão original do artigo foi publicada em inglês no Libcom e pode ser acessada aqui. Tradução do Passa Palavra.