A inclusão do “gênero” como pauta de discussão central é novidade na esquerda atual. São décadas de opressão sobre as militantes feministas, opressão reafirmada pela relutância de muitos homens e mulheres em incorporar esse tema. Por Ana Elisa Corrêa

As pautas feministas estão presentes e são objeto de polêmica na esquerda revolucionária desde que emergiram à cena política. Porém, a inclusão do “gênero” como pauta de discussão central é novidade na esquerda atual. São décadas de opressão sobre as militantes feministas, opressão reafirmada pela relutância de muitos militantes (homens e mulheres) em incorporar esse tema. E assim se produziram cada vez mais frequentes ações de resistência e ofensiva dentro das organizações. Graças a embates encarniçados, a questão de gênero passou a ser, ainda que recentemente, debatida e vivenciada com fulgor em organizações da esquerda anticapitalista.

Alguns acalorados debates que vieram a público recentemente e que desembocaram em duras consequências promovendo cisões dentro dos parcos grupos combativos que ainda temos, abalaram minhas estruturas feministas e me tiraram do armário, no sentido de que sinto necessidade de compartilhar e debater as ideias que não param de martelar a cachola e apertar o peito. E daí a importância da publicação do texto neste espaço, considerando que foi há pouco palco de intensas disputas políticas sobre o tema.

Não vejo a emergência desse debate como um “problema” a ser solucionado ou eliminado, muito pelo contrário, creio que precisamos desenvolvê-lo até suas últimas consequências. A polêmica em torno do feminismo hoje está situada em um contexto de enorme fragmentação da esquerda e me parece que a forma explosiva como vem a tona seja, de certa forma, também fruto dessa condição. E essa condição é dramática: ou adentramos ao “consensão” da conciliação de classes de nossas organizações históricas referenciadas no incansavelmente reiterado programa democrático e popular, ou nos colocamos em uma condição de “caquinhos” radicais, isto é, pequenos grupos tentando encontrar pistas para um novo rumo em meio a espessa névoa administradora de uma ordem social horrorosa. É aí, nesta paisagem dramática (e não me venha com essa de que mulher faz draminha à toa), que um debate fulcral como o da condição das mulheres vem à tona. E, por isso mesmo, não tenho nenhuma pretensão conciliadora. Considero, é claro, o perigo de “criarmos muros entre nós”, como o “muro do gênero” por exemplo, porém o movimento de reconstrução e reorganização da luta anticapitalista só pode emergir dessas tensões. Atuar hoje cegamente em nome da unidade é rebaixar pautas visando um projeto de conciliação. Resistir em nossas convicções é também garantir nossa intransigência, ainda que ser capaz de admitir nossos erros seja tão importante quanto.

As mulheres nunca foram verdadeiramente incluídas nas organizações da esquerda. Sejam estas mais tradicionais e obviamente “viris” como os sindicatos e partidos “machistas-leninistas” (como já bradava a mulherada na década de 1970), sejam os inovadores movimentos sociais recheados com um “setor de gênero”, como no caso do MST. E essa exclusão das mulheres não se dá apenas porque elas não conseguem falar ou porque, quando conseguem, não são ouvidas e respeitadas por seus camaradas (homens ou mulheres), ou porque sofrem agressões verbais em meio a debates intestinos sobre uma tática de luta, a transição socialista ou a crise mundial. As demandas, as necessidades, as reivindicações das mulheres, portanto, de metade da população mundial (o que não pode ser desconsiderado creio eu nem pelos mais ferrenhos vanguardistas), são solenemente ignoradas ou simples letra morta em algum panfleto de algum subtópico na listinha de reivindicações formais. São semi-inexistentes as ações de luta que com prioridade (afinal de contas são as mais exploradas!) defendem os direitos trabalhistas das mulheres, questionam a tripla jornada de trabalho, lutam por seus direitos civis mais fundamentais(!), coisa trivial do tipo: liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, garantia de sua integridade física por existir neste mundo, seu direito de escolha em relação ao parceiro ou parceira, seu direito de decisão sobre seu próprio corpo, as condições objetivas e subjetivas na garantia de subsistência dos filhos. E por aí vai…

Ao se defender direitos dos trabalhadores em geral (e não me desculpem a franqueza nada feminina estilo soco no estômago), as mulheres NÃO estão automaticamente incluídas, camaradas! Suas necessidades são específicas, sua condição é grave e não se tira ninguém da UTI com analgésicos. Sintetizando, as mulheres foram e continuam sendo ridiculamente excluídas das lutas da esquerda, não apenas no trato cotidiano intra-militância, mas como sujeito social da luta anticapitalista.

Recentemente militantes têm reclamado que as mulheres têm espaços que os excluem dos debates, os chamados “espaços exclusivos de mulheres”. Creio que esses espaços são paradoxais, isto é, são potencialmente a força e a ruína da mulherada em nossa cruzada antimachista e anticapitalista. Explico-me.

A força

Em um mundo em que as mulheres são oprimidas das mais distintas maneiras: xingadas, reprimidas, espancadas, violentadas, estupradas, humilhadas, é absolutamente necessário que exista um refúgio onde essas mulheres possam se encontrar e se apoiar frente a tenebrosos traumas. Eu particularmente participei de um coletivo de mulheres em um movimento social e o simples fato de as mulheres saberem que esse pequeno coletivo existia, possibilitou que algumas tivessem a coragem de buscar esse espaço para denunciar formas de violência que vinham sofrendo de seus próprios maridos. É um exemplo simples. Mas é simples mesmo! Precisamos de proteção e, quando somos agredidas, tendemos a confiar em nós mesmas.

O trauma não está apenas nas mulheres que sofreram diretamente a violência, mas as que sofrem ao ver isso ocorrer generalizadamente a sua volta. Muitos iriam certamente nos diagnosticar como paranoicas se nos dedicássemos a descrever os cuidados que tomamos mediante os medos que passamos cotidianamente para evitar o risco de uma agressão sexual, por exemplo.

Soma-se a isso o fato de que as mulheres têm todo o direito do mundo de se reunirem para discutir o que bem entenderem, caso julguem que a participação de homens possa inviabilizar seu desenvolvimento. Espaços exclusivos de mulheres podem ser também espaços de formação política, o que a muitas de nós foi socialmente negado. Afinal, isso ocorre a torto e a direito no mundo, nas organizações, nas lutas. Todos espaços aparentemente bem inclusivos, né!? Somos excluídas de incontáveis debates, ações, reflexões. Por que tamanha ofensa dos homens ao não serem incluídos em um deles?

Aliás, poderíamos ir mais longe, o que seria matéria bruta pra outro texto, mas por que não admitir que as mulheres, além de se reunirem, possam buscar caminhos de se defender e mesmo responder às violências que sofrem em um contexto de total ausência de respostas coletivas? Se a fragmentação das lutas é correntemente utilizada dentre os setores críticos para explicar essa ausência de resposta coletiva, porque tal fragmentação não legitimaria as tentativas radicalizadas de ação feminista?

A ruína

Não há revolução sem feminismo, porém, não há superação do machismo sem revolução. Um feminismo que se propõe a pensar o fim do capitalismo, não pode excluir a outra metade da humanidade: os famigerados homens. Processos coletivos demandam inclusão.

Quando as mulheres percebem, em seu processo de formação militante (e há poucos espaços menos machistas que o da militância), que estão sendo excluídas e oprimidas por seus parceiros de combate, o sentimento mais puro e legítimo é uma raiva que nos toma os sentidos. Afinal, como este companheiro quer mudar o mundo e aje como um machista repugnante? Como pode lutar pela humanização e contra a barbárie e reproduzir instintos patriarcais brutais? Mas aí está o risco em nos deixar levar pelo ódio de gênero, o que se contradiz diretamente com o desejo de transformar esse mundo coletivamente. A militância de esquerda, a mais radical delas, é machista, é racista, é homofóbica.

Mas afinal, me parece inviável avançar no combate a isso se nos mantivermos nos textos clássicos do marxismo e do anarquismo produzidos há décadas, senão século (e meio) atrás. Conhecer a fundo os mecanismos da exploração capitalista e o funcionamento do sistema do capital não nos habilita automaticamente a lutar contra toda e qualquer forma de opressão. A luta exige um aprofundado conhecimento de nossos inimigos, e pouco conhecemos dos mecanismos que nos inculcam, até mesmo em nosso inconsciente, impulsos machistas, homofóbicos e racistas. E ainda que possamos pinçar em nossos insubstituíveis clássicos alguma reflexão contra as opressões, é algo sempre marginal. Essas reflexões afloraram pra valer após a segunda metade do século XX e ainda estão engatinhando em sua capacidade crítica. Claro que não podemos esquecer de mulheres como Clara Zetkin, Alexandra Kollontai, Frida Kahlo, Simone de Beauvoir, Louise Michel e tantas outras. É indispensável beber dessas fontes históricas rebeldes, mas elas estão longe de nos saciar perante as questões que carregamos hoje.

Há várias correntes do feminismo com debates recheados de conteúdo que insistimos em ignorar. Não seremos tragados por um pós-modernismo ou corrente similar como se fosse um vírus irrefreável pelo simples fato de lermos e debatermos as questões que o movimento feminista não classista tem levantado. Por que tanto medo? Parece que a condição de defensiva levou a um processo de encastelamento da esquerda em seus rígidos dogmas, que são, de fato, logicamente brilhantes, mas praticamente insuficientes. Infelizmente, nos fecharmos hermeticamente nas seguras cartilhas da esquerda classista tem produzido perversidades, bem como um descolamento — dramático para pretensos materialistas — das grandes questões que a realidade nos impõem. E esse abrir-se sem perder a razão revolucionária que defendo, envolve a escancaradamente necessária realização de espaços coletivos de debate e a realização de ações concretas nas lutas de defesa das mulheres que incluam homens e mulheres. Debates que não apenas bradam a opressão e levantam a bandeira, mas que vão a fundo nas questões contemporâneas.

Por fim, há uma questão fundamental a se considerar. Ainda que algumas formas opressivas do machismo sejam sentidas por mulheres de todas as classes sociais, a forma como esse processo se dá e como as mulheres pensam e elaboram a respeito pode ser muito distinta a depender de sua classe. A inclusão nesse debate das mulheres trabalhadoras, moradoras da periferia, as excluídas das excluídas, é crucial para pensarmos afinal o que seria uma “revolução feminista”. Infelizmente, a questão de gênero se limita em grande parte à discussão da opressão sobre as mulheres de classe média, sendo que debates que afetam cotidianamente as mulheres pobres acabam tomando um tom legalista e institucionalizado. Claro que iniciativas como a Lei Maria da Penha têm sua importância objetiva no dia a dia das mulheres, mas penso que a esquerda anticapitalista poderia elaborar formas de auto-organização alternativas muito mais avançadas e com autonomia da ação estatal-legal. E essas alternativas deveriam ser pensadas em conjunto com essa mulherada. É importante reconhecer o opressor e a opressão, bem como denunciá-los, mas me parece parte crucial do desafio tomarmos as rédeas de nossas posições e nos transmutar-nos de vítimas do machismo em sujeito das lutas das mulheres. Mas daí adentramos novamente à realidade-drama da esquerda em tempos de fragmentação. Quais as iniciativas de auto-organização e luta que conseguimos estabelecer hoje, nas periferias por exemplo, para estarmos em contato com essas mulheres?

Podemos ainda adicionar aqui um imbróglio que pega ainda mais embaixo as organizações que estão pondo a mão na massa. São muitas as experiências de organização popular, do campo e da cidade, que contabilizam sua base a partir do “número de famílias”. E isto é reforçado incessante e cotidianamente ao longo de todo o processo da luta em questão, em geral por terra ou moradia. Como podemos questionar a ordem patriarcal reforçando um de seus alicerces mais truculentos para as mulheres como a família?

Termino com alguns outros dilemas, pois sei que levantei de forma assertiva questões que estão muito longe de ter receita pronta.

Podemos defender espaços exclusivos e inclusivos, se é que temos fôlego para tanto em um contexto em que a esquerda radical amarga a crise das lutas em geral, porém, de fato, o diálogo muitas vezes não basta. São incontáveis as vezes que tentei ou outras camaradas tentaram dialogar com um militante por sua atitude machista e a resposta veio ofensiva, denunciando a nossa feminina histeria, a nossa loucura, a nossa “tendência feminazi”. Pois é. Temos um fiel da balança dificílimo de lidar: por um lado o perigo de recair em uma postura autoritária e punitivista consequência possível do exclusivismo do debate entre mulheres, por outro lado, o risco de resvalar em uma demagogia dialógica e “passar a mão na cabeça” de nossos algozes.

E mais, como a esquerda dos fragmentos, a esquerda em frangalhos, poderia incorporar “novas” demandas como as questões de gênero? Pra não dizerem que não sou ao menos um tiquinho otimista, talvez a nossa aparente incapacidade imobilizadora, que tem levado a uma guerra entrincheirada entre nós mesmos, possa conter potenciais contestatórios ainda inesperados pelo sistema. Estariam já previstas formas de auto-organização em torno das questões de gênero autônomas em relação ao Estado? Talvez alguns dos temas que mais nos dividem ou que tratamos sempre como marginais e secundários, sejam aqueles que também o sistema (o capital e seus instrumentos de repressão e controle) não saiba (ao menos não ainda) como cooptar e controlar.

Sintetizo o grande drama em como não abrir mão do feminismo sem perder de vista que o fim desse sistema social capitalista horroroso só será possível com homens e mulheres, lado a lado, lutando contra a barbárie social. E isso tudo considerando que nós, gêneros todos, somos também produtos dessa realidade escrota recheada de derrotas, reunindo esforços, meio bárbaros meio humanos, para nos constituirmos como sujeitos ativos de nossos sombrios tempos.

As imagens que ilustram o artigo foram retiradas do filme “Mad Max: A estrada da fúria (2015)”

23 COMENTÁRIOS

  1. “As mulheres nunca foram verdadeiramente incluídas nas organizações da esquerda.”

    “Parece que a condição de defensiva levou a um processo de encastelamento da esquerda em seus rígidos dogmas…”

    substitua-se a “esquerda” da última frase por “feminismo”. Afinal, tantas e tantas mulheres na história das organizações de esquerda do último século estavam apenas sendo enganadas? Massa de manobra de machistas? [e o risco de silenciar as vozes femininas dissidentes?]
    Respeito a argumentação da companheira, mas me parece que peca por estruturalista. Da mesma forma em que, de repente, toda esquerda radical é racista, homofóbica, etc, etc, etc… será um amor pelo látigo, uma forma de expiar a culpa de classe?

    Ana, duas coisas me chamaram a atenção no teu texto, quase detalhes: primeiro são às menções à revolução e à esquerda revolucionária. A segunda é com o diagnóstico claro a respeito da fragmentação da esquerda e das dificuldades em realizar um processo de reunificação.
    Queria que você comentasse a respeito do horizonte que hoje essa esquerda se coloca. Pois tenho impressão de que esse pode ser um dos temas centrais: traçar um caminho longo e árduo une as pessoas, problematizar questões do aqui e agora tende a dividir. E não há dúvidas de que ambos momentos são muito necessários; que limita-se ao horizonte pode servir para legitimar injustiças do agora; e limitar-se ao agora é uma forma de inviabilizar o horizonte. Essa esquerda que está tão ocupada com esses debates sobre feminismo, ela em algum momento debateu a revolução? Digo, de maneira séria, não como uma coisa óbvia e utópica sobre o qual supostamente estão todos de acordo [como talvez alguns companheiros pensem o feminismo].

  2. É com pesar que observa-se a partir deste texto a forma da não inclusão da questão racial para se observar a realidade e divagar sobre os problemas para alem do termo pobreza e periferia( que não significa tema racial). Observa-se o Racismo do texto( e das suas ilustrações, todas brancas) ao falar das mulheres e lutas feministas pela ótica branca,classista ( e sua tentativa de exaltar a contradição desse fato) e a negação da discussão racial(Negras(os), Brancas(os), Índias(os)) na tentativa de incluir a todos como seres-humanos e que só faz afastar a discussão evidente dessa problemática na vida social e sobre quais são os corpos que merecem viver.

    o que se observa é que mesmo uma esquerda ultra revolucionaria e feminista não consegue se desgrudar de sua branquitude imposta pelo sistema de extermínio racial e manutenção de privilégios.Quando os corpos negros valem menos que todo esse texto!!!

    Obrigado!

  3. “A história de toda a sociedade até nossos dias é a história da luta de classes”. Eis o “motor da história”! Verdade imprescritível trazida à tona por Marx e norte inalienável para a compreensão e superação dos mais diversos “dramas” impostos pela luta de classes.

    O debate de gênero, (ou de raça, ou de cultura, etc), toma, via de regra, o “efeito” como “causa” de toda opressão, exploração, violência. Todas as condições a que são submetidos os gêneros (ou as raças, ou culturas, etc) são consequências diretas do modo de produção e nunca serão compreendidas nem superadas se não forem analisadas sob o prisma da luta de classes.

    Em geral, os movimentos feministas (assim como os movimentos multiculturalistas) tomam por principal critério identitário sua condição biológica (ou fenotípica, ou culturalística, etc), a partir da qual entendem que é justamente por esta condição biológica que lhes são impostas posições sociais e econômicas inferiores em relação ao outro gênero. A partir desta premissa, propõe, via de regra, que a revolução seja feita não sob a ótica da classe, mas sob a ótica do gênero, como se o gênero tivesse o estatus de classe (o que pressuporia que os diversos movimentos multiculturalistas também tivessem o estatus de classe). Enfim, propõe (contraditoriamente) uma luta “anticapitalista” (lembrando que capitalismo é um modo de produção que, além de social, é, sobretudo, econômico) combatendo e enfrentando a sociedade machista.

    Deste modo, ao equiparar feminismo como classe, teríamos, em tese, sob esta mesma classe, desde Marias, Anas, Severinas, Raimundas, até Dilmas, MargaretsThatcher, Angelas Merkel, etc., a lutar contra Josés, Antônios, Severinos, Raimundos, até Lulas, Obamas, Bills Gates, Georges Soros, etc. Da mesma forma, em tese, deveriam ser as lutas multicuralistas. Tudo isso porque se toma o efeito da luta de classes (machismo, racismo, homofobia, etc) como causa destes males. A propriedade privada dos meios de produção não existe em virtude do machismo (ou do racismo, etc), mas o machismo (ou racismo, etc) existe em virtude da propriedade privada dos meios de produção, ou seja, o machismo (ou o racismo, etc) garante a propriedade privada daquele que a detém, seja ele homem ou mulher, branco ou negro, etc.

    Mas tudo isso não exclui nem exime a classe trabalhadora de enfrentar tanto externa, quanto internamente, as opressões, as explorações, as violências sofridas em razão do gênero, da cor, etc., porque elas de fato existem e são inegáveis, mas tão somente a partir da luta de classes, que sob o modo de produção capitalista, se dá na luta entre patrões e empregados. Esta luta é que determina verdadeiramente a condição e a posição de cada ser humano seja qual for o modo de produção histórico, ao menos até a verdadeira revolução.

  4. 1) A autora escreve que “a luta exige um aprofundado conhecimento de nossos inimigos, e pouco conhecemos dos mecanismos que nos inculcam, até mesmo em nosso inconsciente, impulsos machistas, homofóbicos e racistas”. É um pensamento que tende para o tipo equivocado de determinismo, e é muito comum. Não se pode pressupor que todo indivíduo é inculcado, mesmo que no seu inconsciente, por princípios machistas, homofóbicos e racistas. Essa generalização é incorreta. Cada indivíduo tem o seu próprio percurso, que passa por grupos sociais específicos, por relações sociais específicas. E a trajetória de um indivíduo não percorre um único grupo social, uma única relação social, sendo, por isso, contraditória. Por exemplo, cada família (e as famílias são grupos sociais, relações sociais) é distinta, e nem todas elas reforçam comportamentos machistas, homofóbicos e racistas; e, mesmo que um indivíduo faça parte de uma família que reforça tais comportamentos, se ele começar a participar de grupos sociais que realizam relações sociais totalmente distintas (e opostas), o seu comportamento será relativamente moldado em outro sentido. E mais: o machismo, a homofobia e o racismo podem ser elementos mais ou menos acessórios num grupo social, numa relação social, sendo, portanto, mais fáceis de eliminar, a depender do posterior desenvolvimento do percurso do indivíduo. Em certas famílias, por exemplo, o machismo, a homofobia e o racismo são mais intensos do que em outras. Cada grupo social, cada relação social de que um indivíduo participa, vai moldando o seu comportamento e o seu modo de pensar, e o seu discurso individual. O que serve para determinar se um indivíduo é machista, homofóbico ou racista é a frequência com que ele participa de relações sociais, de grupos sociais, que promovem o machismo, a homofobia e o racismo; se a frequência muda, ou seja, se o indivíduo deixa de participar de relações sociais, de grupos sociais, que promovem o machismo, a homofobia e o racismo, participando, então, de relações sociais, de grupos sociais, que promovem a igualdade, passando por cima dos sexos, das relações entre os sexos, das cores de pele etc., o seu comportamento também muda, e também muda o seu modo de pensar e o seu discurso individual. Pressupor que todo homem foi, desde a infância, inculcado por princípios machistas é um erro; e, mesmo que muitos deles, a maior parte deles, tenham sido inculcados por esses princípios desde a infância, o que interessa é alterar a frequência da sua participação em relações sociais, em grupos sociais, que reforçam tais práticas, que são abomináveis; e o meio correto de fazê-lo é fortalecer as organizações anticapitalistas, criando grupos sociais, relações sociais, onde a igualdade (entre trabalhadores em geral, homens, mulheres, brancos, negros, heterossexuais, homossexuais etc.) já é praticada, aqui e agora: quanto mais esses grupos sociais, essas relações sociais, se expandirem, dando origem a novos grupos e relações sociais do mesmo tipo, mais pessoas participarão de formas de convivência e colaboração sociais marcadas pela igualdade e, portanto, menos pessoas serão machistas, homofóbicas e racistas, lutando, ainda, contra o capitalismo. O desafio, porém, está em fazer com que as opressões particulares sejam adequadamente integradas à luta contra o capitalismo, no que a esquerda tem, quase sempre, fracassado. Mas abdicar disso, em favor da ênfase nos particularismos, nas lutas particulares de identidades particulares, que é uma característica do pós-modernismo e do multiculturalismo, é um grave erro. E também é um grave erro abdicar disso em favor de uma luta das mulheres contra os homens, dos negros contra os brancos, dos homossexuais contra os heterossexuais etc. É preciso reforçar aquilo que nos une, não o contrário.

    2) A autora recorre a generalizações inteiramente problemáticas, para defender a existência dos espaços exclusivos de mulheres, como a de que as mulheres “nunca foram verdadeiramente incluídas nas organizações da esquerda”, além de terem sido, por regra, ignoradas ou marginalizadas. Será que essa afirmação é historicamente exata? Como bem colocou o Lucas, acima, será que as mulheres, na esquerda, sempre foram massa de manobra de machistas? Se nunca foram incluídas e sempre foram ignoradas ou marginalizadas, a construção, na esquerda, da igualdade entre homens e mulheres é nada mais do que uma utopia? Pois, para que reconheçamos a viabilidade de um projeto político, é preciso que se parta de experiências concretas de realização, mesmo que parcial, desse projeto. Se pensamos cientificamente e defendemos, por exemplo, a autogestão, é porque identificamos a possibilidade de aplicação generalizada da autogestão no futuro, partindo da nossa observação da autogestão sendo aplicada, mesmo que embrionariamente, aqui e agora. Da mesma forma, se pensamos cientificamente e defendemos a igualdade entre homens e mulheres, temos de identificar, aqui e agora, relações não opressivas e de igualdade entre homens e mulheres. A existência de relações que são precursoras é indispensável para a defesa de um projeto político, ou, pelo menos, de um projeto político fundado em bases racionais. Não se trata de negar que existem rupturas e mudanças históricas, mas novas relações sempre partem, em certa medida, mesmo que minimamente, de relações previamente existentes: é exatamente por isso que falamos em “história”, onde nem tudo é completamente novo e, por outro lado, nem tudo fica sempre na mesma.

    3) Discordo completamente da tese, esboçada no texto, de que as questões de gênero devem ser prioritárias porque as mulheres são as mais exploradas. A prioridade deve vir de acordo com a circunstância. A meu ver, se estamos conscientes de que devemos lutar observando mudanças conjunturais, respondendo aos ataques desferidos pelas classes exploradoras, que vão se modificando no decorrer da luta, prioritárias devem ser as demandas, em cada momento, relacionadas às manobras das classes exploradoras. Quem deve definir, portanto, o que é prioritário ou não são os homens e mulheres que participam da luta anticapitalista, não este ou aquele coletivo de mulheres, esta ou aquela tendência dentro do feminismo. Quando surgem certas urgências, como agressões ou abusos sexuais, elas devem estar entre as prioridades, mas sem perder de vista que a resposta aos ataques das classes exploradoras não pode deixar de constituir uma prioridade, a maior delas, como tem ocorrido em muitas organizações de esquerda, que deixam de lado as manobras das classes exploradoras, que visam à recuperação das lutas dos explorados, para ficar, horas e horas, discutindo questões de gênero: por vezes, as discussões são até banais, como a de que a militante x se sentiu oprimida porque o militante y falou mais alto do que ela numa reunião; ou porque os militantes x “debocharam” do espaço exclusivo das militantes y (aqui: http://passapalavra.info/2014/08/98495). A minha discordância, que fique claro, não se deve a uma ignorância ou a uma diminuição da importância das questões de gênero: deve-se ao fato de que a luta dos explorados contra os exploradores tem sido revertida numa luta de explorados contra explorados, nas organizações de esquerda, por conta de polêmicas referentes às questões de gênero. E a autora chega a enxergar um potencial anticapitalista na, como ela mesma coloca, “guerra entrincheirada entre nós mesmos”, quando ela diz que: “talvez alguns dos temas que mais nos dividem ou que tratamos sempre como marginais e secundários, sejam aqueles que também o sistema (o capital e seus instrumentos de repressão e controle) não saiba (ao menos não ainda) como cooptar e controlar”. Foi passar as pautas de gênero acima de qualquer outra pauta, e considerar as lutas fratricidas entre militantes como revolucionárias, que levou à decadência do MPL, hoje em estado terminal. Além do mais, não nos iludamos: os órgãos de repressão do Estado podem cooptar facilmente certas práticas do feminismo. É só pensar da seguinte forma: o Estado infiltra um agente; esse agente agride uma moça; pronto, acabou aquela organização: vão uns lutar contra os outros, com denúncias, escrachos, exclusões e rachas, até que não reste nada. Não estou afirmando que as denúncias são frutos de uma conspiração da polícia, nem que não devam ser feitas, mas a possibilidade de apropriação de certas práticas do feminismo pelo Estado, tendo em vista a desagregação das organizações anticapitalistas, é real e não deve ser subestimada. E, sendo feitas as denúncias, deve-se garantir o direito de resposta e tentar averiguar os fatos, ao invés de condenar sem partir de fatos e sem direito de defesa.

    4) A meu ver, os espaços exclusivos são necessários, mas somente quando existe uma oposição sistemática e radical, uma sabotagem generalizada, uma enorme repulsa, por parte dos homens, à participação política das mulheres. Nesse caso, são os homens que iniciam as práticas exclusivistas, de modo que uma organização relativamente exclusiva de mulheres se faz necessária, pelo menos inicialmente, para fazer frente às práticas exclusivistas dos homens. O que vemos, hoje, todavia, é justamente o contrário. Em certos movimentos, não existe uma oposição sistemática e radical, nem uma sabotagem generalizada, nem uma enorme repulsa à participação política das mulheres. Muitas vezes as demandas das mulheres são, sim, ignoradas. Muitas vezes existem, sim, abusos sexuais. Muitas vezes existem, sim, agressões. No entanto, uma grande porcentagem dos homens, senão a maioria, não só apoia a participação política das mulheres como também considera inaceitáveis a ignorância das demandas das mulheres, os abusos sexuais e as agressões, além de não serem agressores, sequer em potencial. E é com esses homens que as mulheres podem e devem contar, desde o início, na medida do possível, para fazer frente às práticas exclusivistas e à violência dos outros homens. Contudo, quem inicia as práticas exclusivistas, hoje, são, em geral, mulheres inseridas em organizações de esquerda nas quais os homens não respondem, rapidamente e com uma fórmula pronta, aos casos de violência, exatamente porque eles não têm uma fórmula pronta. A fórmula pronta é, então, apresentada: denúncia, escracho e exclusão. E os homens que, como qualquer outra pessoa, vacilariam por não saberem como agir, pois a questão é complexa, são acusados de falta de solidariedade, de machismo etc. E as críticas, por parte desses homens, à fórmula pronta apresentada são, alegadamente, uma continuidade da violência sofrida pela militante x ou y. Hoje, em geral, quem inicia as práticas exclusivistas é uma modalidade do feminismo.

    5) Como o texto pretende ser classista, mas, ao mesmo tempo, traz elementos do multiculturalismo para o debate, ele é contraditório. A certa altura, a autora escreve que “somos excluídas de incontáveis debates, ações, reflexões. Por que tamanha ofensa dos homens ao não serem incluídos em um deles?” (o que é um argumento multiculturalista, pois, para o multiculturalismo, cada identidade precisa do seu espaço exclusivo para se afirmar perante as identidades opressoras), ao passo que, em outro momento, ela escreve que “esse abrir-se sem perder a razão revolucionária que defendo, envolve a escancaradamente necessária realização de espaços coletivos de debate e a realização de ações concretas nas lutas de defesa das mulheres que incluam homens e mulheres”. Num primeiro momento, a reprodução, pelas mulheres, do tipo de exclusão contra a qual elas lutam não levanta muitos problemas: afinal, se os homens são excludentes, por que não as mulheres? Noutro momento, o que se demanda são debates e ações concretas que incluam homens e mulheres. É, enfim, contraditório.

    6) Como eu já afirmei acima, há elementos multiculturalistas no texto. Note-se: não digo que a autora é, enquanto indivíduo, uma multiculturalista, mas que há elementos multiculturalistas no texto, e eles me parecem dar o tom do texto, em várias passagens. Tudo bem, pois a própria autora deixa claro que não devemos ter medo de discutir o que os pós-modernos etc. discutem: concordo. Mas as soluções baseadas na leitura multiculturalista, ou pós-moderna, das questões de gênero são altamente problemáticas. O multiculturalismo parte do pressuposto de que, desde a ocidentalização do mundo, desde que o Ocidente se tornou imperialista e deu origem à globalização, as sociedades têm sido, cada vez mais, sociedades multiculturais, isto é, formadas por múltiplas identidades. Porém, existem identidades que predominam sobre outras, tornando-as invisíveis, silenciando-as, suprimindo-as, oprimindo-as etc. Trata-se, sobretudo, da identidade do homem branco burguês ocidental. O que se deve fazer, portanto, é estabelecer espaços para que as identidades invisibilizadas, silenciadas, suprimidas, oprimidas etc. se afirmem, marquem posição e redefinam a sociedade multicultural, numa espécie de novo mosaico, eliminando a predominância da identidade do homem branco burguês ocidental sobre as demais. Além do mais, como a multiplicidade de identidades é infinita, existem os oprimidos, dos oprimidos, dos oprimidos, dos oprimidos […], cada um com a sua luta específica. A autora me parece estar sempre em busca do grupo social mais oprimido, que deve ter certas prioridades: as mulheres em relação aos homens; as mulheres da periferia em relação às mulheres “de classe média”. Há também uma noção de que a participação das mulheres da periferia tornará a luta feminista revolucionária, como se, só por serem da periferia, essas mulheres fossem revolucionárias, enquanto que as não moradoras da periferia são, no máximo, reformistas. A autora parece, portanto, mais interessada em afirmar as identidades invisibilizadas, silenciadas, suprimidas, oprimidas etc., em relação às identidades opressoras, como o fazem os multiculturalistas, do que em afirmar práticas sociais igualitárias, relações sociais igualitárias, que as pessoas estabelecem concretamente entre si, levando-se em conta a trajetória específica de cada um, mas sempre articulando o específico no geral. O multiculturalismo procura sempre a “diferença”, o grupo social “mais” oprimido, ao invés de articular o particular no geral, que é o modo de articular a luta contra todo tipo de opressão, sem hierarquização do nível de opressão, com a luta contra o capitalismo. Não podemos cair no erro de ficar em busca de especificidades e soluções específicas: temos de integrar todas as especificidades numa solução geral (a revolução comunista), o que dá mais trabalho, reconheço, do que colocar cada um no seu quadrado, todos lutando contra todos, enquanto o capitalismo se renova e se mostra cada vez mais aberto ao discurso da esquerda pós-moderna. Por fim, devemos ter em mente que o feminismo não é uma luta específica das mulheres (sinto muito, mulheres, mas não é, pois a superação do machismo também depende daqueles aproximadamente 50% da população mundial que são os homens; se o que se propõe não é que eles sejam eliminados, é claro). O feminismo é uma luta de todos os anticapitalistas, mas, muitas vezes, certas feministas dizem que o feminismo é uma luta de todos, incluindo homens e mulheres, querendo dizer, na verdade, que os homens devem aprovar qualquer solução trazida de dentro do feminismo, o que é um contrassenso. Se o homem é um dos sujeitos da luta feminista, e creio que é esse o ideal, ele deve ser um sujeito pleno da luta feminista, podendo criticar e influir nos rumos da luta, sem ser acusado de querer roubar o protagonismo das mulheres, pois a luta não é pelo protagonismo, é pela igualdade.

  5. Cleyton V.,

    Não sei se você notou, mas a segunda foto mostra um conjunto de mulheres, e a primeira, da esquerda para a direita, é negra (o nome da atriz é Zoë Kravitz… Faça uma busca no Google). Na última foto, a mesma atriz aparece no centro da imagem… Desse modo, talvez seja você quem está ignorando que o elenco do filme, Mad Max: Estrada da Fúria (aliás, um excelente filme), é multirracial.

  6. Fagner Enrique

    Tem uma negra na foto ( não somos racistas). Tenho um amigo negro(não somos racistas). O presidente dos EUA é negro( não somos racistas). No filme tem uma negra(não somos racistas). Se só tem uma é porque as outras estão mortas!

    Você quer pior racismo do que esse que você acabou de fazer? O clichê do tem uma negra(o)
    Depois desse clichê estupido só reitero a minha fala.

    “o que se observa é que mesmo uma esquerda ultra revolucionaria e feminista não consegue se desgrudar de sua branquitude imposta pelo sistema de extermínio racial e manutenção de privilégios.Quando os corpos negros valem menos que todo esse texto!!!”

  7. Cleyton V.,

    Faça-nos um favor e leia a Apresentação, os Pontos de Partida e o Estatuto Editorial deste site (aqui: http://passapalavra.info/quem-somos). No seu primeiro comentário, você afirma que “observa-se o Racismo do texto( e das suas ilustrações, todas brancas) ao falar das mulheres e lutas feministas pela ótica branca,classista”. Ora, não sei se você notou, mas este site é um site anticapitalista. Logo, as discussões, aqui, tendem a se orientar pela ótica classista, que você equipara a uma suposta “ótica branca”. Classismo, para você, é coisa de gente branca?

    Enfim, seus comentários são o exemplo mais perfeito do racismo que contamina, hoje, a esquerda: o que pretende combater o racismo branco através de um racismo negro. Creio que você está escolhendo, portanto, o espaço errado para comentar, pois o que você vai encontrar, aqui, são pessoas que analisam as lutas sociais através dessa suposta ótica classista e “branca”, contra a qual você se levanta.

    Quando você afirma que, “na tentativa de incluir a todos como seres-humanos”, o que se faz é “afastar a discussão evidente dessa problemática [o racismo] na vida social e sobre quais são os corpos que merecem viver”, estamos diante de um argumento que nega a possibilidade da igualdade (de uma igualdade que enfatiza aquilo que nos une: o fato de sermos todos humanos e explorados), com base num raciocínio racista.

    Além do mais, seus comentários não contribuem, em nada, ao debate que o texto e as ilustrações pretendem suscitar.

    E mais: no seu primeiro comentário, você afirmou que o texto é racista por ser classista e por ter sido ilustrado com mulheres brancas. Me limitei a demonstrar que o texto não foi ilustrado apenas com mulheres brancas, o que já destrói o seu argumento referente às ilustrações.

    Além do mais, ao contrário do que você alega, o classismo não tem nada de racista. Pelo contrário, é a existência de classes que explica o racismo. Ou você acha que o racismo não tem nada a ver, por exemplo, com o fato de que, há alguns séculos, escravos adquiridos na África começaram a ser sujeitos ao trabalho forçado nas plantações das colônias americanas? E será que não existem outros exemplos de como as relações de classe contribuíram para gerar o racismo?

    Enfim, o debate começou interessante, mas acho que você o está levando para direções muito, muito, muito menos sensatas.

  8. “ (…) na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência” (Karl Marx -Para a Crítica da Economia Política).

    Por mais que seja difícil perceber ou admitir (e é por isso que insistimos tanto em tomar o efeito – machismo, homofobia, racismo, etc – como causa de nossos “dramas”), Marx nos revela uma realidade que, sob um aparente determinismo, nos indica o verdadeiro caminho para a emancipação da classe trabalhadora. Muitos dos conflitos aos quais são expostos (e, também, auto-expostos) os trabalhadores, têm, de antemão, sua origem e sua operacionalização nas superestruturas capitalistas (ou de outros modos de produção). Quanto mais se encontrar fragmentada a classe trabalhadora, mais coeso estará o capital. Por isso o capital investe pesadamente em controles sociais das mais variadas ordens, e, também por isso, o enfrentamento a esta força do capital não se pode dar, eficazmente, no âmbito do individual ou familiar, ou identitário, e é por isso que muitas das resistências que se dão, formalmente, contra o capital – feminismos, multiculturalismos, etc – são formas de luta aparentes, pois em essência, tendem a ratificar (ainda que possa promover algumas “retificações” sociais ao modo de produção) este mesmo capital.

    No mesmo texto, prossegue Marx: “Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si próprio, tão-pouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento a partir da sua consciência, mas se tem, isso sim, de explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, do conflito existente entre forças produtivas e relações de produção sociais”. Falta-nos, muitas vezes, compreender o quão manipulados somos e que os critérios de avaliação que utilizamos para o desvendamento da realidade e as consequentes escolhas dos caminhos e instrumentos de lutas são limitados e limitantes e não apenas nos distancia do nosso ideal de emancipação, como vai minando os laços de solidariedade e união, colocando em campos opostos vítimas de um mesmo sistema, em razão da visão parcelar de si mesma que a classe trabalhadora vem sendo submetida e se auto-submetendo: “Muita ignorância e muita incompreensão se revelam no fato de se relacionar apenas fortuitamente fenômenos que constituem um todo orgânico, de se apresentar as suas ligações como nexos puramente reflexivos” (Marx, idem).

    Para encerrar, uma tese de Guy Debord em “A Sociedade do Espetáculo” bastante esclarecedora destes variados “dramas” que ora se nos apresentam:

    “ A ideologia é a base do pensamento duma sociedade de classes, no curso conflitual da história. Os factos ideológicos não foram nunca simples quimeras, mas a consciência deformada das realidades, e, enquanto tais, factores reais exercendo, por sua vez, uma real acção deformada; tanto mais que a materialização da ideologia, que arrasta consigo o êxito concreto da produção económica autonomizada, na forma do espectáculo, confunde praticamente com a realidade social uma ideologia que pôde talhar todo o real segundo o seu modelo”

  9. não sei se o Cleyton é apenas mais uma das figuras mitológicas que as vezes frequentam esse site na mesma linha de atuação do chacrinha,

    mas é certo que a argumentação que ele apresenta mostra uma semelhança tremenda com a do texto: todos são racistas até que se prove o contrário; toda prova insatisfatória se torna uma prova contra o acusado.
    Comparar o pós-modernismo com o fascismo tem vários problemas, o principal é que o primeiro é um discurso e o segundo é um processo histórico. Mas que ele reproduz bem o discurso desse processo histórico, é cada dia mais claro (ops, quer dizer, não-escuro).

  10. O debate está um pouco esquizofrênico, a autora aborda muitos elementos delicadíssimos no debate de extrema esquerda atual e alguns vêm comentar o texto pelo que ele “não aborda”. Ora, se faltou tratar da questão negra e do problema do racismo também faltou tratar da homofobia, transfobia, discriminação contra as prostitutas, profissionalização deaa profissão, direito ao aborto, segregação urbana, reforma agrária e por aí vai. Se se considera o tema não-tratado imprescindível, basta escrever um texto e enviar ao site, ou ao menos levantar o tema neste espaço de debates, mas aí propondo algo, alguma problematização articulada com o tema do texto, e não simplesmente esperneando o que o texto não tratou, sem indicar nada de construtivo para o debate.

    Achei louvável a tentativa da autora de abordar os temas que abordou de um “lugar” intermediário aos extremos do debate atual sobre feminismo e extrema esquerda. Concordo com Fagner quanto aos escorregões multiculturalistas do texto, mas certamente as feministas radicais estão neste momento criticando os escorregões classistas (“machistas”?) do texto (embora estejam boicotando o site e fingindo que não o leem mais, tudo porque julgam que publicar uma carta de defesa de um acusado de agressão contra uma mulher é “passar o pano” para o machismo, ou então porque têm medo de comentar aqui e sofrer as consequências morais e políticas do punitivismo feminista excludente das camaradas & “minas”). Aliás, talvez o que julgamos “escorregão” seja na verdade uma mediação tornada necessária pelo caminho que a luta feminista trilhou principalmente desde 1968, quando a derrota das lutas dos trabalhadores resultou na passagem do foco da luta feminista para as questões de sexualidade, identidade etc. em vez da igualdade social de gênero (desde a luta) articulada com a superação do Capitalismo enquanto pressuposto para a efetivação da igualdade de gênero. Acho o caminho de diálogo escolhido por Ana Elisa uma boa tentativa, justamente por o “estado atual do debate” estar tão bizarramente polarizado intratrincheiras, com diálogo considerado impossível entre as partes, e tudo isso enquanto o machismo (de homens e mulheres) e o fascismo (de homens e mulheres) segue tão ou mais forte que antes dentro e fora das organizações da esquerda. Aliás, a própria publicação do texto pelo Passa Palavra me parece em alguma medida uma abertura para debater de modo franco os temas priorizados pelo feminismo multiculturalista.
    Ana, se possível gostaria que contasse mais sobre sua experiência de espaços autoorganizados de mulheres, a importância destes espaços e se havia o “segundo momento” de socialização junto com os homens dos avanços de debate sobre o machismo feitos antes “em separado”. Não sei o que você pensa, mas minha visão é que se não há esse segundo momento a tendência é cada gênero se encastelar em seu lado da briga, com as mulheres superconvencidas de que são vítimas do machismo e que os homens são os vilões, e os homens, não vivenciando os debates nem nada, apenas reproduzindo seus machismos socialmente interiorizados desde que eram crianças e que não bastou se tornar de esquerda para automaticamente superarem… Daí para a conscientização das mulheres se tornar ódio contra os homens é um pulinho, e um pulinho muito negativo pra luta feminista, na minha opinião.
    Grata!

  11. Fagner e Lucas ( Qual a diferença de seu discurso e um discurso racista de direita? Nenhuma! Comparem)
    A minha critica é válida e permanece.
    A primeira coisa que o inimigo faz é tentar rebaixar o outro da sua condição de critico. Fui Chamado de ser “mitológico” e de “racista negro” pela esquerda anticapitalista, justamente por mostrar que por mais que se tentem fazer de sua verdade uma moral estática usando a ótica do ” eu sou a esquerda anticapitalista”( eu negro não sou? pq vc branco que que detêm a noção da teoria, talvez ser discriminado racialmente não faça parte de suas leituras), os processos de realidade são muito mais complexos e chocam a suas realidades-verdades.

    O branco Escraviza. O branco tem a verdade da libertação. Calem-se os outros. Somos todos Seres humanos agora. A problematica racial acabou ( tem um negro, tem um índio). Blacklivesmatter não. Alllivesmatter. Eu branco de esquerda sou mais bonzinho pq tenho a moral anticapitalista.

    seus comentários Fagner e Lucas são a expressão viva e escancarada da hipocrisia branca de esquerda que é racista e se esconde no manto da libertação, e tenta calar as outras vozes em uma falsa inclusão moral que só serve pra suas mentes.

    já me deparei com muitos que se dizem de esquerda e acha que a problematica racial é chave de oportunismo de negros e indios terem mais que os outros. Os Negro viram os racistas agora e os indios querem as terras.

    Vocês só podem fazer isso pq tem uma coisa chamada de Supremacia Branca (Branquitude) que lhe dá o direito e “autentica” liberdade de inviabilizar o meu discurso. e pelo signo da inclusão de “somos todos humanos” você me chama de racista negro!

    Obrigado!!

  12. Querida Ivone.

    A Questão racial não se remete apenas a questão negra. Mas é interessante como nos comentários outras situações de críticas podem acontecer (MENOS) a questão racial( que inclui a negra, a india, a branca) que de TÃO desnecessária para os corpos de vocês continuarem vivos, é sujeito ao crivo da sua crítica de qual o local que deve estar.

    Fui Xingado de Facista, de racista negro, de figura mitológica, de não saber como criticar, de não poder e (saber) colocar o debate.

    Isso Tudo Oriundo de pessoas de “esquerda”. Ora, digo eu. Reitero para você o meu debate. Não me calarei para te deixar mais confortável!

    “O que se observa é que mesmo uma esquerda ultra revolucionaria e feminista não consegue se desgrudar de sua branquitude ( Supremacia Branca) imposta pelo sistema de extermínio racial e manutenção de privilégios.Quando os corpos negras e Indias e Melaninas valem menos que todo esse texto!!!”

    CHOQUEM-SE!

  13. Cleyton,
    ninguém falou pra você se calar e ninguém afirmou que a questão negra é menos importante, apenas apontamos (alguns com mais indignação) que parte de sua crítica não procede. Foi você quem relacionou a existência ou não de negras nas ilustrações como índice do caráter racista do texto, o que é um absurdo, e quando o rapaz mostrou que havia negras nas ilustrações você quis reverter isso como índice de racismo. Ora, se não tinha negras era racismo, e se tinha era racismo? Além disso mesmo que não tivesse essa sua crítica era muito sem pé nem cabeça, me desculpa. Além disso você estendeu para o texto, que trata da relação entre feminismo e esquerda, toda a sua crítica ao racismo da esquerda, o que também não cabia, em primeiro lugar porque um texto é apenas um texto, com limites espaciais e que depende de qual questão o autor ou autora quer abordar. Se você considera que o texto devia ter se lembrado de abordar a questão negra com maior profundidade, poderia ter tentado dialogar com a autora, apontando por quê fazer isso era necessário, e especialmente se você apontasse que isso era necessário para os próprios fins que o texto se propõe: pensar feminismo e esquerda. Enfim, você está muito revoltado com o racismo e está descontando esse ódio nas pessoas erradas, ou pelo menos da forma errada. A culpa das mortes e da opressão contra negros e negras na periferia é do Capitalismo, da lógica punitivista e repressiva do Estado enquanto órgão encarregado de disciplinar os corpos dos trabalhadores (também brancos e brancas etc.) e não da extrema esquerda. Agora, se você defende que a esquerda está esquecendo de priorizar a luta contra o racismo, então você pode se engajar nas lutas e chamar a atenção para essa falha, pode também escrever um texto sobre o tema e colocar aqui para ser debatido e pensado coletivamente, e pode também apontar a questão nos comentários, até mesmo em um texto que não tinha o objetivo de tematizar essa questão, e sim outras. Ninguém está te silenciando, apesar do mau tom dos seus comentários. O problema é que a forma como vc levanta a questão importantíssima do problema racial é uma forma muito violenta e que não dialoga e não choca ninguém. Apenas fica parecendo que você é um lunático que pensa que todos os problemas da sociedade se resumem à questão racial, o que é um absurdo. E que um texo sobre feminismo ao não tratar da questão negra indica (na sua visão) que a esquerda “não consegue se desgrudar de sua branquitude (supremacia branca) imposta pelo sistema”, o que além de ser meio ridículo e sem fundamentação alguma (apenas um achismo seu, acusações gritadas) é muito ofensivo, pois vc acusa essa esquerda de ser nazista e fascista apemas pelo que ela não disse ou não fez. Enfim, seus comentários levantam uma boa questão, mas sua forma de dizê-lo inviabiliza que dialoguemos, e vc achar que está causando e que está “chocando” alguém só porque vem cuspir fogo com seu ódio acumulado chega a ser algo tragicômico. O racismo não é “coisa de branco” e sim coisa de um sistema hierárquico de comando e controle do capital por sobre os trabalhadores, o que pesa de modo “extra” contra negros, mulheres, índios, gays, lésbicas, deficientes físicos, estrangeiros (inclusive brancos!) etc. Se você, com toda razão, quer ressaltar as particularidades da opressao contra os negros e negras, formule questões, convide os outros a pensar junto a enfrentar a coisa, em vez de simplesmente vir xingar um texto pelo que ele não se propôs a tratar. Desse jeito o racismo segue agora tão forte quanto antes.

  14. E como Cleyton V. sabe se sou branco ou não? É isso, camaradas, a biologização da cultura. Se o meu discurso é considerado racista, eu só posso ser branco. E, se alguém é branco, essa pessoa só pode ser racista. Mas e se eu não for branco?

  15. Cleyton V. escreve que “o branco Escraviza”. Mas será que, historicamente, foi somente o branco quem escravizou?

    Bem, vou citar apenas dois trechos (para que este comentário não fique cheio de citações e para que Cleyton V. perceba que, talvez, seja preciso estudar um pouco mais), retirados, respectivamente, do segundo e do quarto capítulo do quarto volume da obra “The Cambridge History of Africa”, editada por Richard Gray. O primeiro trecho refere-se à região saariana do continente africano. Já o segundo refere-se à região da Guiné:

    “Como a Sharia, estritamente falando, proíbe a escravização de muçulmanos, embora encoraje a jihad contra os pagãos, era natural que as raides escravistas se apropriassem de certos traços da guerra religiosa entre muçulmanos e pagãos. Vários incidentes mostram que a política era, de fato, influenciada por uma relutância em escravizar muçulmanos. […] Mas fatores tribais podem ter sido igualmente, ou mais, importantes. Havia também a possibilidade de raides contra muçulmanos, que ninguém, de forma alguma, pretendia escravizar, para confiscar seus escravos. Houve muitas ocasiões em que as restrições apropriadas não foram observadas, e muçulmanos livres foram, embora ilegalmente, escravizados. Em 1667, por exemplo, […] até um príncipe de Bornu foi capturado e negociado através do Saara. A crueldade das raides escravistas era comparável às condições durante as marchas. Os retardatários podiam ser mortos, para desencorajar os outros de simular incapacidade. […] As caravanas de escravos, às vezes, carregavam doenças. […] O tratamento dos escravos, uma vez mais ou menos permanentemente estabelecidos, variava amplamente, em casos individuais […]. Certas áreas, como Fezzan e Tripoli, eram conhecidas por sua complacência; em outras, como Tibesti, suicídios entre escravos de Bornu eram conhecidos, talvez principalmente por causa da dureza do ambiente (FISHER, H. J. The Central Sahara and Sudan. In: GRAY, Richard (ed.). The Cambridge History of Africa, v. 4: from c. 1600 to c. 1790. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 102)”.

    “Como tantas das relações comerciais africanas de longa distância, o comércio com os europeus estava, principalmente, nas mãos de grupos dirigentes hereditários. […] Uma vez que a nobreza se prendia à busca por importações europeias em troca de cativos, as sociedades de base clânica eram fendidas de cima a baixo, em dezenas de entidades rivais. […] A divisão, então, degenerava, adiante, em anarquia. O volume de exportação de escravos de Whydah, Allada e Great Popo elevou-se, no último quartel do século dezessete, na base da prática extensiva de sequestros e raides, ambas as quais tornaram-se operações profissionais sancionadas pelos governantes (RODNEY, Walter. The Guinea coast. In: GRAY, Richard (ed.). The Cambridge History of Africa, v. 4: from c. 1600 to c. 1790. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 245)”.

    Enfim, parece que a escravidão não é coisa de gente branca, somente. Não, meu caro Cleyton V., não é o branco que escraviza: é o homem, seja qual for a sua cor (se parte dos africanos foi escravizada pelos brancos, isso se deve, em parte, como se pode conferir acima, aos interesses das classes dominantes africanas, ou de parte delas, em adquirir produtos europeus, fornecendo, para isso, escravos africanos). E o homem, seja qual for a sua cor, dependendo da posição que ocupa na sociedade, também luta contra a escravidão. A luta pela emancipação deve incluir a todos, homens e mulheres de todas as cores, e deve ser classista, porque foi a luta de classes que gerou o racismo e o racismo se relaciona intimamente com ela.

    Já sobre a problemática racial, como chave do oportunismo de certos negros que querem ter mais que os outros, como coloca Cleyton V., recomendo a leitura deste texto (http://passapalavra.info/2014/01/90402), especialmente a nota de rodapé n. 3, que refere-se ao programa Black Economic Empowerment (Empoderamento Econômico dos Negros) da África do Sul, concebido, entre outras coisas, para que “25% do capital das grandes e médias empresas seja transferido para as mãos de sul-africanos negros”.

  16. Carxs,

    Devido a minha demora em me manifestar muitas foram as questões levantadas. Vou tentar não ser prolixa e selecionar alguns pontos de discussão que considero importantes. O que faltar posso responder em um comentário posterior pra não ficar cansativo.

    – A existência ou não do machismo na esquerda e sua perpetuação.
    Há um questionamento que alguns fizeram acima referente à ideia de que as mulheres não estariam incluídas nos debates políticos. De fato, vejo agora que minha frase no texto em que afirmo que as mulheres “nunca foram verdadeiramente incluídas” não foi muito feliz. Apesar do “verdadeiramente” estar aí, o critério da verdade não é dos melhores. As mulheres estão de fato incluídas (o que é fruto de suas lutas) porém, sua possibilidade de participação, tanto nos debates quanto nas ações práticas, é extremamente DESIGUAL (e por isso ainda temos muito a lutar). Claro que tivemos conquistas, mas estamos há anos luz de superar o machismo. Em minha particular experiência militante posso dizer que nunca sofri tanto e tão diretamente com o machismo quanto nos espaços políticos de esquerda. Esse não é um relato só meu, infelizmente. Quem levantou esse questionamente talvez pudesse conversar um pouco mais com as mulheres a sua volta e perguntar se sentem que a atuação delas está em pé de igualdade. Algumas vezes está. Raras vezes. Mas certamente poderá encontrar muita lucidez nas mulheres que lutam. O problema não está em se somos ou não manipuladas. Temos consciencia de nossa condição. O dilema está em como respondemos a isso, principalmente quando as bizarrices “matcho” vêm de nossos estimados companheiros (e até mesmo companheiras!) de luta.

    – O machismo em nós.
    Sim, Fagner, é um machismo arraigado, inculcado, social e historicamente marcado em nossos corpos e mentes, inclusive das mulheres. Não existem “ilhas não machistas”, assim como não existem “ilhas não capitalistas”. Não importa quão libertárias são a família ou a experiência particular de certos indivíduos. Carregamos a herança de séculos de capitalismo, assim como carregamos a herança de séculos de patriarcado. É claro que podemos avançar e superar algumas coisas. Não se acaba com o machismo do dia pra noite, assim como a revolução não se dará na “grande noite” de batalhas revolucionárias. Só que a reiteração do machismo, do espécime mais tosco, é tão visível tantas e tantas vezes que, realmente, acho que precisamos entender melhor o porque dessa reprodução perversa. Quem se concebe como “livre”, “liberto”, se nega a ver os grilhões que o prendem. Compreender o que é o patriarcado no mundo capitalista e como ele se manifesta em nosso cotidiano e através de nós mesmos é necessário. Realmente creio que essa é uma tarefa importante e urgente.

    – O que o feminismo tem a ver com o horizonte revolucionário.
    Compreender como o machismo se manifesta e lutar contra ele é uma tarefa revolucionária. Uma tarefa que é um dos cernes das grandes questões. Não é uma luta que se basta por si só. Precisa ser articulada com as lutas contra exploração e outras opressões. Porém, não creio que esses debates, do feminismo, dos espaços inclusivos/exclusivos, do racismo, da questão GLBT, sejam discussão de picuinhas ou que sejam práticas da “pequena política”, nos termos de Gramsci. Muito pelo contrário, na medida em que debates intestinos sobre temas como esses tem transformado camaradas em inimigos, tem causado cisões em organizações combativas que tentam pensar novas formas de fazer política, tem criado muros entre nós, penso que são temas fundamentais para desenvolvermos reflexões que apontem para uma superação da crise da esquerda. A fragmentação não é uma vontade, mas tem sido uma condição. Uma condição muito difícil pra quem a vivencia. Creio que ainda temos de aprender como lidar com essa conjuntura histórica. Debater esses temas sem nos tornarmos inimigos entrincheirados (homens e mulheres, brancos e negros, hetero e homossexuais, e por aí vai) é um grande desafio. Um desafio para voltarmos a debater o que é revolução e que tipo de sociedade pós-capitalista queremos construir. Soma-se a isso o fato de que além dos trabalhadores explorados pelo capital, temos todos os dias, seres humanos (negros, mulheres, homossexuais, pobres) assassinados por serem socialmente taxados como “vagabundos”, “bandidos”, “vadias”, “bichas”, “sapatões”. Creio que não é algo que alguém que se proponha revolucionário deveria ignorar, ou secundarizar.

    – As trincheiras intra-esquerda.
    Cleyton, você está entrincheirado, com muito ódio por eu ser branca e não tratar da questão racial no texto, jogando na minha cacunda os corpos dos negros mortos. Você está na sua trincheira com a bazuca voltada para todos que discordem de você. Acho a questão racial tão fundamental quanto a questão de gênero. Negros são assassinados por serem negros, mulheres são assassinadas por serem mulheres, pobres são assassinados por serem pobres, gays e lesbicas são assassinados por o serem, e assim continuam correndo rios de sangue. É sobre tudo isso que deveríamos refletir e lutar contra. Creio que meu texto daria saltos de qualidade imensos se eu tivesse conseguido tratar de todas as formas de opressão. Nós poderíamos aqui estar debatendo o conteúdo disso, como fazê-lo. Mas creio que você está apenas disposto a acusar e agredir. Não há debate de conteúdo. Não me disponho aqui a subir a minha trincheira e entrar em uma guerra campal contigo. Alias,, creio que estamos na mesma trincheira. Por isso, espero seus argumentos em relação ao tema que você afirma estar ausente em meu texto.

    – Os espaços mistos.
    Ivone, na minha experiência de militância houve uma tentativa muito pontual de socialização dos debates com os homens. Não conseguimos levar adiante pois a conjuntura política de crise que se abateu sobre a organização em questão nos tomou completamente. Foi a expressão concreta da dificuldade de avançarmos nessas questões em meio a uma conjuntura de crise da esquerda. Mas concordo com você de que realmente a existência apenas de espaços exclusivos tende a entrincheirar as partes, homens X mulheres, em um flaflu de soma zero em que todos perdem. O dilema que fica é como fazer esse processo de socialização das reflexões das mulheres com os homens. Sem dúvida são importantes os espaços de diálogo, porém, em muitas e muitas situações, os homens tendem a negar seu próprio machismo e se negam até mesmo a refletir sobre as questões levantadas pela mulherada. Penso que ações conjuntas, com a participação de homens e mulheres, de luta contra o machismo poderiam apontar para além de debates infindáveis que também correm o risco de cair em entrincheiramentos.

    – Os modelos e manuais da esquerda.
    Nesse ponto discordo da Ivone e da maioria dos camaradas que aqui comentaram. Afirmar que eu cometi um “desvio” multiculturalista, significa que existe um modelo padrão a ser seguido e aparentemente eu saí fora da linha. Quero saber quem é o juiz, o legislador, a encarnação do Marx de plantão que irá julgar o meu suposto escorregão pós-moderno. Precisamos superar essas cartilhas e manuais, camaradas. Não tenho qualquer pretensão de “pensar cientificamente”. Tenho sim a pretensão de pensar dialeticamente e a partir da realidade histórica e material. As correntes feministas tem discutido de forma aprofundada questões como transexualidade; feminismo negro; heteronormatividade; cis e transsexismo; poligamia, poliamor, relações livres. Questões que considero de crucial importância e que eu mesma não consegui abordar no texto. Não podemos ignorar a tematização dessas questões, o que não significa aderir às posições das quais discordamos em relação às tematicas. Além disso, se convencionou chamar todas as frações do feminismo de pós-modernas. Claro que algumas posições o são. Mas não todas. E sim, se considera a questão de classe, ainda que muitas vezes ela seja apresentada de forma subordinada à questão de gênero. Repito, estamos com medo de abrir mão de nossas convicções fundadas na crítica da economia política e do materialismo histórico apenas por nos inteirarmos desses debates? Ler e refletir sobre um artigo feminista não classista, ainda que seja para discordar dele, é um desvio multiculturalista??? Vamos lá, minha gente! A esquerda classista não é um guru que a tudo vê, sobre tudo sabe e a tudo responde. Deixemos os manuais e dogmas para os positivistas, religiosos, fanáticos e anacrônicos. Infelizmente ser materialista e dialético em tempos sombrios como os nossos, marcado por tantas derrotas e uma desumanização galopante contra qual não temos antivírus, me parece, de fato, um ato de coragem.

    – E por fim, Fagner, ainda que você argumente longamente sobre outros pontos do texto, sua postura de “rotulação” e “negação” de toda e qualquer posição que não seja a do “manual verdadeiramente revolucionario classista de verdade” que você adotou como correto, acaba reproduzindo a postura de entrincheiramento do Cleyton. Cada qual em sua trincheira, cada qual com sua bazuca, cada qual com sua raiva contra o que não reproduz a si mesmo, cada qual com sua religião. A única coisa que essas posturas aprofundam para mim é um sentimento de tristeza e falta de convicção nas possibilidades de superarmos esse processo de fragmentação em que estamos irremediavelmente metidos. De qualquer maneira, porque considero que somos companheiros apesar das divergências, vou tomar fôlego porque esse texto está já muito extenso, mas tentarei avançar na problematização dos outros pontos que você levantou.

  17. Ana Elisa,
    sobre o machismo na esquerda, eu não tenho nenhum problema em reconhecer que já me vi atuando de forma machista em contextos coletivos. Não sou puro e tenho muito a aprender nessa caminhada. Mas seu relato de que o lugar onde você e outras companheiras mais sentiram o machismo foi justamente em organizações de esquerda me faz pensar em 2 coisas: 1) a forma como uma mulher de classe média pode chegar a perceber que não há machismo à sua volta levando uma vida “normal”; 2) a frase da Rosa Luxemburgo, de que só quem se mexe sente as correntes que nos prendem. Acho muito natural que o machismo surja nesses espaços, assim como todos os vícios que temos, pois é justamente ao organizar-nos que as contradições aparecem. É por isso que não podemos esperar pureza das organizações, sempre teremos questões a serem superadas.

    Creio que o risco que estamos tratando aqui é o de deixar o barco virar tanto para o lado revolucionário que atropela as contradições internas das organizações (incluída aí a própria luta de classes interna, além de lutas específicas de gênero, raça, etc), nem deixar virar para o lado da guerra de trincheiras entre sexos ou raças.

    Por fim, sobre manuais de esquerda. Creio que o materialismo pode e deve ser uma ciência, não na sua acepção positivista, mas dentro de uma perspectiva na qual o conhecimento serve à prática e se nutre da prática. Teoria não é masturbação mental, ou ao menos não deveria ser. Assim como no outro post sobre o MPL, eu diria que o importante é o esforço em fazer o novo dialogar com a tradição. O classismo atual tem que poder dialogar com o feminismo atual e vice-versa. O problema do multiculturalismo está justamente quando ele coloca que são questões antagônicas [a impossibilidade do feminino nas organizações classistas], coisa que parecia estar expresso no teu texto mas que depois você retificou.

  18. Ana Elisa,

    Você afirma que eu sou “rotulador” e que eu nego toda e qualquer posição que não se enquadra no meu suposto “manual verdadeiramente revolucionário classista de verdade”. E diz, também, que eu estou entrincheirado, como o Cleyton. Para você, eu estou apegado a uma “religião”.

    Mas eu pergunto: você se deu, realmente, ao trabalho de ler o primeiro ponto do meu primeiro comentário, tendo abertura de espírito para encará-lo não apenas como uma negação (pois toda afirmação é também uma negação, já que estamos falando em dialética, cujo princípio fundamental é a negação da negação) mas como uma negação plausível? Para que haja qualquer diálogo, as posições dos interlocutores devem ser encaradas como plausíveis.

    Acho que não, pois o segundo tópico do seu comentário não apenas não dialoga com as minhas colocações como também limita-se a, simplesmente, afirmar o axioma do “patriarcado”, negando, assim, as minhas colocações, mas negando-as sem tomá-las como colocações plausíveis.

    O quarto ponto do meu primeiro comentário, comentário este supostamente resultante de um “manual verdadeiramente revolucionário classista de verdade”, também é uma tentativa de diálogo, uma tentativa de moderar a “intransigência”, que você mesma reconhece como necessária.

    Mas, enfim, vou me centrar no primeiro ponto do meu primeiro comentário: você realmente acha que é válido recorrer a um conceito ahistórico, como o de “patriarcado”, para explicar as relações sociais entre os gêneros? Veja bem: eu não neguei que a opressão de gênero existe, eu não neguei que isso seja importante; o que eu fiz foi mostrar que, a meu ver, pensar o indivíduo como unicentrado, ao invés de pluricentrado ou descentrado, é um erro.

    O conceito de “patriarcado” reduz o indivíduo à expressão de uma única estrutura, enquanto que, a meu ver, é mais realista (ou materialista dialética, se você preferir) uma noção do indivíduo como determinado por múltiplas estruturas, cada qual com uma lógica própria, com uma dinâmica própria, que sempre contradiz, em maior ou menor medida, a lógica e a dinâmica das demais.

    E, nesse sentido, você cai no mesmo erro dos classistas que consideram apenas as determinações de classe e que, portanto, também pensam o indivíduo como unicentrado, só que determinado unicamente pela classe, e não pelo patriarcado. Esse raciocínio, desse tipo de esquerda classista, da qual eu não faço parte, nega outras estruturas, dotadas de outras lógicas, de outras dinâmicas, que vão moldando o comportamento dos indivíduos: nega, portanto, que as relações entre os gêneros devam ser vistas como uma estrutura à parte da estrutura de classe, embora ambas se relacionem. Mas o que você faz (em parte, ou seja, não totalmente) é a mesma coisa, só que substituindo as classes pelo “patriarcado”.

    Enfim, existe mesmo uma estrutura social, chamada “patriarcado”, que paira sobre todas as demais estruturas sociais, determinando os comportamentos individuais (de homens e mulheres), o tempo todo? E essa estrutura social existe ahistoricamente? Se não existe (e o conceito de “patriarcado” é criticado, por exemplo, por uma feminista chamada Gayle Rubin, no ensaio “O tráfico de mulheres: notas sobre a ‘economia política’ do sexo”, disponível aqui: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1919), então temos de pensar as relações entre os gêneros como determinadas por múltiplos fatores.

    Uma parte do feminismo não escorrega para o determinismo do “patriarcado”, como você faz, mas escorrega para o determinismo biológico, biologizando a questão da opressão entre os sexos.

    Eu, particularmente, prefiro uma concepção que encontra a chave do problema na frequência com que um indivíduo participa de determinadas relações sociais. E reafirmo o que escrevi naquele comentário: “pressupor que todo homem foi, desde a infância, inculcado por princípios machistas é um erro; e, mesmo que muitos deles, a maior parte deles, tenham sido inculcados por esses princípios desde a infância, o que interessa é alterar a frequência da sua participação em relações sociais, em grupos sociais, que reforçam tais práticas, que são abomináveis; e o meio correto de fazê-lo é fortalecer as organizações anticapitalistas, criando grupos sociais, relações sociais, onde a igualdade (entre trabalhadores em geral, homens, mulheres, brancos, negros, heterossexuais, homossexuais etc.) já é praticada, aqui e agora: quanto mais esses grupos sociais, essas relações sociais, se expandirem, dando origem a novos grupos e relações sociais do mesmo tipo, mais pessoas participarão de formas de convivência e colaboração sociais marcadas pela igualdade e, portanto, menos pessoas serão machistas, homofóbicas e racistas, lutando, ainda, contra o capitalismo. O desafio, porém, está em fazer com que as opressões particulares sejam adequadamente integradas à luta contra o capitalismo, no que a esquerda tem, quase sempre, fracassado”.

    E, sobre a minhas supostas “rotulação” e “negação” “religiosas”, convido você a reler este trecho: “há elementos multiculturalistas no texto. Note-se: não digo que a autora é, enquanto indivíduo, uma multiculturalista, mas que há elementos multiculturalistas no texto, e eles me parecem dar o tom do texto, em várias passagens. Tudo bem, pois a própria autora deixa claro que não devemos ter medo de discutir o que os pós-modernos etc. discutem: concordo. Mas as soluções baseadas na leitura multiculturalista, ou pós-moderna, das questões de gênero são altamente problemáticas”. Você percebe que eu, em primeiro lugar, não estou apontando o diálogo com o multiculturalismo/pós-modernismo como algo que tira a plausibilidade do seu texto? Você também percebe que eu, em segundo lugar, considero como problemáticas, na verdade, as soluções políticas inspiradas em leituras multiculturalistas/pós-modernas, sobre as quais eu argumentei mais ou menos longamente, e não o diálogo com tais correntes teóricas?

    Enfim, espero que, nos seus próximos comentários, você demonstre uma maior disposição para uma leitura mais cuidadosa dos comentários dos seus interlocutores e não acabe praticando o dogmatismo que você mesma censura.

  19. Dizem violentas e entrincheiradas as minhas palavras, mas não dizem que são violentas as formas e ofensas e tentativas de censurar a minha postura utilizando o manto classico do “todos somos oprimidos” e mais uma vez se vê de forma estupida e racista a forma como reagem a problemática do exterminio racial dentro das Corporações teoricas padronizadas.

    Fagner foi da abordagem que a direita mais usa pra esculhambar a problematica racial: ” tem um negro na foto”,África tambem tem escravos e negros querem ser oportunistas. Ora Fagner Faça um texto tambem mostrando aos índios dizimados pelos antropologos e medicos brancos americanos que utilizaram eles como cobaias em estudos que Negros tambem foram utilizados na america, na África e na ìndia e que eles estão entrincheirados.

    Lucas querendo se passar por bonzinho de esquerda me chamou de lunatico e facista ( percebam o que um assunto naõ fez) mas ainda acha q detem moral da esquerda( se não branca) para descorrer sobre o debate.

    Ivone diz viotentas e sem noção minhas palavras descorrendo sobre branquitude e supremacia branca, mas não diz violenta sua postura estupida de criminalização e encarceramento do meu discurso ao se valer do arcabouço do ” Brancos também sofrem” ” tem Brancos Pobres” para justificar seu racismo de esquerda e na defesa dos corpos que lhe são comuns. Viu que voces sabem rapido quem defender quando a problematica racial entra! Voce me descarecteriza para colocar sua posição!

    Ana Elisa me diz entrincheirado, mas esse entrincheiramento meu está aonde? percebo que está nos circulos brancos de esquerda que utilizam com propriedades a teorias das classes para descaracterizar e rebaixar a luta racial contra exploração e o extermínio.

    parecem que velhos jargões já conhecido do racismo assumem na esquerda posturas mais pomposas. é aquela coisa: ” Negro e Índios calem a boca pq tem brancos pobres e explorados” Ivone acertou em cheio.

    Temos 04 pessoas de esquerda que possuem ponto em comum. A Loucura do Cleyton. Mas Cleyton seria louco para quem? Quem são as pessoas que não se enxergam no seu discurso? Ora esquerda!

    Eu realmente estou entrincheirado quando perce-se que a esquerda e a direita utilizam os mesmos artífices para rebaixar, excluir, banalizar, ofender e censurar o “colega” e o discurso da problemática Racial.

    Me parece que o privilégio de ser Branco é mais valioso na detenção da verdade para vocês( enfim, a esquerda né?) do que para os brancos de direita.

    Qual a próxima Ofensa e xingamento? já vi tudo!
    (())!!!
    e outra, Voces mão são vanguardas nesse tipo de pensamento!

  20. Em psicologia, projeção é um mecanismo de defesa no qual os atributos pessoais de determinado indivíduo, sejam pensamentos inaceitáveis ou indesejados, sejam emoções de qualquer espécie, são atribuídos a outra(s) pessoa(s). De acordo com Tavris Wade, a Projeção Psicológica ocorre quando os sentimentos ameaçados ou inaceitáveis de determinada pessoa são reprimidos e, então, projetados em alguém.

    A projeção psicológica reduz a ansiedade por permitir a expressão de impulsos inconscientes, indesejados ou não, fazendo com que a mente consciente não os reconheça. Um exemplo de tal comportamento pode ser o de culpar determinado indivíduo por um fracasso próprio.Em tal caso, a mente evita o desconforto da admissão consciente da falta cometida, mantém os sentimentos no inconsciente e projeta, assim, as falhas em outra(s) pessoa(s).

    A teoria foi desenvolvida por Sigmund Freud e posteriormente refinada por sua filha Anna Freud e, por conta de tal ação, ela também é chamada de “Projeção Freudiana” em certas literaturas

    Fonte Wikipédia

  21. Acho que o texto começa a colocar os espaços exclusivos a partir de uma perspectiva das contradições aparecem nele como tatica e não de uma inevitabilidade de um caminho que ele nos força a percorrer (seja de empoderamento, emancipação e fim do capitalismo pela visão feminista radical ou de manutenção estrutural de uma segregação que existe socialmente, agora de forma introjetada pela esquerda, por outra visão)
    Defendo que a questão é de estrategia e tática, assim como ja fazemos em relação para o fim da exploração e suas mediações praticas com o hoje.

    A critica ao femismo radical e toda a tradição advinda dele (que fazem criticas a ele só na medida que acham que seu recorte geralmente é amplo demais e precisamos de mais e mais recortes em espaços cada vez menores), assim como a todo o resto do multiculturalismo, é na sua totalidade, nos fatos de pela sua tradição liberal focar completamente na individualização (todo opressor tem que ser escrachado publicamente porque ele é um ser pensante, independente e livre pra ter feito o que fez) e não em questões estruturais (se fala de patriarcado dentro do feminismo radical mas essa discussão nunca serviu, e continua não servindo, para a construção de nenhuma politica praticas gerais que tentem confrontar questões estruturais do sistema de genero que existe hoje), de seu carater purista (excluir de espaços pessoas machistas, e a punição como ferramenta de medo e reparadora), anti-materialista (afinal as verdades sobre as diversas identidades, desde as formas de luta ao que é ou não opressão são definidos apenas e tão somente pela consciencia dos grupos oprimidos, ou seja, não existe uma realidade material que não dependa das consciencias), não ter politicas de socialização geral e de transformação, só de manutenção do purismo e dos recortes existentes.

    A questão dos espaços exclusivos é tática e portanto tem que ser vista desse ponto de vista, que a estrategica não pode estar subordinada a ela, pelo contrario.
    Lembro de uma conversa sobre o multiculturalismo que me fez relacionar a critica que mesmo o setor mais “a esquerda” dele tem (achando que ele de fato vai levar ao fim das opressões) com a social-democracia e a discussão que o Trotsky apresenta no começo do programa de transição
    Se cria um programa maximo (o fim do machismo, do racismo, da homofobia etc) e se tem um programa minimo de reformas completamente dentro da ordem, por mais radicais que sejam, que coloca a classe em movimento e que a classe considera vantajosa (espaços exclusivos para grupos oprimidos se sentirem seguros, exclusão de opressores para manutenção de espaços seguros etc).
    Se segue sem nenhuma politica de transição entre o programa maximo e o minimo, na pratica o programa minimo vai se tornando o fim e continua girando em torno de si mesmo, do mesmo jeito que cada luta salarial pode significa um aprofundamento da politica sindicalista na classe (porque de fato muitas pessoas oprimidas se sentem mais confortaveis nesses espaços, porque é algo sentimentalmente construido e naturalizado as exclusões para manter fora quem cometeu infrações) e o programa maximo segue sendo algo abstrato e longinquo para se falar de vez em quando durante a realização do programa minimo, em algumas formações, discursos e nada alem disso.
    (Quando você acredita na revolução, mas ela é um evento tão distante que voce nunca vai ver ela acontecer e voce vai manter uma pratica reformista a vida inteira enquanto espera ela, você é reformista)

    Ao mesmo tempo, tem uma coisa que eu acho que é muito importante e não esta colocado, em tempos em que o sindicalismo reina e a luta salarial é o que hegemoniza, usar as suas praticas e mesmo fazer organização por local de trabalho (mesmo quando usadas por setores com uma tentativa de politica revolucionaria) é ter uma politica pratica que vai sofrer pressões imensas em direção ao sindicalismo, segue a mesma coisa nos tempos de hoje em relação ao uso de espaços exclusivos em tempos que o multiculturalismo começa a reinar nessa esquerda. Isso não significa que temos que abandonar completamente qualquer luta por salario ou organização de local de trabalho pelas pressoes sindicalistas que a conjuntura faz sobre a organização e sobre a militancia mas saber dessa pressão e enfrentar ela, acho a mesma coisa com espaços exclusivos.

    Quando ouvi pela primeira vez, e foi a vez que ouvi de forma mais extensa, sobre a historia da setorial de genero dentro do MST, que foi a organização que passei a ter alguma referencia sobre a questão de genero em uma perspectiva anticapitalista, eu via a diferença enorme entre o que ela foi e o que é o feminismo radical e sua tradição. Por mais que tivesse um espaço exclusivo que existia estrutural dentro da organização (o que eu discordo, defendo hoje que esses espaços possam existir mas de forma conjunturalmente, planejando se dissolver novamente nos espaços gerais) a sua discussão e sua politica era voltada para horizontes bastante factiveis e de retorno para a socialização geral. Se as mulheres não participam da discussão estrategica, vamos fazer formação e discutir estrategia com as mulheres, se não estão participando mais ativamente nas ações de enfrentamento, entrada em peso nessas ações etc
    Ouvi poucas vezes sobre essas historias, algo que quero estudar e ouvir mais de perto nos proximos tempos.

    É completamente diferente da tradição multiculturalismo, mesmo que compartilhem um aspecto pratico em comum, que é a existencia estrutural de espaços exclusivos.

    Tenho acordo com comentario da Ivone e alguns pontos do Fagner, embora ache que na questão sobre machismo na sociedade e a sua relação com as pessoas seja bastante diversa da analise que ele fez, que acho que mantem traços de uma forma de encarar opressões não tão rigorosa e materialista que complica muito na criação de mapas de analise e estrategica, mas depois comento sobre isso

  22. “A maior parte do que agora se denomina esquerda alheou-se do combate ao capitalismo como modo de produção, ou seja, como sistema de relações sociais de trabalho. No entanto, seria este o único sentido do anticapitalismo. A esquerda que não pretenda transformar radicalmente as relações sociais de trabalho limita-se a ser uma das correntes políticas do capitalismo”

    “Existe outra esquerda, que hoje tem o ascendente e se define como pós-moderna.
    O pós-modernismo generalizou a noção de narrativa. A realidade é assimilada pelo discurso sobre a realidade. O que passa a ter importância é o controlo sobre o discurso, substituindo a acção sobre o real. Esta concepção tem a sua expressão prática — ou, mais exactamente, de negação da prática — na redução da política às redes sociais, enquanto disputa de narrativas”

    “Os multiculturalistas esquecem, ou pretendem fazer esquecer, que as culturas e identidades étnicas foram, todas elas, originariamente exclusivistas e cada uma nasceu da assimilação e liquidação de outras anteriores”

    “O tipo de feminismo que hoje está na moda confunde as oposições de classe sob o pretexto da identidade biológica. Dando à noção de patriarcal uma extensão refutada pelo estudo das diferentes estruturas familiares ao longo da história e, em cada sociedade, nos vários estratos sociais, esse feminismo em voga recusa ou secundariza a noção de modo de produção e combate o projecto de uma cultura unificada de classe”

    (trechos dos textos “Sobre a esquerda e as esquerdas”, de João Bernardo)

    Volta João Bernardo!

  23. 1- O patriarcado.
    Existem muitas formas de tratar a questão do patriarcado. NÃO estou mencionando o patriarcado para afirmar que a opressão de genero é ahistórica e muito menos “secundarizando a noção de modo de produção”. Não estou substituindo as classes por nada em nenhum momento. Assim como não estou abrindo mão de uma analise do capitalismo e de como lutar contra ele.Mencionei o patriarcado para indicar que a opressão das mulheres é coisa antiga. Muito antiga. E que não cabe à nossa força critica individual de experiencias especificas garantir uma bolha não machista em torno de nós. Essa noçãovde patriarcado multiculturalista não é a minha e não estou utilizando esse conceito (que considero válido) com os mesmos propositos que o multiculturalismo. Acho isso meio óbvio no meu texto. O que me faz pensar que há aqui uma luta retórica esolastica um tanto quanto mesquinha, que busca distorcer a fala do outro para poder desqualificá-lo. Ficam gritando que sou multiculturalista. Provavel que o outro lado me xingasse de alguma outra coisa. Triste e previsível. No mínimo, um ambiente inóspito.

    2- Espaços exclusivos como tática.
    Caro Arabel, não me agrada muito a ideia de colocar o dilema dos espaços exclusivos/inclusivos nessas caixinhas teorico-historicas: tatica e estrategia, programa minimo e programa maximo. Acho que o problema é mais embaixo. Não sabemos como lidar com o machismo na esquerda. Homens e mulheres, não sabemos como responder aos mais distintos niveis de agressao às mulheres por homens militantes. Alias, nem sabemos direito responder aos que não são militantes, como ja vivenciei em ocupações e assentamentos que jorravam questões gravíssimas. Por isso que acabam tendo os espaços exclusivos. Na ausencia de respostas, as mulheres, que estão se sentindo lesadas pelas relações de opressão, se juntam. É quase um movimento instintivo. Assim como o ódio é instintivo. Creio que precisamos superar a fase do instinto, do primitivismo que existe em nós, mas é só com um processo de reflexão e ação que comece a ensaiar respostas pras situações de opressão. Respostas que avancem em relação ao punitivismo e aos escrachos. Porem, temos uma ausencia de estrategia! É o vazio histórico de um periodo de crise de tudo o que conhecemos, das nossas referências históricas (cut, pt, mst e tudo o que se segue reproduzindo-os) faliram. Não h+a estrategia. Como submeter os espaços exclusivos à uma estrategia ainda inexistente? Como caminhar para a construção de uma nova estrategia e sua respectiva tatica incluindo a questão do feminismo? Veja, Arabel, o punitivismo e o seu respectivo medo são de fato perversos. Porém, em uma nova síntese a questão de genero certamente não irá, novamente, ficar de fora.

    3- As mulheres no MST
    Arabel, a formação politica para mulheres só aconteceu quando elas, autonomamente, se juntaram em espaços EXCLUSIVOS e organizaram seu debate político. Essa não foi em nenhuma situação uma ação coletiva que tenha sido impulsionada por homens. Infelizmente. Creio que temos que pensar caso a caso. Não sou nem a favor nem contra espaços exclusivos por definição. Agora não podemos ter medo que as pessoas se reunam da forma que queiram. Mesmo que isso interfira nos rumos da organização. No caso das mulheres do MST isso levou a uma açõa radicalizada como a destruição das mudas da Aracruz em 2006, por exemplo, dentr outras. A direção nacional ficou possessa e passou a perseguir internamente essas mulheres. Por isso inclusive algumas delas sairam do movimento na carta dos 51. O espaço exclusivo nesse caso levou a uma ação politica independente e fora do controle da direção do movimento. No caso é uma ação que nós nos identificamos porque é carregada de radicalidade. E só ocorreu porque elas tinham o espaço exclusivo e decidiram e agiram à revelia. Claro que, em outras situações, os rumos podem ser outros, nem sempre impulsionando para uma maior radicalidade, pode levar a uma maios institucionalização por exemplo. Mas aí está. em nenhum dos casos acho que militante tem que ser polícia. E se reunir com militantes de sua organização ou de outra não pode ser pecado. Aí vejo nessa postura de necessidade de controle uma herança das velhas estruturas que precisamos superar.

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