A dinâmica das ocupações recentes catapultaram a estratégia da revolta popular para um lugar muito mais interessante. Exigem dos ocupantes que se assumam como protagonistas políticos dos acontecimentos, 24 horas por dia. Por Rafael Presto [*]

imagem5Desde o início da proliferação de escolas ocupadas pela Revolta dxs Estudantes em São Paulo, muitas foram as comparações com as Jornadas de Junho de 2013. Comparação, sem sombra de dúvidas, acertada. São muitos os pontos de contato entre uma coisa e outra, são muitas as semelhanças estratégicas e táticas, bem como uma aproximação dos mesmos referenciais utópicos, do mesmo combustível político. E o bonde tem nome: autonomia e anticapitalismo.

Claro, o time dos céticos de plantão, parte da intelligentzia de grupos mais institucionalizados, uma certa ala dos marxistas da fé, esclerosados com seus dogmatismos, vão apostar no espontaneísmo como explicação possível de tudo que está acontecendo. Vão manter a postura de deslegitimação a priori do movimento autônomo, como se tantos e diversos movimentos e coletivos, identificados com as máximas autônomas e anticapitalistas, que com muito folego vêm desempenhando um trabalho de base intenso e diversas pelejas pela cidade, não passasse de um conjunto de pessoas com vendas nos olhos, tateando em um corredor a procura da luz. Diriam esses que a verdadeira verdade política decididamente não é essa realizada por esses inocentes e ignorantes militantes autônomos. “Falta um projeto político por trás disso tudo”, diriam alguns, o que também pode ser entendido como “falta uma direção coordenando as massas desordenadas, e eu gostaria de fazer parte dela”.

Esse tipo de avaliação política também se expressa em uma espécie de metafísica da revolta, como se o que tivesse sobrado das Jornadas de Junho fosse um tipo de fantasma rondando o espírito do tempo, esperando uma situação histórica que pudesse encarnar. Mantendo a linha do espontaneísmo político, como se estivéssemos diante de uma política metafísica, como se a alma daquele movimentado mês de Junho pairasse acima de todos e agora tivesse baixado no terreiro das lutas políticas atuais. Essa mística do espontâneo é outro dos preconceitos destilados contra os coletivos e movimentos autônomos, como se tudo que esse setor da esquerda mais radical produz fosse um golpe de sorte, um acaso bem vindo.

Esse tipo de avaliação, ao que me parece, vem de pensadoras e pensadores distantes das lutas autônomas, que seguiram e seguem a todo vapor antes e depois de 2013. No entanto, desde as Jornadas de Junho, esses coletivos e movimentos que formam essa frente autônoma passaram a ter mais espaço nos holofotes da produção crítica da esquerda organizada, com todos os abismos existentes entre os espectros que compõem essa “esquerda”, fragmentada sob muitas aspas.

Identificados com os princípios da autonomia e do anticapitalismo vem se construindo, dia a dia, no calor das lutas, um organismo de solidariedade, que vem servindo de apoio para as muitas pelejas políticas da cidade. Somente em 2015, pelo menos na cidade de São Paulo, a lista de trabalho de base e acontecimentos dessa frente autônoma é imensa: Luta Contra o Aumento da Tarifa, Marcha da Maconha, Maloca Resiste, Luta pelo Transporte da Extremo Sul, Caravana Sudámerica 43, Semana de Lutas Contra a Violência do Estado e, recentemente, a mobilização feminista Contra Cunha e o PL 5069. E finalmente, voltando ao tema deste texto, a Revolta dxs Estudantes contra a Reorganização Escolar.

imagem4Mas em que se assemelha os acontecimentos recentes nas escolas do estado de São Paulo com as Jornadas de Junho de 2013? A começar por uma estratégia parecida com a da revolta popular, aquela utilizada durante as Jornadas. O princípio é simples: criar um fato político pautado por uma demanda simples e possível de ser conquistada. Essa ação política se realiza a partir dos princípios da ação direta e da autonomia, sem disposição para o diálogo conciliatório e conchavo institucional.

Esse fato político, a ponta de lança da tática da revolta popular, é uma ação pontual organizada por um coletivo pequeno, porém disposto, respondendo a uma urgência da conjuntura política. Esse coletivo, bem como a ação pontual, não representa e nem pretende representar um movimento massivo organizado. Ao contrário: o objetivo é que essa ação modelar sirva de combustível para que outras pessoas, ao se depararem com uma resposta política ativa à uma conjuntura violenta, ao reconhecerem como possível alcançar a pauta simples e única almejada, passem a ver a si mesmas como agentes da transformação política. Qualquer coisa de parecido com um “faça você mesmo”.

Estudantes ocupam a Escola Godofredo Furtado

A tática da revolta popular produz um fato político acessível, possível de ser realizado, bastando ter disposição de luta, o que não é pouca coisa. O principal chamariz desse fato político é sua autonomia, ou seja, seu desprendimento com qualquer partido ou grupo político institucionalizado, sua capacidade de manter no centro das decisões e ações aqueles que estão envolvidos diretamente na peleja específica da pauta em disputa, sem desvios ou aparelhamentos. Se em 2013 tínhamos como pauta barrar o aumento da tarifa, em 2015 temos de barrar a reorganização escolar do excelentíssimo Governador Geraldo Alckmin.

No entanto, se a estratégia é a mesma, a Revolta Popular, as condições e o caminhar dos acontecimentos melhoraram, e muito. Nas Jornadas de Junho todas as mobilizações foram apoiadas nos atos de rua. Sua maior expressão foram as manifestações massivas que, bem sabemos, esbarram no limite de uma política de criação de eventos, um acontecimento social em que seus participantes não precisam se empenhar para além do instante presente, realizada com o mesmo comprometimento de alguém que curte uma publicação no Facebook. Disso para o movimento das escolas ocupadas temos um abismo.

imagem1.A dinâmica das ocupações recentes catapultaram a estratégia da revolta popular para um lugar muito mais interessante. Exigem dos ocupantes que se assumam como protagonistas políticos dos acontecimentos, 24 horas por dia. Essa exigência de militância verticalizada, do dia para a noite, garante um processo formativo intenso, uma geração de militantes formados no calor das lutas, aprendendo esse alfabeto político autônomo, que se lança ao risco, à luta sem conchavos, sem mimimi ou aparelhamento.

imagem7Além disso, as escolas se tornaram centros orgânicos em que convergiram toda espécie de militância. O organismo de solidariedade citado anteriormente, composto de coletivos autônomos, movimentos sociais, artistas de luta, educadores militantes, se debruçou sobre as escolas num amplo movimento de apoio fortalecendo e, acima de tudo, afirmando as e os estudantes como protagonistas da luta. Esse organismo de solidariedade, como vimos, vinha a pleno vapor organizando e fazendo acontecer diversas pelejas na cidade. Foi partindo desse organismo que em tão pouco tempo as escolas ficaram munidas de advogados militantes, contaram com a presença de tantos artistas de luta, produziram canais de informação tão rápidos e intensos.

imagem3Me parece que a tarefa essencial, passada a disputa da reorganização escolar, será qualificar e aumentar a densidade desse organismo de solidariedade autônomo anticapitalista. É este o momento que estamos, do resgate da solidariedade ativa entre os trabalhadores e setores populares. Lembrando que, historicamente, a primeira resposta organizativa do proletariado não foi a criação dos sindicatos, mas sim as Associações de Solidariedade, que buscavam apoiar todo e qualquer organismo proletário em luta. Quanto à Revolta dxs Estudantes, um certo otimismo ingênuo fazia parecer possível uma vitória antes de virarmos para o mês de dezembro. Ledo engano. A capacidade do excelentíssimo Governador Alckmin de atuar como se nada sério estivesse acontecendo – como fez na greve das professoras e professores, na crise da água, nos inquéritos sobre violência policial, etc, etc. – é assombrosa, fruto de um cálculo político impecável. Sua postura de silêncio vem dessa avaliação refinada, de uma bastante refletida técnica de silenciamento das revoltas populares.

Não é nenhuma novidade, temos mostras desse arsenal desde o início do ano, em que os atos, se antes duramente reprimidos, começam a ser ignorados – nada de violência policial, nada de grande mídia, nada de comentário institucionais, nada. O que mostra a esperteza política da eficiente direita liberal, da qual o governador Alckmin é o Pequeno Príncipe. Silenciar e fingir que nada está acontecendo é muito mais eficiente do que qualquer tipo de disputa pública, convencimento político, explicações de eficiência financeira. E na dúvida, segue-se regando os equipamentos e dispositivos militares-jurídicos repressivos, fazendo desfilar sua máquina de matar e reprimir, também conhecida como Polícia, em diversas escolas. Como um aviso permanente: estamos aqui ignorando, mas se sair da linha, temos disposição e força para arrebentar com tudo violentamente.

Começaram as disputas pela pauta das escolas ocupadas de maneira mais intensa. A UNE [União Nacional do Estudantes], mantendo seu papel de conciliadora da luta de classes, de pelegagem de plantão, chegou com tudo tentando se apropriar da luta (http://www.une.org.br/noticias/assembleia-reune-100-estudantes-de-50-escolas-ocupadas/). A direita institucional, por detrás dos panos, segue mobilizando corações e mentes de mães, pais, professores e, sobretudo, diretoras e diretores, que se comportam cada vez mais como forças fascistas, partindo para incitação da violência, agressões físicas e toda sorte de barbaridades. (http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1711231-familias-se-articulam-para-reverter-ocupacao-de-escolas-em-sp.shtml). Todo mundo joga do mesmo lado: empurrar qualquer decisão até dia 20/12/2015, fim do ano escolar, torcendo para que as férias escolares desmobilizem a estudantada mobilizada sangue nos olhos.

imagem2Parece que o caminho é continuar o que se tem feito, tencionar mais, intensificar as atividades nas escolas já ocupadas, incentivar novas ocupações. Defender arduamente para que o protagonismo da luta siga com as e os estudantes, livres de instituições aparelhadas e conciliadoras. Seguir radicalizando a luta. E fortalecer a criação de uma Centralidade dxs Estudantes em Luta, chamada pelos estudantes para os estudantes, que qualifique e verticalize a luta atual. Ir com tudo para tentar arrancar uma Vitória antes do dia 20, senão vai ser osso…

De qualquer forma, não existe militante que não sinta um sopro no espírito com a Revolta dxs Estudantes, voltando a falar da política metafísica. E os que insistem em negar os métodos, estratégias e táticas do movimento autônomo, bem, fiquem à vontade. Enquanto o bonde da história passa. E, quer goste-se ou não, o bonde é autônomo e anticapitalista.

Senhor Governador, um aviso: estudante é verbo intransitivo! Toda força pra quem luta! Só a luta muda a vida.

[*] Teatrista do Coletivo de Galochas e militante do Coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão).

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente sua análise. Estava em busca de algo que me ajudasse a entender do que se trata esse movimento. Muito obrigada!
    Denise

  2. Tomando a cobertura jornalística que a UOL está fazendo da luta dos estudantes de SP como um indício mais óbvio, não seria o caso de reavaliarmos o uso do termo “anti-capitalista”, aplicado por alguns setores de forma tão rápida e irreflexiva?

    http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/11/30/sp-eles-estao-certos-diz-motorista-que-ficou-3h-parado-por-protesto.htm

    http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/11/26/estudantes-recebem-apoio-de-voluntarios-em-escolas-ocupadas.htm

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