Penso como fui treinado para pensar. Sou um técnico, penso como um técnico e trabalho como um técnico. Por Marcelo Mazzoni
“Ainda sou estudante da vida que quero dar”
Belchior
Se me perguntassem, por acaso: “Ei, Marcelo, o que é ser um professor para você – principalmente de sociologia?”. Automaticamente, como os pistões de um motor que rangem e se movem ao começar a funcionar de um modo determinado, minha mente trabalharia como manda o figurino e responderia, assim: “Olha, meu camarada, a partir de tal metodologia, podemos embasados em tais referências, poderemos extrair que o sentido e o significado de professor é ‘x’, ‘y’, ‘z’. Hoje, nossa contemporaneidade, é conjunturalmente definida como “xy”. Portanto, podemos, assim definir que dialeticamente, na relação dos conceitos das teorias abstrata com essa determinada realidade concreta, o conceito de professor deve ser… e Deus está morto”.
Isso diz muito de mim, de como penso. Penso como fui treinado para pensar. Sou um técnico, penso como um técnico e trabalho como um técnico. Se tiverem que me mandar responder algo, tecnicamente o farei, assim como trabalhar. Chego a pensar que até meu sexo tornou-se técnico, pois não somos máquinas, somos humanos. Numa máquina pode-se desligar tal função, ligar outra, adicionar ou remover peças, de uma hora para outra e seu funcionamento será modificado, como se nunca antes tivesse funcionado de outro jeito. Porém, o humano é um bicho acumulativo, de experiência, amor, rancor ou que quer que seja. Sendo assim, se sou um técnico durante 16 horas de meu dia, não é na hora do prazer que ligarei um programa do Windows de meu cérebro e lá estará minha completa libertação. Isso é ser estranhado à la Marx, ser estranhado 24 horas por dia, por conta do sistema, pois até meu sono é mediado pela necessidade de acordar cedo e o acordar é um despertar sem piedade para uma vida de obrigações e horas marcadas.
Sendo assim, um técnico e um estranhado, como poderei ensinar, ou mesmo querer ensinar a quem quer que seja, a liberdade, o prazer e, até mesmo, o amor ao próximo. Sinto em minhas mãos a sombra de uma maldição, tal qual aquela do Rei Midas, só que porém, em vez de ouro sinto que minhas mãos tendem a transformar tudo em desencantado, burocrático, técnico e estranhado. Sinto que poderia transformar o mais bicho-grilo num burocrata. Mas não, não é isso que eu quero!
Tenho minhas aspirações altas, nobres e lúcidas. Sim! Verdadeiramente altas, nobres e lúcidas! Que mesmo esse meu viver monótono e pensar maquinal não conseguiram triturar. Quero ensinar uma arte de viver para as próximas gerações em que faça surgir em meio ao concreto armado, uma singela flor no asfalto. Nesse momento, sinto meus dentes rangerem, e compreendo que fora da técnica sou doido, com todo direito a sê-lo! Quero urrar e cantar, apertando ao peito esse horizonte hipotético.
Então, como tencionar o subversivo dentro da ordem? Seria essa, então, a realização da filosofia, ou seja, tencionar a antítese na tese? Sim, tenho por mim que sim. E, acredito que, seja através de algo que possa ser sintetizado como arte de viver. Afinal, o que estamos fazendo com o constante passar das horas que nos restam até nossa morte? Somente dando lucro, dormindo mal e assim tomando remédios para transar, conversar, dormir e trabalhar. Meus irmãos, vos digo, hoje não mais vivemos, sobrevivemos em meio ao caos, e tocamos nossa vida, como um burro em uma canoa – o sobreviver,aqui é o viver no absurdo camusiano.
Mas a arte de viver que proponho aqui, não pode ser mais um niilismo, mais um ódio ao presente, pois, senão, seria um ódio a nós mesmos, e todos e tudo que conhecemos. E o caminho do niilismo – com seu amor num mundo futuro – é guiado por uma metafísica que não cabe em nossos corações.
Proponho uma arte de viver em que o amor a todo humano, por mais imbecil e podre que possa ser, consiga transformar todo ser num ser. Produzido por um tempo histórico e experiências que o levaram a ser o que são. Amor, aqui, servirá a fazer uma desvenda ao distanciamento que tudo que vestimos e incorporamos, pois tanto o ajoelhar do cristão e da prostituta, é um ajoelhar de um humano em submissão a algo, mas sobretudo um humano: um igual.
Porém, proponho uma arte de viver em que o mundo seja compreendido e as estruturas, a história e tudo que seja ciência e filosofia apreciadas em sua mais pura fineza de modo que, as causas do fenômeno da desigualdade entre homens sejam extirpadas.
Portanto, o professor, no absurdo de nosso presente, é o homem que deve instruir, de modo a evitar o niilismo, por meio de um amor para com o próximo e para com todos os humanos e o que deve instigar aos conhecimentos mais variados, de modo a compreender as causas das opressões e das desigualdades, para assim, mostrar o quão nocivas elas são. O professor é esse sujeito que deve inspirar amor aos homens e a sabedoria e o ódio as desigualdades e suas causas.
Bibliografia
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Editora Record, São Paulo, 2004.
DRUMMOND, Carlos A. Sentimentos do Mundo. Editora Companhia das Letras, São Paulo, 2005.
PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos Ed. de Bolso. Companhia das Letras, São Paulo, 2007.
MARX, Karl. O Capital. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeira, 1970.
Concordo com o professor ser o homem que vai instruir de modo a evitar o niilismo, porém nem todos são assim, infelizmente.