A incapacidade de conferir o devido lugar de destaque a um movimento horizontal e descentralizado vem da hegemonia de uma lógica analítica estadocêntrica, que pressupõe a unidade-homogeneidade do social e, assim, dos sujeitos. Por Gustavo Fernandes.
As jornadas de junho marcaram um momento importante na história da sociedade brasileira. Não se espanta, portanto, que toda uma extensa literatura acadêmica já tenha sido escrita sobre os protestos que marcaram o ano de 2013. Contudo, alguns autores apontam para certa dificuldade interpretativa em relação à análise dessas manifestações multitudinárias. Além da complexidade de pesquisar um contexto em constante movimento, Raúl Zibechi (2013) afirma que “as análises pecaram por uma excessiva generalização e em algumas ocasiões atribuíram um papel quase mágico às ‘redes sociais’ para ativar milhões de pessoas”. Outros autores assinalam um peso excessivo dado aos efeitos da repressão policial e à reação a essa repressão (LACERDA & PERES, 2014).
Para tanto, uma série de orientações metodológicas e analíticas foi elaborada por esses analistas de modo a permitir uma melhor compreensão do que se convencionou denominar como “jornadas de junho”. É nesse sentido que os cuidados propostos por Bringel (2013) visam evitar um conjunto de miopias na análise das manifestações que surpreenderam país afora em 2013. O autor destaca quatro miopias centrais, a saber: 1) miopia temporal presente/passado; 2) miopia da política; 3) miopia do visível; 4) e miopia dos resultados.
A primeira miopia tende a sobredimensionar as lutas atuais, apresentando-as como novos “mitos fundadores”. A segunda delimita a ação política apenas à sua dimensão político-institucional, excluindo assim qualquer possibilidade de compreensão da reinvenção da política e do político a partir de práxis sociais emergentes. Já a miopia do visível diz respeito à limitação das mobilizações contemporâneas à sua face visível apresentada nas ruas e nas praças, “sendo incapaz de captar os sentidos das redes submersas, suas identidades e os significados das dimensões invisíveis para um observador externo” (ibid.). A última miopia, consequente das anteriores, refere-se à restrição da interpretação dessas mobilizações aos seus impactos políticos e às dimensões “mensuráveis” da ação coletiva.
Crítica à espontaneidade das manifestações multitudinárias a partir da noção de processo histórico
Raúl Zibechi (2013), por sua vez, chama a atenção para a problemática de tratar essas manifestações em massa a partir de sua “espontaneidade”, ou seja, conceber as mobilizações como fenômenos que emergiram subitamente somente devido a fatores pontuais e externos (no caso, o aumento da passagem de ônibus, a articulação via redes sociais e a repressão policial) e de forma fragmentada, sem uma coesão ou uma centralização das pautas reivindicadas [1]. Ao percorrer a história de um dos personagens fundamentais das jornadas de junho, o Movimento Passe Livre (MPL), desde a sua fundação em 2005 em uma plenária do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o autor demonstra que, na verdade, “não existiu espontaneidade e sim uma massificação dos movimentos” (ibid.) [2]. A emersão de revoltas populares em reação ao aumento da passagem de ônibus e das más condições desse serviço não é um fenômeno novo na sociedade brasileira; pelo contrário, desde 2003 o país vem vivenciando uma série de manifestações, bloqueios de avenidas e ruas, destruição de catracas, depredação de ônibus e ocupações de terminais de transporte. Incluem-se aqui grandes revoltas como as de Salvador em 2003, de Florianópolis em 2004 e 2005 e os protestos em São Paulo no ano de 2011 [3].
Entre agosto e setembro de 2003, 40 mil pessoas foram para as ruas de Salvador, Bahia, protestar contra o aumento da passagem de 1,30 para 1,50 reais. Os manifestantes ocuparam ruas e avenidas, bloquearam pontos centrais para a circulação da cidade e enfrentaram as forças policiais. Essa onda de protestos ficou conhecida como “Revolta do Buzu” e é considerada por ativistas como a grande referência no nascimento do movimento pela passagem gratuita (NASCIMENTO, 2009). Já em Florianópolis, a Campanha pelo Passe Livre Estudantil ganhava forma desde 2000, quando a organização Juventude Revolução, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), desenvolvia um trabalho local ao levar o debate sobre o passe livre a colégios além de promover pequenas passeatas. Este trabalho criou as condições para que, em 2004, entre 15 e 20 mil estudantes se mobilizassem em manifestações em uma cidade de 400 mil habitantes, episódio posteriormente denominado como “Revolta da Catraca” (CRUZ & CUNHA, 2009; COLETIVO MARIA TONHA, 2013). Ambos os momentos são tidos como referências-chaves na fundação do Movimento Passe Livre (MPL-SP, 2013).
Em São Paulo, cidade a qual ocupou um espaço de grande visibilidade durante as jornadas de junho, o setor regional do MPL vinha realizando debates sobre o passe livre desde 2005, organizando paralelamente manifestações em 2006 e 2010. Em 2011, o MPL-SP conseguiu reunir mais de 5 mil pessoas em um protesto. No mesmo ano, manifestações em Belém e em Porto Velho conseguiram reverter o aumento das tarifas na primeira cidade e suspendê-lo por duas semanas na capital rondoniense (LACERDA; PERES, 2014). Dessarte, torna-se claro que mobilidade urbana e passe livre são temas que não surgiram apenas a partir das mobilizações populares de 2013. Adalberto Cardoso (2013) demonstra como que a questão do ônibus, considerada como o grande estopim das manifestações de julho quando sua tarifa foi aumentada em várias cidades brasileiras, constitui-se em um objeto de revolta antiga que perdura na população nacional. Pesquisando em um jornal de grande circulação pelo termo “ônibus incendiado” o sociólogo deparou com 559 ocorrências entre novembro de 2011 e junho de 2013. Esse índice implica em
quase uma notícia por dia sobre depredação de ônibus, em média. A grande maioria dos incêndios foi provocada por “criminosos”, “bandidos” ou “traficantes”, termos intercambiáveis na cobertura do jornal, e por vezes eles ganham estatuto de grande acontecimento (CARDOSO, 2013).
O que Cardoso argumenta é que o tema da mobilidade é uma questão cara e central para a população brasileira, o que a transforma não em um estopim qualquer, mas em algo que é central na vida dessa população uma vez que ela representa um
elemento de uma síndrome de recursos inscritos no território que dá materialidade ao que as jornadas de junho popularizaram como “direito à cidade” […] Sem mobilidade os espaços da cidade se tornam privilégios de uns (quando plenos de recursos) ou condenação de outros (quando privado deles), e a impossibilidade ou a dificuldade reiterada de trânsito entre uns e outros pode consolidar mundos segregados, mesmo que em termos jamais absolutos, já que a “miséria” ou o “privilégio” são parte da compreensão do mundo disponível aos citadinos, e a “opressão” de uns é vivida como injusta porque comparada com o “privilégio” de outros (ibid., grifos do autor).
Resgatar o processo histórico da trajetória e dos sentidos das revoltas relacionadas ao sistema de transporte coletivo, em especial o ônibus, mostra-se fundamental, dado que “percorrer os caminhos dos fluxos de inspiração que cada mobilização produz sobre as outras nos fornece elementos para irmos além da face visível das manifestações” (LACERDA; PERES, 2013), evitando, dessarte, a miopia do visível. Além disso, auxilia também a nos prevenir de outra miopia, no caso, a temporal presente/passado, ao analisar as manifestações como um processo em movimento. Torna-se evidente como as jornadas de junho se beneficiaram de um acúmulo produzido por mobilizações anteriores a essas que, por meio de suas redes, ocultas ou não, produziram uma nova cultura política que surgiu como alternativa aos modos de luta e de organização existentes que não conseguiam mais dar resposta aos desafios impostos pela ordem social vigente [4].
Nesse sentido, Zibechi afirma que as revoltas que ocorreram em 2003 e 2004, além da fundação do MPL em 2005, “rechaçaram categoricamente a cultura organizacional burocrática ao destacarem a horizontalidade, ou seja, uma direção coletiva e não individual, o consenso para que maiorias não sejam consolidadas, e a autonomia frente ao Estado e a partidos políticos” (ZIBECHI, 2013). Boa parte dos elementos constituintes das manifestações multitudinárias de 2013 provém desse acúmulo prévio, o que torna equivocado categorizar as jornadas de junho como um novo “mito fundador”.
Na mesma direção, Bringel analisa esses protestos com base na distinção analítica proposta por Doug McAdam entre “movimentos iniciadores” e “movimentos derivados”, em que os “primeiros seriam responsáveis por identificar brechas, realizar enquadramentos provisórios, agitar e encorajar a mobilização social” enquanto os segundos são os “derivados”, “intérpretes criativos” do cenário aberto pelos primeiros, quando estes são bem-sucedidos (WALSH-RUSSO, 2004; BRINGEL, 2013). O Movimento Passe Livre seria, assim, um dos “movimentos madrugadores que acenderam a chama da mobilização social” no cenário brasileiro, onde “por meio da reivindicação do passe livre estudantil, [o MPL] abriu um campo de conflito e de debate mais amplo sobre o transporte coletivo urbano” (BRINGEL, 2013).
Crítica à centralização: uma nova cultura política rizomática e fragmentada
Contudo, apesar do protagonismo do MPL, seu repertório de ações transcendeu as fronteiras do próprio movimento e foi apropriado por outros grupos e organizações, espontâneas ou não, que estavam desenvolvendo processos similares [5]. A experiência organizativa do MPL acabou por influenciar militantes envolvidos em outros tipos de ações políticas que não diziam respeito apenas à questão do transporte público (ZIBECHI, 2013). O ponto central aqui, apontado por Bringel, é que
ao contrário do previsto pelas teorias dos movimentos sociais, os movimentos derivados aproveitaram-se, no Brasil, dos espaços abertos pelas mobilizações iniciais, sem, contudo, manter laços fortes, enquadramentos sociopolíticos, formas organizativas, referências ideológicas e repertórios de mobilização que os una ao MPL e/ou a outros iniciadores. Essa aparente desconexão relaciona-se a um fenômeno que gostaria de denominar como desbordamento societário, ou seja, quando na difusão de setores mais mobilizados e organizados a setores menos mobilizadores e organizados, os grupos iniciadores acabam absolutamente ultrapassados (BRINGEL, 2013, grifos do autor).
O processo relatado por Bringel em muito advém da forma como os próprios movimentos iniciadores, no caso o MPL, se organizaram. No Segundo Encontro Nacional do Movimento Passe Livre, organizado em julho de 2005 em Campinas, São Paulo, o grupo presenciou sua primeira tentativa de cooptação por parte de partidos da esquerda radical que buscavam modificar as resoluções deliberadas em Porto Alegre [6]. Diante dessa ameaça, a plenária reafirmou as suas posições de horizontalidade e de independência, além de decidir que o movimento se constituiria a partir de uma “federação de grupos”, com um Grupo de Trabalho Federal ao invés de uma coordenação, evitando um caráter mais hierárquico no referente ao modelo organizacional do movimento (MPL, 2005).
O próprio MPL, por conseguinte, faz parte dessa nova cultura política que ressalta não só uma maior horizontalidade e descentralização dos modelos organizacionais, como também opera em espaços politizados além dos canais políticos tradicionais-institucionais. As ruas, as praças, os espaços públicos de discussão, como escolas e colégios, tornam-se o locus da práxis política. O processo de transcendência das formas de ação de uma organização como o MPL faz parte do próprio repertório de práticas do mesmo. O levante de junho e as redes que foram sendo construídas no Brasil retomaram “uma matriz mais libertária e autônoma, polêmica e complexa para o conjunto da esquerda brasileira”, onde emerge “um novo tipo de ação política viral, rizomática e difusa” (BRINGEL, 2013).
O fato das jornadas de junho terem sido avaliadas a partir da sua “espontaneidade” – onde fatores externos, como a repressão policial e o papel das redes sociais, ganharam um sobrepeso indevido em relação a fatores internos ao movimento, como o processo de articulação, organização e disseminação que começou a ser construído muito antes de 2013 – muito se deve à forma como os movimentos sociais são vistos por parte da esquerda tanto política quanto acadêmica. Zibechi, em outro texto, constata que não são poucos os dirigentes políticos e acadêmicos que criticam a fragmentação e dispersão que os movimentos sociais estão sofrendo. Além disso, “ambos os fatos são observados como problemas a superar através da centralização e da unificação” (ZIBECHI, 2007). Argumentamos que essa fragmentação e dispersão, todavia, fazem parte dessa nova cultura política e do novo repertório de ação, para o qual o Movimento Passe Livre se apresenta como exemplo.
Isto posto, não é de se surpreender que fatores externos tenham sido sobrevalorizados na compreensão das jornadas de junho; o caráter horizontal e descentralizado do MPL impossibilitou que alguns acadêmicos e militantes pudessem conferir o protagonismo apropriado ao Movimento na fomentação das manifestações multitudinárias, mesmo que este depois tenha sido superado por processos derivados. Concordamos com Zibechi (2007) que a criação e recriação dos laços sociais constituintes de um movimento não necessariamente necessitam de nenhum tipo de articulação voltada para a centralização ou para a unificação. A concepção de militância proposta pelo MPL caminha nesse sentido ao basear a sua ética na rejeição da separação entre “palavras e fatos […], entre a vida pessoal e a coletiva, e também entre quem toma as decisões e quem as executa, aspectos que marcham na contracorrente da cultura política hegemônica, mesmo nos partidos de esquerda” (ZIBECHI, 2013).
A incapacidade de conferir o devido lugar de destaque a um movimento horizontal e descentralizado vem da hegemonia de uma lógica analítica “estadocêntrica, que pressupõe a unidade-homogeneidade do social e, assim, dos sujeitos” (ZIBECHI, 2007). Considera-se que a regra do ser sujeito implica em algum grau de unidade, homogeneidade e não-fragmentação. As dificuldades interpretativas das práticas e dos sentidos referentes às jornadas de junho derivam da combinação desse viés analítico estadocentrista com a miopia do visível (onde são ignoradas as redes submersas que vêm sendo construídas há anos) e com a miopia da política (onde a análise é restrita apenas ao político-institucional, evitando assim a chamada “reinvenção da política”, ou seja, a busca de novos espaços para atuação política uma vez que o acesso aos canais tradicionais-institucionais são restritos à apenas uma parcela minoritária da população). Conforme afirma Zibechi, “tanto os partidos de esquerda como os acadêmicos interessados nos movimentos sociais seguem sustentando uma suposta centralidade da política, como se os movimentos não fossem políticos e como se a inexistência de um ‘plano detalhado’ e, por tanto, de uma direção, convertesse os movimentos em não-políticos” (ZIBECHI, 2007).
À guisa de conclusão
Torna-se necessário, portanto, mudar as formas através das quais analisamos e enfocamos as revoltas multitudinárias e as formas emergentes e descentralizadas de ação política no Brasil, de modo a permitir visualizar as invisibilidades e os lugares ocultos que constituem esses novos movimentos sociais e que escapam à conceptualização acadêmica, estadocentrista e unitária. Esses movimentos já demonstraram serem portadores de uma ampla potencialidade no referente à modificação do mundo social. Portanto, segundo Bringel, estamos diante de um grande desafio teórico e político, pois o cenário atual nos exige “adaptar e renovar nossas formas de luta e de interpretação das ações coletivas diante de atuações mais invisíveis, com maior protagonismo da agência individual, da configuração de novos atores, de militâncias múltiplas e organizações mais descentradas (conquanto não espontâneas) e de repertórios mais mediáticos e performáticos” (BRINGEL, 2013). Em vista disso, novos referenciais teóricos e metodológicos necessitam ser elaborados para dar conta da complexidade dos fenômenos que estão sendo construídos e que culminaram nas grandes revoltas das jornadas de junho que presenciamos país afora.
Notas
[1] O artigo de Javier Alejandro Lifschitz (2013) é um exemplo de argumentação que estabelece uma relação causal entre repressão policial e reação à repressão. Já os textos de José dos Santos e Valmaria Santos (2013) e Leonardo Sakamoto (2013) ilustram essa sobrevalorização do papel das redes sociais nas manifestações.
[2] Devido aos limites desse artigo, a trajetória história do Movimento Passe Livre não é amplamente debatida. Para uma maior compreensão desse processo, ver, além do trabalho de Zibechi, os textos de Leo Vinicius (2005), Lucas Legume e Mariana Toledo (2011), Adriana Saraiva (2013) e, por fim, um texto do próprio Movimento Passe Livre-SP (2013).
[3] Nesse sentido, assim como Lacerda e Peres (2014), também concordamos com José Arbex Jr. (2013) quando este afirma que as manifestações de junho já vinham se anunciado há tempos.
[4] Raúl Zibechi (2013) aponta a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT) como exemplos ilustrativos de modos de luta e organização, criadas após o fim da ditadura civil-militar, que não dão mais conta de responder a esses desafios.
[5] Entendo por repertórios como um conjunto de formas de ação coletiva familiares que estão disponíveis à disposição das pessoas ordinárias (ALONSO, 2012).
[6] Os partidos eram o Partido Operário Revolucionário (T-POR) e a Construção ao Socialismo (CAS).
REFERÊNCIAS
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Sobre o autor
Gustavo Fernandes é mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é membro do coletivo de midiativismo Rede de Informações Anarquistas (RIA) e atua no Grupo de Educação Popular (GEP).
Sobre o artigo
O presente texto faz parte de um artigo maior apresentado no I Seminário Internacional Poder Popular na América Latina, um evento acadêmico-militante que aconteceu no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro entre os dias 25 e 28 de novembro de 2014.
Uma questão ficou rondando a leitura do texto: a quem / a que servem essas análises míopes e superficiais?
Quando se lê os atos de 2013 negando a descentralização do movimento, reforça-se o coro que, como uma doutrina férrea, apregoa quais rumos devem tomar os movimentos sociais. Ora, os movimentos sociais nascem no seio do povo, daqueles que sofrem as opressões diárias, e seus rumos são definidos pelas próprias pessoas que o constroem. Para parte da esquerda, porém, a horizontalidade é apenas um ideal defendido nos discursos, mas não algo que possa, nem deva, estar presente nos movimentos. É preciso ter o controle, dos movimentos, das pessoas… Negar a centralização é negar o controle, é reconhecer um papel de protagonismo para todos aqueles que fazem a luta acontecer.
Por outro lado, desconsiderar o processo histórico, como se os atos estivessem soltos no tempo, como se “espontaneamente” tivessem surgido, também se presta a diminuir o papel da construção dos movimentos, nesse caso específico, dos diversos levantes que já vinham acontecendo e de como estes também foram construindo a luta e abrindo canais de discussão e de disseminação da pauta. Descolar o que aconteceu em 2013 de tudo que o precedeu traz uma carga quase messiânica aos atos e turva a visão para pensarmos que também as lutas de hoje estão construindo as lutas de amanhã.
Muito bom o texto, compa!!! Isso me remonta à história do movimento pela melhoria da mobilidade urbana. Lembro como se fosse hoje da “Revolta do Buzu”. Além do desgaste da política partidária e das fraudes dos partidos no movimento estudantil (UNE, UMES, UBES, UJS etc.), éramos também inspirados nas notícias da Ação Global dos Povos, nas lutas Zapatistas e por aí vai… A disseminação da cultura de descentralização nos movimentos sociais no Brasil não nasceu num contexto isolado, mas foi uma continuidade de algo que já ascendia desde tempos atrás! Bom texto! Tá um filósofo da zorra! rsrsrs
Acho que a lembrança da tentativa de “aparelhamento”, digamos assim, ocorrido no Encontro do MPL em Campinas, em 2005, não ajuda a fundamentar do artigo.
A defesa dos princípios que haviam sido acordados na Plenária no FSM daquele ano encontram paralelo em algo bem antigo. Discussão já feita na Associação Internacional dos Trabalhadores no século XIX. A discussão entre centralismo, e descentralismo e, mais importante, sobre a questão econômica ser o que une os trabalhadores. Colocar um programa político (de um partido), só cria cisão.
Então não vejo isso como nova cultura. Nova são as palavras usadas para descrever, como ‘rizomática’, algo que nao é novo. Sobre o ‘fragmentado’, pode ser uma palavra que descreva uma realidade, mas não creio que seja objetivo de ninguém que faz política ser fragmentado. O fragmentado é um problema, não um objetivo ou um desejo, creio eu.
li há poucos dias o capítulo 8 da História da Revolução Russa, do Trotsky. Fiquei bastante impressionado com a repetição (agora como farsa?) das análises históricas dos fatos…
“Quem dirigiu a insurreição de Fevereiro?”
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap08.htm
Salve, Gustavo!
Muito boa essa reflexão sobre um possível “acúmulo histórico”. Nesse sentido, que bom salientar as miopias.
Gostei também da referência à possibilidade analítica de distinguir “movimentos iniciadores” e “movimentos derivados”. Nessa chave, eu, pessoalmente, tendo acreditar na sua colocação sobre os acúmulos históricos e o protagonismo do MPL. Ainda resta, entretanto, muito que me intriga. Esse salto de MPL ao momento mais massivo das centenas de milhares nas ruas é um desafio e tanto para a compreensão. Não acha?
Olá,
Assim como a Priscilla no primeiro comentário, “Uma questão ficou rondando a leitura do texto: a quem / a que servem essas análises míopes e superficiais?”. Mas direciono a questão ao próprio texto. Propõe-se uma “nova compreensão das Jornadas de Junhos”, mas pouco ou nada se encontra de novo. Não é novidade o elogio à “descentralização”, “fragmentação”, “nova cultura política” nas análises das manifestações de junho de 2013. Ao contrário, esses são discursos que aparecem desde junho mesmo, constituindo quase um lugar-comum da análise.
Assim como no texto, esse discurso da “nova cultura política horizontal” comprovada em junho aparece em geral para rebater outras análises, “autoritárias”, que buscariam encontrar uma “direção” no processo, etc. Mas me chamou atenção que, apesar do texto se propor um contraponto a essas análises, quase não há referências à elas (menciona-se um ou outro artigo na nota 1), como se estivéssemos batendo em um inimigo fantasma.
Por isso pergunto: a quem servem essas análises superficiais de junho? Porque de fato o artigo está coerente, não tem informações erradas ou distorcidas, mas ao final da leitura dá a sensação que não saímos do lugar. Será que esse tipo de análise não tenta também aplicar às manifestações um esquema pronto? Assim como certas correntes sempre apontarão o espontaneísmo, outras sempre apontarão de pronto a horizontalidade. Quer dizer, não seria mais relevante investigar como se deu de fato essa horizontalidade? Que formas de organização teve de fato aquele movimento? – falo do movimento massivo, (derivados?), e não dos princípios organizadores do MPL na sua carta de princípios
Enfim, deixo assim algumas problematizações.
Valeu!
Luis
O artigo em questão que tenta mostrar o MPL como protagonista de uma prática supostamente “descentralizada” – que transcendeu a ele, mas foi praticada por ele – faz muito bem em mostrar o 2º encontro do MPL em 2005. A tentativa de “cooptação” por parte de pequenos grupos trotskistas foi, na verdade, o triunfo da cooptação petista. Esses grupos foram expulsos na porrada (eu estava lá) por uma tropa de choque pseudo-“anarquista”, especialmente quando questionaram a vinculação do MPL com o governo federal (CUT). O pessoal do MST embarreirou o tempo todo dizendo que não se poderia falar nada contra o PT, porque o lanche do encontro foi bancado por uma vereadora do PT da cidade. Isso comprova que o MPL já nasceu petista e sua suposta “autonomia” ou “espontaneidade” só existiu quando se tratava de banir grupos antipetistas ou anti-estado. Do congresso de 2005 ao acordão MPL/Dilma em junho de 2013 há uma trajetória muito coerente e bem clara.