É necessário de imediato a criação de uma rede de solidariedade entre os meios de comunicação da esquerda, mas principalmente da extrema-esquerda. Por Passa Palavra
No último fim de semana o Passa Palavra foi bloqueado sem nenhuma explicação pelo Facebook. Nenhum link para o site poderia ser compartilhado. Nem mesmo no chat da própria rede social. Todas as postagens anteriores a esta data também foram apagadas tanto da página do Coletivo quanto das próprias timelines dos usuários e, com isso, os debates, campanhas, textos e vídeos sumiram de uma hora para outra. O Passa Palavra passou mais de 48 horas censurado sem que soubéssemos os motivos nem os meios para reverter tal arbitrariedade.
Foi um bug do sistema, como se costuma chamar? Recebemos denúncias em série e, por isso, fomos suspensos? Mas quais denúncias e quem as fez? Vieram da direita ou da esquerda? Ou fora apenas um ato discricionário do Facebook, nos selecionando aleatoriamente em mais um experimento? E se simplesmente resolveram censurar um site da extrema-esquerda? O fato é que pelo menos uma das suspeitas podemos eliminar, pois nenhum malware foi encontrado. Assim, a questão técnica alegada não teve razão de ser.
O Passa Palavra vem denunciando sistematicamente as práticas de controle e censura na internet (como por exemplo aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), mas não só nela. A verdade é que a capacidade de vigilância dos órgãos governamentais (e de suas agências) e das empresas atingiu um nível tão elevado de sofisticação que a maioria já abriu mão da própria privacidade e, infelizmente, dentro dessa maioria está quase toda a esquerda. Como burlar tais mecanismos? Como estabelecer minimamente uma comunicação segura? Essas respostas se tornam mais urgentes quando se difunde um Estado de Exceção, a exemplo da Lei Antiterrorismo recentemente aprovada no Brasil e demais medidas punitivistas contra ativistas e militantes, algumas delas sem embasamento jurídico algum.
Precisamos entretanto fazer outro tipo de alerta. E se o Passa Palavra ficasse eternamente censurado pelo Facebook? E se dentro em breve não só o Passa Palavra como também outros sites de esquerda fossem arbitrariamente banidos da rede? Nessas 48 horas de campanha para obtermos de volta a garantia de divulgar nossos conteúdos e dos demais colaboradores no Facebook, vimos a saber de vários outros casos de arbitrariedade. Há páginas com mais de seis meses de censura; outras, como o site feminista Não Me Kahlo, tiveram a página suspensa na mesma semana que o Passa Palavra. Parece que nenhuma delas conseguiu obter uma resposta da administração da rede social e, por isso, continuamos todos sem saber quais os motivos que nos levaram ao banimento e à censura.
O Facebook é um novo Estado, ele tem o monopólio da violência no simulacro de Espaço Público que nos restou. Ele pode censurar, banir, restringir, controlar, monitorar qualquer um, inclusive organizações de esquerda. Ou principalmente elas. Há tempos, por exemplo, cobra uma espécie de imposto para que suas publicações sejam visualizadas e, caso não pague suas publicações, ficam restritas a um universo cada vez menor de leitores. Não há nenhuma forma de controle reverso, ou seja, dos usuários para a empresa. Sequer sabemos como funcionam os algoritmos que fazem a mediação das relações sociais estabelecidas nessa rede social.
Mas ele também é um Estado porque tem um povo e este povo só tem uma nacionalidade. Sem este território, sem esse meio para estabelecermos interações, sem esse povo para divulgarmos os nossos conteúdos, para que serve um site de notícias? Como a militância atingirá outros meios para além dos seus círculos imediatos e restritos? Optar por não se submeter a esse Estado, a não agir dentro desse território, é optar pelo ostracismo. É um dos dilemas que temos tentado responder desde os primórdios do site.
É verdade que pode ser esta uma analogia exagerada, pois o Facebook ainda não manda prender e nem é contra ele que se reivindicam direitos. Legalmente ninguém é obrigado a usá-lo e o seu fim não inaugura nenhuma nova era na história da humanidade. Ainda haverá aqueles que alegarão a possibilidade de hackear o Facebook, de burlar seus mecanismos de controle e impor uma forma de sociabilidade mais livre do que se permite. Mas uma organização de esquerda não funciona a partir de ações individuais nem somente com o que se apresenta hoje. Há tendências e todas elas nos indicam que as formas de controle, vigilância e punição via redes sociais tendem a aumentar.
Devemos pontuar também que há um grande interesse por parte do Facebook em se estabelecer através das páginas como uma “esfera pública” para o debate político, então, são raríssimas as exclusões de páginas. Vale lembrar que a página dos Black Blocks está no ar, embora isso não tenha impedido que seus administradores fossem presos. Inclusive, para fins de monitoramento, é melhor que os debates e produções coletivas aconteçam na superfície do Facebook. O que aconteceu recentemente com o Passa Palavra, portanto, ainda não nos parece ser a regra. Por isso o banimento por si é o que menos nos preocupa, mas sim a vulnerabilidade a qual estamos submetidos.
É necessário de imediato a criação de uma rede de solidariedade entre os meios de comunicação da esquerda, mas principalmente da extrema-esquerda, por ser ainda artesanal, por funcionar com os recursos dos seus próprios colaboradores ou apoio de pequenos movimentos e de militantes avulsos. Agradecemos a todos que se juntaram a nós nesta campanha de denúncia que foi, provavelmente, a responsável por sermos rapidamente reincorporados ao Facebook. Mas a campanha precisa continuar e atingir novos colaboradores e, quiçá, resultar na criação de mecanismos e redes de comunicação mais imunes à censura. Para já a denúncia precisa ser amplificada. Por não sabemos os motivos por que nos bloquearam, também não sabemos quem será o próximo a cair no ostracismo virtual. Como vamos nos defender dessa forma?
Precisamos também criar novos espaços de divulgação do conteúdo produzido. Já era complicado atuar dentro de um espaço cada vez mais restrito sem ter de capitular à política de “colaboração” monetária imposta pelo Facebook. Agora sequer sabemos até quando poderemos usar a rede social para, mesmo que de forma restrita, divulgar os conteúdos elaborados. Além disso, a própria possibilidade de o Facebook nos bloquear já é algo em si muito grave se pensarmos na importância e na urgência que a divulgação de certos assuntos, denúncias e reflexões por vezes assumem em nossa tarefa de noticiar e apoiar as lutas sociais. Sabendo da maior facilidade na vigilância nessa rede social, a organização das mobilizações no Egito passou a ser feita através do Signal, um aplicativo de conversa criptografado, conforme noticiou The Intercept.
Fomos criticados inúmeras vezes por, sempre que possível, migrarmos os debates que aconteciam no Facebook para a nossa página. Reclamavam alguns leitores de que o Facebook era mais dinâmico, livre, democrático (devido principalmente a nossa política de moderação de comentários). Precisamos ainda responder a isso? Os debates que acontecem no Passa Palavra podem atingir um público pequeno, mas ele é patrimônio das lutas e está disponibilizado a todos. Se forem deletados não será por nós. Precisamos agora potencializar esse mecanismo e aprimorar nossas próprias formas de comunicação livre.
Há um mês o Passa Palavra vem sendo pressionado por alguns leitores para organizar um encontro do campo autonomista. Não respondemos porque nos parece absurda tal proposta, mesmo concordando com a necessidade de que tal encontro ocorra o quanto antes. O absurdo é que não cabe a nós, um coletivo de mídia independente, realizar tal função. Mas cabe a nós inaugurar ou amplificar o debate já existente, em torno das formas de controle e dos limites do uso do Facebook e demais sites e redes sociais enquanto plataforma de comunicação.
As imagens que ilustram o artigo foram retiradas do filme Fahrenheit 451 de François Truffaut
Não sei como contribuir hoje para um modo de divulgação livre do facebook, mas aproveito para compartilhar um diagnóstico da m*%# em que estamos:
“FAMILISMO GENERALIZADO: A DOMESTICAÇÃO DA VIDA COTIDIANA UNIVERSAL PELA INTERNET
A proletarização da reprodução que caracteriza a atual “sociedade de controle” seria incontivelmente explosiva se não fosse acompanhada por uma familização generalizada. E é a internet que leva a uma absolutização do familismo antes inimaginável. No advento da internet, a chamada “web 1.0” resultou numa confluência vulcânica de dimensões díspares da existência: vida cotidiana e tecnologia da informação se chocaram sem controle, provocando um universalismo ou comunismo de ideias livremente produzidas por qualquer um e acessíveis a todos no mundo. A cada um se abria um universo infinitamente além do familismo, da familiaridade das “panelinhas” de amigos e da reificação identitária. Disparidade vulcânica potencialmente revolucionária, porque tornava a perspectiva de uma livre associação mundial dos indivíduos através de suas necessidades, desejos, projetos e paixões mais apaixonante do que o miserável e amedrontrado auto-encarceramento familiar. As pessoas se definiam, se encontravam e se relacionavam pelo que desejavam ser e fazer: o pseudônimo e o anonimato eram a regra. Porém, com o aparecimento da chamada “web 2.0”, o capital cuidou de destruir essa disparidade vulcânica, obrigando todos a se identificarem, se encontrarem e se relacionarem como “pessoas com famílias, amigos e registradas pelo Estado”, minando na raiz a perspectiva de uma internet universalista de indivíduos livremente associados em função do suas necessidades e paixões livres e comuns [nota 6].
A “web 2.0” é o esvaziamento da internet (websites, fóruns, emails etc) pelas chamadas “redes sociais” (hoje dominadas pelo facebook, whatsapp etc), que levam a uma privatização ou mesmo uma feudalização do que se compartilha e se acessa na internet. O familismo (e o panelismo ou “amiguismo” inerente a ele) passa a ocupar todo o tempo e libido das pessoas: não é mais possível à quase ninguém existir socialmente se não aceitar se deixar chafurdar numa “timeline” frenética e interminável de exibicionismos pessoais e familiares infinitamente descartáveis a cada segundo. Quase toda internet universalista e livremente acessível (por buscadores) e feita autonomamente (homepages, grupos de discussão…) foi abandonada e esvaziada. Nessas condições, dá-se uma redução brutal da capacidade dos indivíduos de se expressarem, se associarem e pensarem fora da burrice da dimensão pessoal, familiar, amiguista e identitária. Ocorre uma infantilização geral.
Há ainda um aspecto ainda mais estarrecedor do familismo das “redes sociais”. Como todos praticamente só são acessíveis e só se comunicam por elas (facebook, whatsapp…), cada proletário ficaria isolado e incomunicável se não se tornasse também usuário delas. Isso dá um poder de vigilância absurdo sobre o que pensa, faz e sente cada um. O facebook é o maior e mais poderoso sistema de vigilância e monitoramento que já existiu na história da humanidade. E não só pelo Estado e serviços secretos. Quem é forçado, para sobreviver, a se vender como objeto de consumo vivo no mercado de trabalho, tem, por isso mesmo, sua sobrevivência sob o poder e arbítrio de outras pessoas (a classe capitalista, tanto burocratas quanto proprietários), que, é claro, vigiam e monitoram o facebook de seu escravo. Qualquer ideia levemente questionadora que encontrar, no dia seguinte, por um pretexto qualquer, o proletário está demitido, no olho da rua. Então, o familismo se torna o único pensamento e sentimento que é permitido ao proletariado expressar em público, a não ser que queira se suicidar socialmente (se tornando mendigo) ou fisicamente. […]” (trecho de “Contra o familismo novo e velho – abaixo a família!” http://goo.gl/Vw5xzI )
O Facebook e a Matrix e precisamos escapar dele.
Sinceramente ler o PP ocupando-se de tecer uma longa lista de quixumes sobre o Facebook, é como ouvir alguém reclamando do azedo do limão. Todo O Mundo sabe o que é o Face, nem precisa ser da extrema esquerda, nem tão extremamente informado. Se o PP entrou no Face, vai ter de jogar dentro das regras do dono do jogo.O debate que e importa não é sobre controlar o Face, isso aí já passou. O debate relevante é sobre a criação de Outras Redes, Autónomas, fora-e-contra as lógicas das Redes Privadas. Exemplo desse esforço foi a Diáspora, infelizmente detonada pele ritmo de crescimento das privadas.
O PP precisa pensar se desejar estar na matrix do Facebook, permanecer por lá significa ter de abotoar a coleira no pescoço, isso sem falar na incrivelmente eficiente capacidade do Facenook de mapear e vigiar os leitores do PP no Face.O PP quer entregar os IPs de seus leitores? tenho certeza que não
Apenas para evitar problemas, um ponto:
Basicamente, quem puxou a ideia de fazer um encontro fui eu, mas em momento nenhum lancei essa pergunta voltada exclusivamente ao PP. Deixei a pergunta no ar, um ou outro comentário se colocou a favor dessa reunião, mas a maioria dos outros comentários entendem que o momento não é o de um encontro, tocado ou não pelo PP, colocando um fim na ideia.
“E se o Passa Palavra ficasse eternamente censurado pelo Facebook?”
essa pergunta do texto realmente nos faz refletir. E se? Que diferença faria? Será que o próprio coletivo tem uma boa resposta baseada no fluxo de acessos?
Alias, seguindo um texto já publicado aqui (não me lembro se como post ou apenas comentário), “que ativistas permitam que este Cavalo de Tróia chamado Facebook seja parte das suas vidas cotidianas, é um sinal e ignorância num nível crítico.”
(https://www.nadir.org/txt/Precisamos_falar_sobre_o_Facebook.html)
O que se pode fazer para continuar aproveitando o espaço do FB sem com isso alimentar o uso pessoal e inocente do mesmo?
Bom texto, Lucas!
companheir@s, criar um canal no telegram/signal é uma boa para nós que sempre acompanhamos os bons textos publicados aqui. caberia o coletivo pensar nessa possibilidade
Sobre o encontro do campo autonomista sobre comunicação, acredito que podemos antes conhecer como os hermanos se organizam nesse campo.
rnma.org.ar
abraços fraternos
é isso que acontece a deep web tem pelo menos o ponto bo de fakar as coisas mais abertamente