O Coletivo Passa Palavra deixa claro que a partir deste momento todos os seus integrantes serão apoiados frente a toda e qualquer tentativa de trashing, respondendo publicamente e enquanto coletivo a qualquer ataque. Por Passa Palavra
Há algum tempo o Passa Palavra traduziu e publicou um artigo da autoria de Jo Freeman que refletia sobre a questão do trashing nos movimentos de mulheres. O trashing foi então definido não como uma modalidade honesta de oposição ou desacordo político, práticas perfeitamente comuns e toleráveis no âmbito das esquerdas, mas como uma modalidade cruel, manipuladora e desonesta de assassinato de reputação ou detonação.
O assassinato de reputação pode ocorrer de várias formas, mas ele possui características distintas que devem ser observadas: tendo em vista a detonação de um indivíduo, o agressor pode divulgar informações falsas a seu respeito; difundir versões negativas relativas às suas falas, escritos e ações; projetar sobre ele falsas expectativas, pretendendo desacreditá-lo frente aos demais; negar suas verdadeiras percepções da realidade; e diminuir ou mesmo negar sua própria existência, com a intenção de que sua presença e seus posicionamentos sejam ignorados. Seja como for, trata-se de um ataque dirigido à pessoa e não às suas ideias, práticas e posicionamentos políticos: as próprias motivações do indivíduo é que são questionadas, sendo sua própria trajetória militante e sua própria personalidade colocadas em causa.
Um dos efeitos do ataque é fazer o indivíduo sentir que sua própria presença no grupo ou organização é prejudicial à luta, levando-o a se afastar da vida política. O detonador procura destruir antes o indivíduo que as ideias por ele defendidas. Por meio do assassinato de reputação, conflitos pessoais são disfarçados de divergências políticas ou, pelo contrário, divergências políticas desdobram-se em ataques pessoais. Além disso, é comum que, tendo em vista o combate às posições políticas de determinadas organizações, membros dessas organizações sejam tomados por alvo. Ainda segundo aquele artigo, são alvos preferenciais do trashing: pessoas que se destacam de alguma maneira, seja pela suas opiniões, seja pelas suas práticas; e pessoas que são mais assertivas ou possuidoras de uma forte personalidade.
Frente a isso, declaramos:
I.
Já faz tempo que membros do nosso coletivo são vítimas de trashing em outros espaços políticos que atuam ou nas redes sociais. Não foram poucas as ocasiões em que, para atacar uma posição do Passa Palavra, os membros do coletivo tornaram-se alvo de tentativas de assassinato de reputação, tendo de manejar e conviver com falsas alegações relativas às suas vidas pessoais; tendo as suas falas, escritos e ações sido submetidas a deturpações; tendo rechaçadas as suas legítimas opiniões; tendo diminuída ou mesmo negada a sua própria existência; tendo questionadas as suas motivações individuais e colocadas em causa as suas próprias personalidades e trajetórias políticas; e tendo sido apresentados como pessoas prejudiciais à luta no âmbito das esquerdas.
Além disso, membros do nosso coletivo têm sido vítimas de ataques pessoais em decorrência de suas posições políticas, bem como alvejados por ataques resultantes de desavenças pessoais e disfarçados de divergências políticas. Se quem foge aos padrões hegemônicos de opiniões e práticas no campo das esquerdas – ou aos padrões fixados pelo politicamente correto – tem maiores chances de estar na mira de uma tentativa de detonação, os membros do Passa Palavra têm sido especialmente visados pelos agressores, o que não será mais tolerado.
II.
O trashing, como bem colocado no referido artigo, só é eficaz se suas vítimas sofrem a detonação isoladamente e sem qualquer apoio ou solidariedade da parte de seus companheiros de luta. A essência dessa prática cruel, manipuladora e desonesta é o isolamento político dos indivíduos e sua responsabilização individual por decisões políticas coletivas consideradas equivocadas ou nocivas. Havendo apoio e solidariedade imediatos e resolutos por parte da organização de que faz parte a vítima do trashing, os agressores acabam sendo privados da plateia e do respaldo coletivo de que necessitam para desferir triunfantemente seus ataques venenosos e destrutivos. O coletivo editorial que auto-organiza o Passa Palavra não pretende interferir negativamente nas dinâmicas políticas dos movimentos e coletivos nos quais seus membros também participam, entretanto não vamos tolerar ataques que, disfarçados de divergências políticas, visam atingir o Passa Palavra detonando pessoalmente os seus membros. Tendo isso em vista, o Coletivo Passa Palavra deixa claro que a partir deste momento todos os seus integrantes serão apoiados frente a toda e qualquer tentativa de trashing, respondendo publicamente e enquanto coletivo a qualquer ataque.
III.
Nosso coletivo sempre teve como norte a edificação de um espaço democrático para o debate político franco entre as esquerdas. Infelizmente, nossa valorização de um espaço aberto e plural acabou abrindo uma brecha para que pessoas movidas pela má-fé e desinteressadas em contribuir com a luta anticapitalista tentassem minar o nosso projeto por meio de ataques desferidos contra membros do nosso coletivo. No passado, sem que nos apercebêssemos da gravidade, da violência e da destrutividade de tais práticas, acabamos permitindo essa atuação. Tal não mais se repetirá. Nosso site continuará a ser um espaço democrático aberto ao debate franco e plural, mas ficará de portas fechadas para os desonestos e mal-intencionados, pois entendemos que há uma grande diferença entre debate franco, duro – e muitas vezes grosseiro – com o trashing.
Em nosso site não mais serão publicadas colaborações ou mesmo comentários de detratores de integrantes do Passa Palavra, sobretudo de pessoas que no passado pretenderam instrumentalizá-lo para a veiculação de agressões e perseguições pessoais. Da mesma forma, ataques aos nossos companheiros perpetrados em outros espaços públicos receberão também uma resposta imediata e enérgica do nosso coletivo. Pretendemos com isso dar um basta à prática do trashing dirigida contra membros do Passa Palavra e ajudar a difundir o combate a essa prática nefasta no âmbito das esquerdas.
O Passa Palavra sempre enfatizou que, na luta contra o capitalismo, as esquerdas devem ser capazes de desenvolver e defender desde já práticas emancipatórias contrárias a toda e qualquer forma de exploração, opressão e barbárie. Por conseguinte, com este manifesto pretendemos deixar claro que estamos e sempre estaremos na linha de frente do combate a práticas fascistas que visam e muitas vezes logram penetrar o campo da esquerda anticapitalista, corroendo-a por dentro. Não titubearemos em combater, com a dureza necessária, a prática desumana e bárbara do assassinato de reputação perpetrada por pessoas que, contrárias ao diálogo honesto e incapazes de impor suas ideias, apelam para práticas rastejantes que a esquerda não deve e não pode mais tolerar.
Estava na hora de algum coletivo se levantar contra esse tipo prática podre que corrói o movimento já a algum tempo. Certamente agressões machistas, classistas, racistas e de qualquer ordem não podem ser toleradas, mas já é mais do que hora de um grupo, com o poder que só um grupo organizado tem, se levantar e dizer: Basta!. De longe as práticas atuais não resolvem os problemas das agressões.
As práticas atuais, além de excluir o individuo deixam a pessoa que pratica o trashing em OTIMA posição política. Em geral gente que não assume responsabilidades dentro das organizações e fica em uma posição confortável pra não fazer nada.
Apoiado! Espero que esse manifesto dê frutos em outros coletivos.
Apoiados!
Fascistas de esquerda, que se valem das nossas bandeiras históricas e maqueiam suas agressões com justificativas pseudopolíticas não passarão!
Não passarão os escraxadores! legisladores e juízes de suas causas!
Não passarão as feminazis! que enfraquecem o feminismo ao excluir a participação horizontal de todos que se alinham à luta, independentemente de sexo e gênero!
Não passarão os antiracistas racistas! que enfraquecem a luta contra o racismo anti-negro e anti-índio e anti-imigrantes e anti-etnia etc etc restringindo a luta ao grupo específico que sofre as discriminações!
A luta contra as opressões não tem dono! Todo apoio ao Manifesto contra as cobras criadas que tentam hegemonizar as lutas detonando a imagem das pessoas que defendem que a esquerda deve se unir, e não se fragmentar ainda mais! Todo apoio ao Manifesto contra esses vírus que tentam extirpar o pensamento crítico!
Um manifesto de fundamental importância.
E para o crédito das fotos, aqui o link do “filme” (uma excepcional edição de imagens de documentários) de Jean-Gabriel Périot do qual as fotos foram retiradas.
https://www.youtube.com/watch?v=Vm4FKKOTMX4
Todo apoio ao Coletivo Passa Palavra! A radicalidade e propriedade das reflexões que tem levado adiante constituem a nossa melhor crítica de esquerda.
A detonação, infelizmente, por bizarro que pareça o registro do fenômeno, é uma realidade que precisa ser combatida. Por grande coincidência, neste exato momento, estava deprimida por experiências muito parecidas e foi um grande conforto encontrar a matéria.
No mais, gostaria de acrescentar à boa análise que a prática da detonação tem a ver com um patos muito importante na compreensão do funcionamento ideológico da sociedade de classes: o ressentimento, perfeitamente legítimo perante a injustiça, que, no entanto, em lugar de se tornar consciente e dirigido contra o sistema, corrói as relações entre os indivíduos.
Além disso, analogamente ao que já foi dito no artigo, é bom lembrar também que a prática reflete o espírito de uma época que perdeu a perspectiva do futuro e, assim, mais do que em nenhum outro momento da Modernidade, faz deslizar a interpretação da realidade do plano político, do qual a participação social foi extinta; para o da moral, buscando a responsabilização dos indivíduos que, na verdade, em última instância, não dispõem de quase nenhum arbítrio.
Mas há ainda uma forma de estigmatização que segue o mesmo mecanismo da detonação, ou muito próximo, a que gostaria de referir. A detonação expressa internamente a aplicação de um julgamento rígido, paranoico, ao qual, em princípio, a esquerda ofereceria resistência, pois se trata justamente do esquematismo que uma profusão de estudos sobre cultura, fascismo e sociedade de massas diagnosticou como matriz das relações sociais. No entanto, o enfrentamento do sistema permanece definido muito mais por uma coleção de bandeiras, que para a luta certamente não são irrelevantes, do que pela capacidade de resistência ao clichê, ao pensamento consensual, por meio da qual se chega a essas bandeiras. As condutas mais inesperadas e desconcertantes podem ser rapidamente assimiladas desde que entrem para o repertório defendido no momento, o que escapa a isso e causa algum estranhamento ou mal estar, no entanto, é automaticamente rejeitado sem nenhum exame. Aqui chego onde queria. Pelo menos entre três áreas importantes de atuação social, o estudo teórico, a arte, e a militância prática, o ressentimento subterrâneo grassou a ponto de consagrar no pensamento de esquerda todo um rol de estigmas apoiado no mais ingênuo maniqueísmo disfarçado de julgamento crítico. Sem maiores comentários, o exemplo gritante é o estigma do “intelectual”, que serve ao mais grosseiro positivismo . Já é mais que tempo de entender que no mundo da divisão do trabalho cada esfera de atuação é afetada por um modo de alienação que lhe é específico e pela mesma razão cada uma tem uma contribuição própria essencial para o enfrentamento do sistema. A cada conjuntura uma ou outra esfera pode ter um desempenho maior ou menor, mas continuará carregando a parte da experiência fragmentada que lhe coube. Cabe a nós, evidentemente, resistir a essa divisão do conhecimento, o que inclui a crítica favorecida conforme a perspectiva privilegiada. A infeliz linha de argumentos por meio dos quais dentro da esquerda “acadêmicos”, artistas, ativistas (ideólogos, porque ninguém atua cegamente) se estigmatizam reciprocamente não é senão o mesmo juízo paranoico, o mesmo ressentimento de classe que se desconhece a si mesmo e que, dentro de um determinado movimento, produz a execrável detonação.
Parabéns ao Passa Palavra pelo referencial crítico inestimável que vem oferecendo à luta em tempos em que a opacidade aumenta assustadoramente.
Após longo silêncio dos coletivos a respeito do “assassinato de reputação” engendrado por um grupo expressivamente minoritário,irresponsável e imaturo, detonando sistematicamente a imagem de um dos companheiros, notadamente identificado pela sua luta e resistência por meio de gestos e atitudes diante das mazelas do poder público, em defesa dos direitos sociais mais amplos das minorias, venho expressar, o retorno de minha admiração pelo “Passa Palavra”, em, ainda que tardiamente, entender que todos os movimentos perpetrados pelo ínfimo grupo de resistência que sobrou de um coletivo maior em defesa do companheiro que vem sofrendo “assassinato de reputação” mantendo claramente as suas estratégias políticas voltadas unicamente à consecução das mesmas, compareça hoje demonstrando apoio e comprometendo-se a envolver-se publicamente em defesa de sua reputação, e da continuidade dos propósitos desse coletivo de resistência. Que a luta pela defesa da liberdade e autonomia, prossiga!
Acertado posicionamento.
Considero o Passa Palavra um espaço de “sanidade mental” em função do que se transformou a esquerda, cada vez mais incapaz de fazer frente ao capitalismo.
A fúria com que as posições do PP tem sido combatidas tem sido coerente com o número de ilusões, confusões e equívocos que ele tem ao longo dos anos ajudado a dissipar, mas, por trás desses 3 elementos, muitas vezes se escondem projetos e concepções cuja materialidade depende de mantê-los.
Contem comigo em mais esse enfrentamento.
Faltou citar um outro padrão dentro do trashing – o ostracismo de extensão: se você é próximo da vítima e se recusa a participar do trashing, então você também é acusado do suposto “delito” (geralmente a acusação é de machismo).
Enfim, os “trashers” argumentam que “não se pode ser neutro num trem em movimento”. Nesse momento percebo que toda obra literária tem um pouco de bíblia: dá para interpretar conforme conveniências de determinados grupos aberrantes.
Muito boa reflexão. Parabéns aos companheiros e companheiras.
Parabéns! Muito interessante e pertinente o seu texto, dado atual momento que estamos vivenciando. Mas tenho uma curiosidade: existe um termo específico a ser usado quando a situação acontece ao contrário da descrita no texto acima, ou seja, quando um indivíduo que pratica atos que não condizem com a ideologia do grupo que está inserido, e, por sua causa acabam generalizando o grupo inteiro?
Desde já agradeço a atenção!