Uma greve é avaliada como vitoriosa ou derrotada em função de seus objetivos – estabelecidos antes de sua deflagração – e não desta ou daquela situação negocial. Por participantes das reuniões de greve do CFH[*]

Além de participarmos de mais de 120 dias de greve na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), dezenas de assembleias gerais (AG), atos públicos, reuniões setoriais diversas, encontros com o Comando Unificado, assembleias universitárias e de realizarmos mais de 15 atividades setoriais de greve nas quais discutimos a conjuntura política, assistimos e debatemos filmes e realizamos estudos textuais, iniciamos um debate sobre os problemas que detectamos e suas possíveis soluções, sintetizados nesta resumida contribuição.

Antes da greve

AGP_3Já no começo do movimento percebemos alguns dos vícios do sindicalismo. Uma pauta de reivindicações imensa com 33 itens, sendo 19 “específicos” e 14 com os demais Servidores Públicos Federais, como se os problemas dos trabalhadores em educação pudessem ser resolvidos em uma única greve. Para piorar, em sua maioria, itens absolutamente corporativos, com pouca ou nenhuma fusão com demandas de estudantes e professores e menos ainda com os trabalhadores do setor privado e terceirizados. Este problema nos levou a um anterior: o processo de preparação da greve. Não estamos falando de “visitas” de sindicalistas aos setores fazendo apelos do tipo “vamos lá pessoal”, nem de reuniões chamadas poucos dias antes para aferir quem, sem qualquer discussão política acumulada, “vai aderir”. Nada disso significa, para nós, um processo sério de preparação de uma greve.

Para nós, preparar uma greve significa estimular discussões sobre a necessidade e o momento da greve, seus motivos e com quem ela será realizada, além da forma como nos comprometeremos com sua construção e manutenção. Como greve é sinônimo de suspensão do trabalho, é preciso conhecer como os trabalhos são executados e como podem ser paralisados, evitando assim que exista “greve” e que tudo continue funcionando. Existe quem trabalha durante uma greve, desde que devidamente autorizado por uma Assembleia Geral a partir de proposta debatida e aprovada no Comando Local de Greve (CLG), desvinculado de sindicatos. Esse não é um debate para ser realizado entre o trabalhador e sua chefia imediata, não é uma decisão individual. Manter as atividades ditas essenciais em todos os setores faz com que nossa greve se torne invisível. A comunidade universitária percebe o trabalho acontecendo como algo “mágico”, sem a necessidade dos TAEs (Técnicos-administrativos em Educação). Reforça ainda o discurso da terceirização e extinção de cargos. Realizar tudo isso exige atitudes simples que não aconteceram: identificar os setores e trabalhos a serem mantidos e começar, fora dos momentos de greve, a agregar os colegas para pensar sobre estes temas. Trata-se de um trabalho consistente e de longo prazo realizado fora de espaços considerados, erroneamente, como espaços de “mobilização”, tais como as assembleias, que são na verdade espaços de decisão no qual as pessoas deveriam comparecer informadas previamente sobre o que irão decidir.

Durante a greve

greve_ufscCom essas fragilidades, começamos a greve. De imediato detectamos mais um problema grave: o (mau) funcionamento de seu comando, que não expressa discussões feitas setorialmente e que está subordinado ao sindicato que tem claro poder de “veto” sobre suas decisões, desestimulando a participação real dos trabalhadores, inclusive dos não filiados. Com a saudável experiência do “Comando de Greve Unificado” (CGU), apesar de constituído com a greve já em andamento, quando o correto, do ponto de vista da força da greve, seria ter sido instituído antes do início do movimento e com integrantes escolhidos nos locais de trabalho e estudo, frutos positivos foram colhidos como algumas comissões para encaminhar pontos locais e para preparar o Encontro Nacional de Educação (ENE).

As consequências dessa forma de (des)organizar a greve foram evidentes: choque de horários/datas de atividades setoriais e não participação em atividades gerais; discussões realizadas no Comando Local que visavam apenas às assembleias ao invés de retornar para as atividades; necessidade de fazer ações para dar “visibilidade” à greve – como se uma adesão maciça já não fosse fator de visibilidade suficiente; formas padronizadas de ação; insuficiência ou mesmo ausência de informações do movimento nacional nas assembleias gerais; falta de transparência dos resultados dos posicionamentos de base no movimento nacional; dentre outros. Vale destacar que presenciamos com indignação e revolta CATRACA_LIVRE_RU_01o tratamento desrespeitoso dado a servidores (técnicos e docentes) e alunos grevistas por parte de alguns colegas em assembleias e reuniões do CLG. Embora saibamos que muitos servidores, além de furar a greve, adotam práticas que devem ser rechaçadas por qualquer trabalhador com um mínimo de consciência de classe, nada justifica o desrespeito por diversas vezes presenciado. Não diferenciar tais servidores e alunos daqueles que se conduzem como irmãos de classe e que estão na luta conosco, comprova o quanto ainda temos que caminhar para fazer o velho morrer e deixar o novo nascer em direção a nova mentalidade e prática políticas, de real defesa da Educação e da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade.

Sobre a greve

Ao longo da greve, observamos que nossa Universidade funcionou de forma precária, o que acarretou enfraquecimento do movimento paredista e prolongamento da paralisação. Pelos resultados alcançados, não temos dúvidas em afirmar de que se tratou de mais uma greve derrotada. Uma greve é avaliada como vitoriosa ou derrotada em função de seus objetivos – estabelecidos antes de sua deflagração – e não desta ou daquela situação negocial. E o trabalhador não tem motivos para não assumir suas derrotas de cabeça erguida, desde que reflita sobre e aprenda com elas, diferentemente dos sindicalistas que precisam apresentar “vitórias”.

Algumas propostas

Embora não tenhamos a pretensão de esgotar os problemas, entendemos que, se forem adotadas, as iniciativas abaixo podem começar a reverter o processo de fragilidades apontado neste documento:

1) Iniciar um processo de participação conjunta com trabalhadores terceirizados no greve_ufsc2sentido de levantar problemas e necessidades comuns; fortalecer laços de solidariedade, que possibilitam atitudes semelhantes quando ocorrerem ataques contra a greve (ex.: reabertura do Restaurante Universitário). A unidade entre professores, técnicos, terceirizados e estudantes no movimento inibe a continuidade das atividades durante a greve;

2) Consolidar a prática de reuniões setoriais para debater o movimento grevista nos locais de trabalho, fazendo com que os debates nas assembleias sejam precedidos de reflexões construídas por todos. Assim, possíveis deliberações expressarão pensamentos amadurecidos, comprometendo maior número de pessoas;

3) Construir laços de solidariedade nos locais de trabalho, sentimento de coletividade e cumplicidade sem os quais nenhuma luta geral se sustenta;

4) Combinar iniciativas locais com a construção do Encontro Nacional de Educação, podendo ser precedido de um congresso universitário local, envolvendo estudantes, terceirizados e servidores públicos;

5) Diversificar as formas de contato entre trabalhadores, explorando expressões pouco utilizadas como vídeos e fotografias.

Florianópolis, outubro de 2015.

[*] Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina.

2 COMENTÁRIOS

  1. Ótima análise! Temos um longo caminho pela frente e como o texto apontou, urge tornar as lutas cada vez mais locais, partindo-se de laços pessoais de solidariedade de classe. Outro ponto importante é aproximar os terceirizados da luta. Mas nada disso parece caber nas balizas do sindicalismo de Estado.

  2. Uma coisa que deixou muito a desejar é que a greve não teve visibilidade fora dos muros da universidade, diferente de greves anteriores não houve nenhuma interação com a cidade e com o entorno. Para as pessoas que não da comunidade universitária ou que não usam do atendimento de saúde e outros, o que foi feito?
    A greve da UFSC não dialogou com os trabalhadores da educação estadual em greve, com exceção de um professor filiado a ANDES e alguns coletivos de estudantes que foram até ocupação que ocorria na ALESC, o comando de greve e movimento estudantil estavam de costas para os educadores e educadoras da rede estadual, será que um momento como o de greve não poderia ser aproveitado para esse diálogo? Pode um movimento nas universidades falar de burocratização se nega até mesmo a ir onde a grande maioria dos estudantes de licenciatura vão estar depois de formados ou/e que já estão já trabalhando como ACTs.

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