A complexa situação política que vivemos exige uma análise serial, não uma busca de superação das contradições pela síntese. Por Acácio Augusto
O texto que segue apresenta algumas análises e relatos do survey [1] realizado em 16 de agosto de 2015, na cidade de Vitória/ES, em meio a manifestação contra o atual governo federal. Está dividido em três partes: a primeira apresenta algumas referências analíticas no contraste dessas manifestações de 2015 com as de 2013 no Brasil; a segunda apresenta alguns dados da pesquisa e relata situações do campo; na terceira busca-se apontar as possibilidades de retomar, na análise e na ação de contestação, a potência de liberdade como recusa do governo da vida, ultrapassando as conformações institucionais e a política como ciência do governo.
Práticas de governo e o ingovernável
É sabido, desde as pesquisas de Michel Foucault, que a estatística é o saber do Estado. Não apenas pela etimologia da palavra, mas sobretudo pela produção e emergência da população como alvo do governo biopolítico. A população torna-se, modernamente, o problema a ser resolvido, a questão a ser solucionada, o campo de incidência das medições estatísticas e dos procedimentos da economia política como forma de dispor as coisas e as pessoas[2]. Estas pessoas e coisas são o alvo privilegiado da ciência do governo, sobre as quais ela atua, lançando mão de táticas diversas, segundo uma finalidade específica: a normalização, homogeneização, regularidade e previsibilidade do objeto a ser governado, a população. É nesse sentido que a Ciência Política, como ciência do governo, se ocupa, até hoje, menos das leis e do território e mais das estratégias de controle da população. Essa tecnologia de governo moderna combina os processos de normalização com efeitos totalizantes, e os procedimentos individualizantes das disciplinas, uma anatomia política do corpo e uma biopolítica da população como corpo-espécie. Este quadro passará por mutações e acoplamentos após a II Guerra Mundial, transformando essa governamentalidade da população, exercida no interior do território nacional em favor do esplendor do Estado, em uma estratégia de governamentalidade planetária[3], mas este não é o assunto do qual pretendo tratar aqui.
O que interessa nessa retomada de alguns apontamentos das pesquisas de Michel Foucault é como a estatística torna-se instrumento e produtora de um campo governável. Com efeito, o que foge às suas marcações de regularidade e previsibilidade é ingovernável. As jornadas de junho 2013 pegaram todos de surpresa. Nem governo, nem intelectuais (à esquerda e à direita), nem jornalistas e articulistas de opinião esperavam um levante com tal potência. Abriu-se uma fissura no contemporâneo da qual insurgiu o ingovernável, intempestivo que expôs o desgoverno de políticos, partidos, policiais, âncoras de jornais televisivos e formadores de opinião da imprensa escrita. Mesmo em uma perspectiva retroativa, as jornadas de junho são da ordem do incomensurável, não estão disponíveis às capturas, mesmo que sejam alvo da reação que tenta suprimi-las ou metamorfoseá-las em favor de suas preferências políticas e ideológicas. Nesse sentido, ela contrasta, em tudo, com as manifestações de rua ocorridas em março e agosto de 2015 nas diversas capitais brasileiras e em outras pequenas cidades do país. Alguns poderiam argumentar que as duas possuem em comum a insatisfação ou a indignação com o atual governo, os casos de corrupção e o mal-uso do dinheiro do Estado, mas mesmo isso é questionável. As formas são muito mais decisivas, quando se fala de resistências, do que os objetivos, finalidades ou motivações. O que não cria, com efeito, uma dicotomia, como se as jornadas de junho de 2013 fossem de esquerda e as manifestações de 2015 de direita, elas são diferentes, contratantes em suas formas e dinâmicas. As coisas não podem ser reduzidas em uma oposição simplista, frágil e reconfortante. E em termos de semelhanças, 2015 lembra mais as manifestações de rua de 1992, do que as jornadas de junho que 2013.
A racionalidade neoliberal borrou o velho antagonismo entre esquerda e direita, diante do imperativo do governo para ambas, busca-se aplacar o agonismo das relações de poder com um teatro dramático de alternância dos protagonistas, produzindo complementaridades e colaborações em torno do Estado como categoria do entendimento e da ordem como finalidade primeira. Nesse sentido, o atual governo que ainda tenta se identificar como de esquerda e/ou progressista, foi surdo, mudo e cego para o levante de junho de 2013 e, por diversos fatores, abriu caminho para a atual visibilidade que as chamadas pautas conservadoras ganharam.
Hoje, o espetáculo a que assistimos no Brasil, arremedo novelesco entre governo e oposição com repercussão nas ruas e hipercomunicação nas redes sociais digitais, apenas confirma a ampliação do campo das práticas de governo para além e para aquém do Estado, seja no campo político partidário, seja no campo das mobilizações de opinião ou da chamada sociedade civil organizada. A busca por respostas, condutores, pautas que “unifiquem as lutas”, lideranças que “traduzam os anseios da sociedade”, medidas que deem respostas às insatisfações etc., apenas renovam a “necessidade” de uma ciência de governo como táticas diversas submetidas a uma estratégia capaz de produzir a ordem. Se nas jornadas de junho o ingovernável[4] insurgiu como um devir de recusa da política, recolocando para os movimentos de contestação a pertinência de uma antipolítica, as manifestações de 2015 são um clamor por ordem; suas afirmações identitárias de apartidarismo e de posições ditas apolíticas (na busca de uma impossível isenção, objetividade ou neutralidade) são a antessala de uma política autoritária que pretende eliminar o conflito, a discordância e as possibilidades de ruptura. Um governo como exercício de técnicos bem ao gosto da racionalidade neoliberal, o que de certa maneira explica o atual “sucesso”, junto aos chamados cidadãos de bem, do poder judiciário como paladino da justiça e da polícia como protetora do bem e da ordem, uma versão atual do “caçador de marajás”. Nesse sentido, a pesquisa que apresento na sequência traz um dado significativo: 70,49% das pessoas que estavam presentes no ato de Vitória/ES no dia se dizem apartidários ou apolíticos. O que pode ser interpretado como um anseio de uma prática de governo que suprima o elemento de disputa em favor de uma gestão objetiva das coisas e das pessoas.
A pesquisa: os dados e o campo
Essas breves observações acerca da política contemporânea me ocorreram após a realização de um survey aplicado à manifestação do dia 16 de agosto de 2015, ocorrida na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo. Foi um trabalho de esforço coletivo, realizado com o apoio da Universidade de Vila Velha, a assistência tecnológica da Merccato Inteligência Competitiva, a disposição de nossos estudantes e o objetivo dos organizadores em produzir por um lado, dados de qualidade para o público do estado e, por outro lado, experiência de pesquisa para nossos estudantes (nesse sentido, ela também teve, internamente, uma função educativa como projeto de extensão). Não recebemos nenhum tipo de financiamento privado e/ou estatal, tampouco de associações políticas ou partidos, nem de institutos de pesquisa e/ou think tanks brasileiros ou internacionais. Conduzimos a pesquisa com fins exclusivamente universitários[5]. A diversidade teórica dos organizadores também é um ponto de destaque, a meu ver, que qualificou o processo da pesquisa: da elaboração do questionário, passando pelos treinamentos dos estudantes, até o tratamento final dos dados. Diversidade que se repetirá, seguramente, nas análises posteriores que faremos em conjunto ou individualmente. Esse breve texto, embora tributário dessa rica experiência, é de minha exclusiva responsabilidade, a partir da pesquisa que organizei junto aos meus colegas.
Não pretendo fazer uma análise exaustiva dos dados. A decisão de publicar o relatório em meio eletrônico poucas horas após a realização do ato teve precisamente o objetivo de permitir que qualquer pessoa produza suas próprias análises e conclusões no calor do evento. Mas alguns desses dados chamam a atenção. Assumindo o risco inerente a qualquer generalização estatística, pretendo destacar alguns pontos como referência para o argumento aqui apresentado.
É possível afirmar que as pessoas presentes na manifestação são, em sua maioria, detentores de uma renda familiar acima de 4 e 8 mil reais (pouco mais de 60%) e moradoras dos bairros de classe média alta de Vitória e Vila Velha (cidade menos representada na pesquisa). Sua filiação associativa-política afirma-se, majoritariamente, pela frequência às igrejas de sua preferência (quase 40% de católicos e quase 20% de evangélicos) e mais da metade são casados, 52%, frente um número baixíssimo de divorciados, quase 7%. Surpreende, a declaração de interesse na participação em associações de bairros, a maior depois das igrejas, 14,48%. Apesar de 73,77% declarem ser a democracia a melhor forma de governo, quase 60% se dizem insatisfeitos ou muito insatisfeitos com ela. Ao mesmo tempo, mais de 40% aparecem entre tolamente favoráveis e indiferentes à uma intervenção militar no governo, na medida em que mais de 80% declaram confiar nas Forças Armadas, a instituição mais confiável para os manifestantes. Mais da metade é contra a legalização do aborto e, surpreendentemente, mais de 70% são contra o financiamento privado de companhas eleitorais. Embora apareça um certo equilíbrio na questão da união civil entre pessoas do mesmo sexo, o conjunto dos entrevistados mostrou que cerca de 80% é favorável a uma possível redução da maioridade penal e, em mais de 70%, contrário à legalização das drogas. Por fim, mas não menos importante, destaco o alto grau de escolarização, com mais de 70% entre o ensino superior incompleto e a pós-graduação.
Numa síntese sociológica de perfil, é possível afirmar que a característica geral dos presentes é de uma classe média religiosa, desejosa de um controle social rígido, moralmente orientada em termos políticos, que embora seja moderadamente tolerante em relação a união civil de pessoas do mesmo sexo, mostra-se refratária em relação aos temas relativos às liberdades do corpo, como liberdade feminina de reprodução e consumo de psicoativos ilegais. Isso no que diz respeito ao quadro traçado a partir dos dados acima expostos. Uma indicação interessante aparece se isolarmos os números que indicam o interesse pelas associações de bairro e a discordância com o financiamento privado de campanhas eleitorais. São indicadores que sugerem uma certa demanda reprimida por uma participação não institucional e não profissional nas questões políticas imediatas e comuns no âmbito da vida citadina, algo que contrataste com o desejo de uma gestão técnica, apontada acima, mas que pode também sugerir um desejo por uma democracia comunitarista local, ao estilo do associativismo civil estadunidense de caráter conservador, conforme apontado por Tocqueville sobre a democracia da América.
No entanto, mais do que os dados, impactou muito a experiência de campo. Não esperava, sinceramente, que fossemos tão hostilizados, já que estávamos todos devidamente identificados como pesquisadores da Universidade de Vila Velha (UVV-ES). Assim que chegamos, um carro de som resolveu anunciar que as pessoas em atividade de pesquisa eram infiltradas do PT (Partido dos Trabalhadores). Além da evidente identificação universitária, há de se registrar que mesmo se os organizadores tivessem suas predileções políticas orientadas nesse sentido, isso em nada desabona a aplicação de uma pesquisa de opinião, com questionário fechado e objetivo. No entanto, o que fez da situação ainda mais insueta foi o fato de, coincidentemente, nenhum dos organizadores possuir ligação alguma com o PT. Ao contrário, alguns, entre os quais me incluo, são frontalmente e publicamente refratários às políticas do atual partido da ordem que ocupa o governo federal. Essa situação, cruzada com os dados que apontam alto índice de escolarização dos presentes, torna tudo ainda mais preocupante e, de certa maneira, assustador.
Felizmente tal anúncio foi feito no início da concentração e após conversar com os responsáveis pelo carro de som e desfazer o mal-entendido, foi possível seguir com a pesquisa. Cabe registrar que eles não voltaram a dizer isso no microfone, mas tampouco se retrataram ou permitiram que prestássemos esclarecimentos por meio do mesmo veículo. De maneira que algumas pessoas, que haviam chegado mais cedo, continuaram pensando que éramos “infiltrados” decididos a deslegitimar o ato. Isso gerou outros constrangimentos, mais fáceis de contornar, mas nem por isso menos incômodos. Alguns estudantes que estavam aplicando o questionário relataram que quase foram agredidos, sobretudo as meninas. Devo dizer que nunca passei uma situação de pesquisa tão tensa, relato compartilhado por outros colegas que também possuem certa experiência nessa atividade.
Devo dizer que, apesar da tensão, não me senti ameaçado fisicamente em nenhum momento, já vivenciei experiências muito mais terríveis e perigosas em manifestações de rua, como pesquisador e como cidadão, sobretudo pela ação da polícia. Mas sempre que me perguntavam, nesse ato do dia 16 de agosto de 2015, o que eu fazia e eu dizia que era professor de sociologia política, a resposta, quase sempre, era: “professor de sociologia é tudo comunista”. Há de se considerar o fato de eu não ser comunista e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que notoriamente não é um bolivariano por assim dizer, ser sociólogo e ter trabalhado durante muitos anos como professor. Mas a situação mais insólita de todas foi relatada por um colega: uma senhora queria ver o questionário antes de respondê-lo, algo que evitávamos para não comprometer metodologicamente a aplicação. A senhora insistiu e conseguiu olhar o início do questionário, ao visualizar a primeira questão: “gênero (masc/fem) ”, ela se recusou a responder e disse que esse negócio de gênero é coisa de comunista. Chega a ser cômico, se não revelasse um conteúdo de ressentimento social que, em termos políticos, é péssimo orientador da ação, uma via aberta para políticas autoritárias.
O objetivo de registrar, nestas poucas páginas, alguns breves apontamentos sobre os dados da pesquisa e alguns relatos de situação de campo é apontar que, em minha análise, estamos diante de um grupo social hiperinvestido de uma vontade de governo, ressentido de uma situação que eles próprios caracterizam como desgoverno do país. Por isso, as considerações na primeira parte do texto. Trata-se de um conjunto de pessoas extremamente disponíveis a governar e serem governadas. Nesse sentido, são objeto e matéria de uma medição estatística, formando um grupo social relativamente simples para caracterização de um perfil. E não há nenhum sentido depreciativo nesta constatação, apenas uma indicação empírica do funcionando da estatística como saber de Estado.
O perfil estatístico e as situações observadas em campo expõem uma classe média bastante autocentrada, refratária à quase tudo que não seja seu espelho e que descobriu nas ruas uma possibilidade de expressar seus desejos de tornar público suas predileções privadas. Talvez isso explique o fato de 62,46% declararem presença nas jornadas de junho de 2013, quando uma brecha se abre, não há regulação sobre o nela irá passar, e isso não deve ser interpretado em termos morais de bem e mal ou de mau ou bom. As pessoas da sala de jantar, das quais falava a antiga música dos Mutantes, agora estão na praça, ocupadas em nascer e morrer. Querem que o desgoverno que identificam na atual gestão, torne-se um governo com sua imagem e semelhança. E não se trata de deslegitimar sua presença nas ruas, quem hoje seria capaz de defender um governo que se diz popular, mas ao mesmo tempo está tão umbilicalmente ligado às empreiteiras e aos bancos? Como sucumbir à uma lógica simplista e não ver razão nas pessoas que ficam indignadas diante dos que se locupletam com o erário público? Uma pesquisa como esta tem a função (efêmera e imprecisa, deve-se dizer) de termômetro social para medir em que direção possível as mudanças poderão vir. É isso que interessa, para orientar a ação e a análise social.
Uma ciência da liberdade?
Após os acontecimentos de 1848 na França, Pierre-Joseph Proudhon disse em suas Memórias de um Revolucionário que a questão não era saber se seremos melhor governados, mas como seremos mais livres. Tinha em mente sua experiência de deputado mais votado da França, da qual saiu frustrado e declarou nunca em sua vida ter vivido tão longe dos problemas dos trabalhadores. Pode-se atribuir a este episódio, vivido pela anarquista francês, a procedência da posterior recusa dos anarquistas à ação parlamentar, ao voto e a todo regime de representação. Recusa que levará os anarquistas a afirmarem-se como anti-representativos e adeptos das táticas de ação direta. Como se sabe, 1848, conhecido o ano como Primavera dos Povos na Europa, foi sucedido por uma reação brutal do governo contra as embrionárias associações de luta dos trabalhadores e uma reforma urbana em Paris que instituiu os principais instrumentos citadinos modernos de controle biopolítico. A história não é feita por protagonistas, mas pelos infames e por ações extremamente ordinárias.
O mesmo Proudhon, em seus escritos, dizia que a política é a ciência da liberdade. Cabe a ela expor os mecanismos de governo dos outros e apontar as possibilidades de maior liberdade, na medida em que a liberdade é uma ação exponencial. Nunca á tão suprimida a ponto de não mais existir, numa se amplia tanto a ponto de se tornar sem constrangimento de autoridade. Não é um valor ou um universal, é uma prática, da mesma maneira que não existe liberdade absoluta, não existe autoridade absoluta. Mas vivemos num tempo em que não cabe tanta fé na ciência, ou nas “luzes”, como orientadora da atitude de liberdade. No entanto, a memória de Proudhon mostra-se oportuna como referência para sairmos, seja no campo político da ação, seja no campo da análise, de pares de oposição que em sua maioria são completares. A complexa situação política que vivemos exige uma análise serial, não uma busca de superação das contradições pela síntese.
Como já apontado, 2013 e 2015 não são apostos, mas diversos, ainda que possuam pontos de intersecção. Se as jornadas de junho foram o ingovernável capaz de produzir e abrir passagem para potências de liberdade, as manifestações de 2015 são a expressão de um certo ressentimento diante do desgoverno, uma vontade de conservação como restauração, vide o expressivo apoio à volta de um regime político capitaneado pelos militares. Nesse sentido, cabe saber se olharemos para ambos com os olhos do analista que investe na política como a ciência do governo ou como ciência da liberdade. Talvez nenhum, nem outro. A negação ressentida da política pelas vias do apartidarismo e do apoliticismo é apenas a antessala de políticas autoritárias, sejam elas confiadas à técnicos neoliberais, aos militares ou organizadas por um comunitarismo de matiz modelarmente conservadora. No entanto, a recusa antipolítica, como atitude e não como ciência, pode ser a via pela qual a potência do ingovernável apontará não para o melhor governo, mas para como seremos mais livres. E nada de interessante, potente e inventivo se passa sem essa coisa incomensurável e de difícil definição que chamamos de liberdade.
Acácio Augusto é pesquisador no Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária). Atualmente desenvolve a pesquisa de Pós-Doutorado “Política e ecologia: lutas ecológicas e política radical no século XXI”, com bolsa CAPES de estágio doutoral na UVV (Universidade de Vila Velha). Doutor em Ciências Sociais (Política) pela PUC-SP.
Notas
[1] O método de pesquisa survey é quantitativo, a pesquisa deve ser planejada pelo pesquisador e a aplicação deve estar ligada aos objetivos da pesquisa. A aplicação é desejada quando o pesquisador pretende investigar o que, porque, como ou quanto se dá determinada situação, não sendo possível através do método, determinar variáveis dependentes e independentes; a pesquisa dá-se no momento presente ou recente e trata situações reais do ambiente. O pesquisador deve ater-se ao método para obtenção de dados científicos e não confundir o método com senso ou pesquisas não cientificas. Definição de Rosana Kelly Pedro Silva, disponível aqui.
[2] Sobre isso, ver Michel Foucault. Segurança, território, população. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[3] Sobre essas transformações da biopolítica, consultas às pesquisas do Projeto Temático Ecopolítica aqui.
[4] Sobre junho como emergência do ingovernável e expressão do insuportável, ver Edson Passetti. “Jornadas de junho: o insuportável”, In: Revista Ecopolítica: paisagens. São Paulo: Nu-Sol/PUC-SP, vol. 6, 2013, aqui.
[5] Os dados e demais informações sobre a realização da pesquisa podem ser consultados no relatório público, disponível na página eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Política da Universidade de Vila Velha (UVV), aqui.
As imagens que ilustram o texto são de Kumi Yamashita.
Caro professor Acácio.
Queria poder elaborar com mais precisão as angústias e debates que suscitam seu artigo. No entanto, dado o corre corre diário, não tive tempo e nem terei de elaborar uma resposta mais precisa das indagações que o texto nos leva a pensar.
Quero então parabeniza-lo pelo ótimo trabalho feito, sem que isso inviabilize algumas críticas que precisam ser postas:
1. O que uma análise serial poderia fornecer para entender a complexidade política. De certa maneira, observo que há alguns pressupostos teóricos em suas ideias que de antemão fecham as cortinas para a dialética porque falar de síntese dos contrários seria violentar a realidade ao conceito. Isso se expressa em dois pontos no seu texto; o primeiro em acreditar que mesmo olhando retrospectivamente para 2013 não conseguimos explicar o que sucedeu (ponto que discordo), o segundo, em que a esfera política está mais atrelada a subjetividade e espontaneidade dos grupos. O que só poderia ser entendido com rupturas antinomicas que não dialogam entre si. O que acredito ser no mínimo pouco provável já que a própria pendular dinâmica das passeatas mostra que um novo monstro se ergue em nossas fuças sintetizando os anos de gestão petista.
2. Uma ciência da liberdade, isto é, a política só pode ser um campo de ação da liberdade se afastada do reino da necessidade. Isso significa que é preciso emancipar a política do julgo das trocas. Os pares de oposição antinomicas lembradas por Proudhon são exatamente o que legitima uma política tal como vemos. Os campos complementares da oposição são exatamente o curso que mantém a roda girando. Por isso, ainda temos que tirar a poesia do futuro, mas por favor sem saltos!
De resto meu amigo, artigo de alto nível! E que certamente nos ajudará!
Abraços…
caro gregório,
obrigado pela leitura e os comentários pertinentes. não me sinto capacitado em te responder tudo, mas indico alguns caminhos pelos quais tento conjurar a vergonha e responder ao intolerável dos tempos conservadores que vivemos.
1. não penso que não seja possível “explicar” junho de 2013. tanto o é que abundam interpretações de diversas matizes, das mais radicais às mais conservadoras. o pressuposto de orientação proudhoniana, neste caso, é que explicá-lo é silenciá-lo, despontencializá-lo de sua singularidade. penso muito nos relatos do próprio proudhon sobre 1848 (a comuna de 1871, lhe trouxe razão em muito coisa). na verdade, não reduzo a esfera política a espontaneidade e a subjetividade dos grupos (aliás, vejo o debate espontaneísmo X organização como estéril), o que afirmo é que há uma produção política, no jogo entre verdade e governo das condutas, das subjetividades. eis um campo de luta decisivo, ao menos para mim e para uma certa leitura da anarquia contemporânea.
2.quanto a esse segundo é mais complicado. sua crítica à dialética serial de proudhon faz sentido, se entendermos a política como campo exclusivo da representação institucional. penso se tratar de uma forma de provocação de proudhon, quando fala em política como ciência da liberdade. na medida em que ele assistiu a constituição da política como técnica moderna de governamento, especialmente após a reação napoleônica de 1851. para dar provas de meu antidogmatismo, poderia te remeter às páginas de 18 brumário e guerra civil em frança, de marx, do qual podemos, com um certo esforço, também tirar conclusões nesse sentido, embora subsista nelas uma certa crença no Estado como categoria do entendimento em política. mas mesmo sob esta perspectiva revolucionária, penso que essa leitura da política atingiu um ponto de estrangulamento com as bombas atômicas em 1945. mais do que a superação do reino da necessidade, vivemos sob a ameaça iminente da destruição total do planeta. por isso termino o texto em questão sugerindo que o campo de forças exige a ação agonística da revolta como antipolítica. discuto isso em minha tese de doutoramento, mas já ouvi alguns professores de filosofia política descadeando a mesma conclusão. e a despeito da ocultação de suas fontes (algo comum no limitado mundo acadêmico), isto é, para mim, uma prova de que a elaboração tem alguma correspondência com a história e com a realidade presente.
bom, já me estendi demais.
mais uma vez obrigado pela leitura e pelos questionamentos apartados de polêmicas dogmáticas, por isso também agradeço ao passa palavra por manter um espaço onde pensamento e ação não estão dissociados.
abraços
saúde
acácio