Hoje, 95 estudantes da Universidade Estadual Paulista, que ocuparam a reitoria ano passado, estão passíveis de suspensão por 60 dias. Por Júlio César Rodrigues da Costa e Lucca Ignácio Morais Luiz
Hoje, 95 estudantes da Universidade Estadual Paulista estão passíveis de suspensão por 60 dias, período o qual inviabilizaria o cumprimento do 2º Semestre Letivo de 2014 por parte destes discentes, seja nos campi que tiveram greve neste ano, seja nos que não tiveram. O processo que culminou nesta punição leva em conta a ocupação do prédio da Reitoria, na cidade de São Paulo, nos dias 16 e 17 de julho de 2013; tal ocupação embasou-se na luta destes estudantes por políticas de permanência estudantil (como bolsa socioeconômica, construção de Restaurantes Universitários, Moradias, etc.); na luta contra o PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista) que se mascarava como projeto de cotas, mas que na verdade se mostrava apenas como mais uma forma de elitização do ensino superior público; na luta por uma democracia de fato nas deliberações da Universidade, que hoje estão na mão de uma pequena parte da comunidade acadêmica, dentre outras pautas que são históricas do Movimento Estudantil, desta e de outras entidades de ensino.
As pautas vêm de longa data. Uma rápida pesquisa mostrará quais são, algumas datadas de outras décadas. Desta vez, trataremos da maneira que a Reitoria lidou com os estudantes. Houve uma ocupação anterior à qual fomos processados, ao dia 27 de Junho de 2013, onde houve negociação com a Vice-Reitora em exercício da Reitoria. Após este ato, e a volta do Reitor da Universidade, sendo que este bradava aos gritos que não cumpriria o acordo, os estudantes decidiram por ocupar novamente a Reitoria nos dias citados no parágrafo anterior, para cobrar a efetivação da negociação; mas, desta vez, a ação política foi resolvida com a Tropa de Choque e a retirada dos discentes do prédio à força. Daí sucedeu um processo completamente bizarro, baseado nos artigos 161 e 162 do Regimento Interno, igualmente grotescos, que versam um código disciplinar aos estudantes da UNESP; somos acusados dos seguintes, dentre outros:
II – fazer inscrições em próprios da Universidade ou nos objetos de propriedade da Unesp e afixar cartazes fora dos locais a eles destinados;
IV – praticar ato atentatório à integridade física e moral de pessoas ou aos bons costumes;
VII – perturbar os trabalhos escolares, as atividades científicas ou o bom funcionamento da administração;
VII – promover manifestações e propaganda de caráter-político partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover, ou apoiar ausência coletiva aos trabalhos escolares a qualquer pretexto;
IX – desobedecer aos preceitos regulamentares do Estado, do Regimento Geral, dos Regimentos das unidades universitárias e de outras normas fixadas por autoridade competente;
XI – praticar atos que atentem contra o patrimônio científico, cultural e material da UNESP.
A absurdidade deste código disciplinar (assim como sua própria existência) é clara a qualquer pessoa que o leia; alguém é capaz de manter que um estudante seja punido com suspensão de 60 dias por “afixar cartaz em local indevido”? Alguém pode esclarecer o que é, no fim das contas, um ato que atente à moral ou aos bons costumes? Nem mesmo o próprio inciso deixa claro; alguém que vive num Brasil pós-ditadura sustenta que algum cidadão não possa promover manifestação ideológica? No parecer da Assessoria Jurídica da UNESP sobre as sindicâncias, que as julga justas, o fato de hoje tais incisos serem inconstitucionais nem mesmo é tocado, por mais que a Defesa dos estudantes coloque tal discussão; o que mostra apenas como a burocracia acadêmica se vê: independente de tudo e de todos exteriores a ela mesma, uma bolha completamente ensimesmada.
Salta também aos olhos a falta de objetividade e materialidade das acusações; nenhum dos 95 sindicados sabe, na verdade, qual infração perpetrou. No parecer da Reitoria a única ação informada com mais detalhe é a inscrição que alguns estudantes (ainda sem especificar) fizeram com tinta guache em dado local do prédio – dos crimes mais hediondos que este país já viu e há de ver –. A falta de objetividade resulta numa impossibilidade de uma defesa plena de fato; como se defender sem saber do quê? Os incisos são por demais genéricos, e as questões da Comissão Sindicante nas oitivas não tentavam esclarecer o ato, mas antes a forma de organização estudantil que culminou na ocupação. O que nos leva ao nosso próximo problema.
Colocando a importância da diminuição dos gastos bem como da celeridade do processo, a forma de depoimento mudou no decorrer do mesmo: cerca de 30 estudantes tiveram oitivas pessoais, sendo que os demais o fizeram por carta, com questões que tentavam esclarecer como os estudantes deliberaram por essa ação, cada qual em sua unidade, espalhadas pelo interior do estado, o que mais uma vez impossibilita o exercício pleno da defesa: tendo em vista que os depoimentos por carta foram marcados no mesmo dia, como era possível que o advogado de defesa estivesse, no mesmo dia, em Rosana e em Botucatu? Ou Franca e São Vicente? Ou em quaisquer campi onde havia estudante sindicado? O parecer da Reitoria é mais uma vez vago, como todo o processo.
Vendo as acusações, a maneira com que a comissão sindicante atuou e o processo foi levado, e as punições, só uma coisa pode ficar clara: não se trata da defesa do patrimônio público, não se trata de uma averiguação dos fatos; trata-se de perseguir estudantes que lutam por uma Universidade diferente daquela que idealizam os seus gestores.
Vamos às verdades de todo esse imbróglio judicial: Intimidação; Dominação dos corpos; Dominação dos espíritos; Dominação do conhecimento; Exploração; Alienação; Sociedade de Classes… Vergonha (podem ser ditas na ordem contrária; continuarão como verdades). Após colocar as garras de fora e as cartas na mesa, resta a certeza: a Reitoria da UNESP não luta por ou com democracia; mas sim, por uma universidade excludente e autoritária; empresarial e desumana; direitista e privada.