O simples exemplo basta para nos colocar a par da realidade: não são as disposições legislativas que fazem transformar, mas os fatos por eles mesmos. Por Adhemar Schwitzguébel
Em um artigo publicado no Almanaque do Povo para 1872, nos vimos forçados a refutar algumas das acusações voltadas contra o coletivismo.
Nós queremos hoje abordar a parte relativa a pesquisa sobre quais os possíveis meios pelos quais a propriedade individual poderia ser transformada em propriedade coletiva. Duas vias são abertas ao proletariado para realização prática de suas esperanças: a legalidade e a revolução.
Analisaremos uns e outros dos seus meios.
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O que poderíamos compreender por via legal
A sociedade humana, em seu trabalho de organização, produz até nossos dias, como forma e fundamento da organização social, o Estado.
Se analisarmos, pautados nos dados históricos, a origem do Estado, nós encontraremos que é a força que preside o estabelecimento do que nós compreendemos por ordem social.
A constituição primitiva das tribos, depois dos Estados, tanto na antiguidade quanto na idade média e nos tempos modernos, nos oferece sempre o mais revoltante espetáculo da autoridade e do despotismo, para o gozo de alguns poucos, para cercear a liberdade da grande maioria. As formas, mais ou menos democráticas de governo que estão a serviço dessa organização social não atenuam em nada as consequências desastrosas, para o desenvolvimento da humanidade, do princípio autoritário que tem sido, até hoje, a base da ordem pública.
No Estado, mesmo democrático, é sempre o mestre que domina o escravo.
No instante que há duas classes presentes – uma a qual é permitido, graças ao trabalho da massa, todas as regalias possíveis, a outra submetida à miséria, ao despotismo e à exploração, sem poder satisfazer as exigências legítimas de existência humana, – seria natural que a classe dominante, que tem em mãos toda direção dos afazeres públicos e de toda organização de Estado – seu trabalho – garanta todas suas relações de privilégios sociais, se servindo do poder que ela tem para assegurar completamente sua dominação.
Todo esse trabalho de organização dos poderes de garantia dos privilégios e a dominação recebe sua consagração na Lei, que, em todo Estado, é tornando algo sacrossanto ao qual a pessoa não pode tocar sem cometer um crime contra a sociedade.
A burguesia, que, em comum com o povo, ao longo de vários séculos sofreu todas as provações vindas da nobreza dirigente, até que, a partir de 1789, teve na história humana, um papel preponderante, e, se tornou doravante a suprema regularadora do interesse dos povos.
Ela formula seu dogma política nessa grande mensagem social: igualdade perante a Lei, mas ela se esquiva de tocar nas bases fundamentais da economia pública. Ela aparece com a democracia; mas, na realidade, pra manter e consagrar – avançando em seus próprios interesses – o princípio da propriedade individual, não fez mais que tomar o lugar da nobreza, se maquiando com tons de liberdade.
As consequências históricas do trabalho da burguesia não foram manifestadas mais claramente que nos últimos tempos, onde o antagonismo entre o capital e o trabalho é a principal característica de uma guerra social permanente até o dia da solução.
A direção de todos os estados civilizados está nas mãos da burguesia; todas suas instituições jurídicas são suas e a consagração pura e simples de seus privilégios econômicos; os serviços públicos são, sobretudo, absolutamente organizados visando seus interesses próprios. Tal é a posição legal da burguesia, o que poderia significar, para o proletariado, ocupar a legalidade? Será introduzido pouco a pouco nos Estados e substituiria como classe, a burguesia, e se colocaria no seu lugar.
Examinaremos essa tática do ponto de vista da prática e do fim a esperar.
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A primeira condição prática dessa tática seria a constituição do proletariado em um partido político distinto de todos os partidos da burguesia; todo compromisso com um ou outro desses partidos, seria um novo engano, a menos que esse partido, convertido definitivamente ao socialismo, faça todas as concessões desejáveis ao proletariado. Ou, em todos os Estados, nós constatamos que nenhum partido burguês aprecia realmente o trabalho de libertação das classes trabalhadoras, e que, lá onde esses partidos ditos avançados dignos de se ocupar com a questão social, é para se fazer crescente de sua ambição política.
São as sociedades e as federações de trabalho que serão à base da organização do novo partido político dos trabalhadores, pois bem a ação destas sociedades restará a ela independente da ação política dos trabalhadores? Sem dúvida que as circunstâncias somente determinarão positivamente na medida que a organização e a ação políticas do proletariado sejam combinadas com sua organização e sua ação econômica; mas, como a organização federativa dos ofícios se mostrará cada dia como o modo mais positivo de organização, até que essa organização dos mesmos interesses, permite-se supor que seria lá assim, na hipótese em nos ocupamos, o fundamento da ação política.
É a lógica dos fatos que comanda. Nós supomos, portanto que a reforma da legislação em benefício dos trabalhadores seria posta no seu início. As federações, no lugar da transformar os fatos econômicos eles mesmos, não irão em conseqüência demandar a Lei de todas as garantias possíveis contra a exploração dos patrões, e finalmente a supressão do patronato.
Nós deixaremos de lado toda a dificuldade de se opor na ordem das coisas atual à organização e a ação das classes trabalhadoras, em relação ao seu partido polític0 de modo distinto dos outros partidos, dificuldades que teriam, por fundamento, a servidão econômica do trabalho ao capital e todas as conseqüências morais que decorrem, e que não desaparecerão ao não ser que pela supressão de sua causa.
Nós admitimos então, para simplificar nosso raciocínio, que a ação política e legal do proletariado no Estado seria possível, e nós vamos examinar suas conseqüências.
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Toda tentativa reformista supõe, de uma parte, a realização de reformas transitórias, e, de outra parte, a reforma completa, radical.
Pelas reformas transitórias, nós entendemos: aumento dos salários, baixa dos preços dos objetos de consumo, redução das horas de trabalho, garantias contra a exploração das mulheres e crianças, reforma do imposto, melhoramento das instituições públicas, simplificação de toda legislação jurídica, limitação ou supressão das despensas improdutivas sejam cultos, militares, etc., redução da magistratura e melhoramento dos serviços públicos úteis. Nós não podemos analisar nesse curto trabalho o valor real de cada uma dessas reformas, nós demarcaremos aquelas que tocam diretamente à existência do trabalhador assalariado.
Uma lei que teria por finalidade fixar a duração legal da jornada de trabalho não teria nenhum valor positivo, se o número de horas de trabalho, determinada pela lei, não entrasse em prática. Faz-se, para que a lei não seja ilusória, que o estado da indústria, os desejos do consumo, a vontade dos trabalhadores e o consentimento voluntário ou forçado dos patrões determinariam o número de horas de trabalho. Se tendo outro, o Estado, por obrigar os trabalhadores mais que um tanto de horas e os chefes da indústria a não trabalhar, além disso, deveria criar toda uma nova ordem de funcionários optando por fazer executar a lei, e meter a sua disposição a força armada, isso seria uma batalha social continua uma tirania aterrorizante, a ruína das condições normais de trabalho. Se, (pelo) contrário, a redução das horas de trabalho é realizada pela ação da sociedade, ou – ela já estando nos fatos econômicos, à lei não teria nenhum valor prático como agente de reforma, pois não faria mais que sancionar o que já existe.
O simples exemplo basta para nos colocar a par da realidade: não são as disposições legislativas que fazem transformar, mas os fatos por eles mesmos.
Para melhorar a posição dos trabalhadores, não basta decretarem a elevação dos salários, redução das horas de trabalho, etc., mas traduzir os fatos e os anseios de melhoramento, pelo triunfo, no domínio econômico, do trabalho sobre o capital.
Toda outra tática, de usar a via legal para trabalhar a questão social, muito barulho faz sem nada resolver.
Abordaremos agora a parte mais grave da questão: a ação política do proletariado no Estado em vias de uma reforma radical.
Para que o trabalhador seja definitivamente livre de toda exploração de toda dominação, fazer com que o instrumento do trabalho, o capital, cesse de ser a propriedade de alguns, para ser posta a disposição das associações dos produtores.
Toda servidão econômica dos trabalhadores, o pauperismo, a miséria, que são resultado, são resultantes desse fato: é que uns, a minoria, detém para seu próprio benefício o instrumento do trabalho, o capital. Que os outros, a maioria, são obrigados a vender seu trabalho pelo preço que lhes vieram a oferecer.
Caso queira-se operar uma transformação radical pelo Estado, fazendo então com que ele venha a ser proprietário dos instrumentos do trabalho, e que lhe conceda em seguida, aos trabalhadores, pelas garantias/condições que ele julgará útil estabelecer. Se for mantendo a propriedade monopolizada, não mais entre as mãos da classe burguesa, mas em benefício de uma ficção, de uma abstração, de um ser imaginário, o Estado: somente essa ficção se manifestará aos olhos do povo por representantes bem reais, bem vivos, os homens do Estado, os funcionários do Estado que disporão, para seu grado, do capital social. As associações dos trabalhadores, não possuirão diretamente esse capital, serão obrigadas a solicitar a concessão ao Estado pelo intermédio dos ditos funcionários, de modo que eles serão os que irão distribuir a fortuna pública. Nós compreendemos que esses funcionários serão eleitos pelo povo e que por conseqüência não poderão fazer mais que a vontade do povo: mas hoje, em nossas repúblicas suíças, os governantes já são nomeados pelo povo, mas não fazem a vontade do povo, e, portanto, cada um faz mais que sua própria vontade.
Voilá! Eis o que nos promete o comunismo autoritário, eis ao que conduz a ação do proletariado no Estado.
Nós reprovamos confundir a forma do Estado socialista com essa do Estado atual. Mas pautados no programa dos socialistas autoritários[1] de diversos países: sobre a construção do Estado centralizado, o desenvolvimento do sufrágio universal centralizado, o Banco nacional de créditos para as associações trabalhadoras, a expropriação, por vias legais e em benefício do Estado, das siderúrgicas de ferro, dos canais, das minas, das florestas e finalmente do solo e das manufaturas. A agricultura, os diferentes ramos, da indústria, do comércio, enfim, de toda atividade humana, tornando ministérios do Estado, e, nessa máquina administrativa militar organizada, nessa armas industriais, adeus a liberdades dos grupos de trabalhadores.
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Nós havíamos dito, no começo: ou a legalidade, ou a Revolução.
Após ter condenado a prática legal, nos resta afirmar a prática revolucionária.
Porque os trabalhadores constituem-se em sociedades e federações de ofício?
Para solidarizar seus interesses contra aqueles de seus dominadores e exploradores. Ocupando, em geral, pouco esforço na legislação; eles determinam livremente na prática, operando assim insensivelmente uma revolução nos fatos econômicos. É a época transitória.
Que, por conseguinte, o antagonismo social, que se acentuam infalivelmente todos os dias, entre a burguesia e o proletariado, a situação vinha tal que uma solução radical se impõe, a Revolução social está assegurada.
As Federações dos trabalhadores procederão à expropriação dos detentores do capital, em vias da liquidação.
Qual será, nesses detalhes, a organização que substituirá o sistema burguês e que tentará reproduzir, através dos grupos dos produtores industriais e agrícolas, livremente? A essa questão, se nós queremos fazer a ciência social e não da fantasia socialista, nós deveremos responder que só a experiência poderá resolver certas questões práticas, e que querendo responder as questões em absoluto nós cairemos na utopia.
Importa, para o momento, que nós queremos livrar-nos das dificuldades que permeiam a via de nossa emancipação e de todos os sistemas que poderão nos fazer regredir: nós marcharemos mais seguramente ao sucesso definitivo.
Tradução por Marcelo Mazzoni, revista pelo Passa Palavra, a partir da coletânea de textos de Adhemar Schwitzguébel realizada por James Guillaume, intitulada Quelques Écrits. As notas são da autoria de James Guillaume. O original em francês pode ser conferido aqui. Publicado originalmente em l’Almanach du Peuple pour 1872 e l’Almanach du Peuple pour 1873. As ilustrações são de Käthe Kollwitz.
Notas
[1] “Socialista autoritário” é posto como sinônimo de “socialismo estatista”.
A primeira parte do artigo se encontra aqui.
Hum… Sei não… E o Órgão “secreto” Revolucionário que é a unidade do pensamento e da ação que tem como dever organizar(compor) no exército da revolução o estado-maior(plano superior revolucionário)para servir de intermediário entre a ideia revolucionária e os instintos populares. Estou em dúvida se existe um fundo falso aí.
1. Os princípios desta organização são os mesmos que os do programa da Aliança
Internacional de Democracia Socialista. Estão expostos de modo ainda mais explícito, em
relação às questões da mulher, da família religiosa e jurídica, e do Estado, no programa russo
da democracia socialista.
O departamento central prevê dar logo mais um desenvolvimento teórico e prático mais
completo.
2. A Associação dos Irmãos Internacionais quer a revolução universal, social, filosófica,
econômica e política, para que a ordem atual das coisas, baseada na propriedade, na
exploração, na dominação e o princípio da autoridade – religiosa, ou metafísica e de modo
burguês doutrinário, até jacobinamente revolucionária –, não fique em toda Europa, e logo no
resto do mundo, nenhuma pedra sobre a outra, grito de paz aos trabalhadores, liberdade a
todos oprimidos, e morte aos dominadores, exploradores, e aos tutores de todo tipo. Queremos
destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas suas instituições e leis religiosas,
políticas, jurídicas, financeiras, policiais, universitárias, econômicas e sociais, para que todos
esses milhões de seres humanos pobres, enganados, avassalados, angustiados, explorados,
sejam libertados de todos seus diretores e benfeitores oficiais, para que os indivíduos respirem
enfim uma completa liberdade.
3. Convencidos de que o mal individual e social aparecem menos nos indivíduos do que na
organização das coisas e nas posições sociais, seremos humanos, tanto por sentimento de
justiça como por cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas para
poder, sem perigo algum para Revolução, perdoar os homens. Negamos o livre arbítrio e o
suposto direito da sociedade castigar[1]. A mesma justiça, tomada no sentido mais humano,
mais amplo, é unicamente, por assim dizer, negativa e de transição. Ela assinala a única via
possível da emancipação humana, ou seja, a humanização da sociedade pela liberdade e na
igualdade. A solução positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da
sociedade. Esta solução tão desejada, o nosso ideal, é a liberdade, a moralidade, a inteligência
e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos: a humana fraternidade.
Todo indivíduo humano é o produto involuntário de um meio natural e social que nasceu,
desenvolveu-se e do qual segue recebendo influência. As três grandes causas de toda
imoralidade humana são: a desigualdade tanto em âmbito político como econômico e social; a
ignorância que é o resultado natural, e sua conseqüência necessária: a escravidão[2].
Sendo sempre e por qualquer organização da sociedade a única causa dos crimes cometidos
pelos homens, é uma hipocrisia e um absurdo evidente por parte da sociedade castigar os
criminosos, posto que cada castigo sugerido à culpa e ao criminoso nunca são culpáveis. A
teoria da culpabilidade e do castigo provém da teologia, é do casamento do absurdo com a
hipocrisia religiosa.
O único direito que se pode reconhecer à sociedade em seu estado natural de transição, é o
direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma em sua própria defesa; e
não é para julgar e nem condenar. Esse direito nem se quer é uma aceitação da sua palavra;
será antes um eixo natural, entristecedor, porém inevitável, firmado e produzido pela
impotência e estupidez da sociedade atual; e quanto mais tentar evitar que a sociedade use tal
direito, mais próximo estará da sua emancipação real. Todos os revolucionários, os oprimidos,
as sofridas vítimas da organização atual da sociedade, cujos corações estão supostamente
cheios de vingança e ódio, devem ter em mente que os reis, os opressores, os exploradores de
todo tipo são tão culpados como os criminosos procedentes da massa popular: são
delinqüentes, porém não culpados, dado que são também como os criminosos ordinários,
produtos involuntários da organização atual da sociedade. Não haverá do que estranhar-se se
desde o primeiro momento o povo rebelado mate muitos deles. Será uma desgraça inevitável e
quem sabe, tão fútil como os estragos causados por uma tempestade.
Porém, esse eixo natural não será nem moral, nem se quer útil. A este respeito, a história esta
cheia de lições: a terrível guilhotina de 1793 que não se pode acusar nem de que foi perigosa
nem lenta, não logrou destruir a classe nobiliária na França. A aristocracia não foi
completamente destruída, porém profundamente sacudida, não pela guilhotina, senão pela
confiscação e pela venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que as matanças políticas
nunca mataram os partidos; resultaram sem efeito contra as classes privilegiadas, por erradicar
o poder muito menos nos homens que nas posições dadas aos homens privilegiados pela
organização das coisas, ou seja, a instituição do Estado, e sua conseqüência tanto como sua
base natural, a propriedade individual.
Para fazer uma revolução radical, é necessário atacar as posições e as coisas, destruir a
propriedade e o Estado. E então, não se necessitará destruir os homens, e condensar a reação
infalível e inevitável que nunca deixou e nunca deixará de produzir em cada sociedade: o
massacre dos homens.
Porém, para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para revolução,
haverá que ser cruel com as posições e as coisas; haverá que destruir tudo, sobretudo e ante
toda a propriedade e sua inevitável conseqüência, o Estado. Este é todo o segredo da
revolução.
Não há que se assustar se os jacobinos e os blanquistas que se converteram em socialistas
antes por necessidade que por convicção, e para quem o socialismo é um meio e não o
objetivo da Revolução, posto que querem a ditadura, ou seja a centralização do Estado e que o
Estado os levará por uma necessidade lógica e inevitável à reconstituição de um Estado
revolucionário poderosamente centralizado tenderá como resultado inevitável, como o
provaremos mais tarde, à ditadura militar para um novo amo. Por conseqüência, o triunfo dos
jacobinos e dos blanquistas será a morte da Revolução.
4. Somos os inimigos naturais dos revolucionários, futuros ditadores, regulamentadores e
tutores da revolução, que inclusive antes de que estejam destruídos os Estados monárquicos,
aristocráticos, e burgueses atuais, já têm o sonho da criação de Estados revolucionários novos,
tão centralizadores e mais despóticos que os Estados que existem hoje em dia. Dizem que os
revolucionários têm um grande costume de ordem criada por alguma autoridade que venha de
cima e grande horror aos que lhe parecem desordens, que não são senão a franca e natural
expressão da vida popular, que ainda antes de que seja produzido pela revolução uma boa e
saudável desordem, já estão sonhando com o fim e o amordaçamento com a ação de alguma
autoridade que de revolução só terá o nome, porém o efeito não será nada mais que uma nova
reação dado que será já uma nova condição das massas populares, governadas por decretos, a
obediência, a imobilidade, a morte, ou seja a escravidão e a exploração por uma nova
aristocracia quase revolucionária.
5. Compreendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que se chama hoje em dia
das más paixões, e da destruição do que com o mesmo estilo se chama “o órgão público”.
Não tememos, pois invocamos a anarquia, convencidos que desta anarquia, ou seja, a
manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a
justiça, a nova ordem, e a força mesma da Revolução contra a Reação. Esta vida nova – a
revolução popular – não tardará sem dúvida alguma em se organizar, porém criará sua
organização revolucionária de baixo pra cima e da circunferência até o centro, de acordo com
o princípio da liberdade, e não de cima para baixo, nem do centro para a circunferência, de
acordo com modelo de qualquer autoridade. Pouco nos importa que esta autoridade se chame
Igreja, Monarquia, Estado constitucional, República burguesa, ou inclusive ditadura
revolucionária. As detestamos e rechaçamos por igual, por ser fontes infalíveis de exploração
e despotismo.
6. A revolução, tal como a entendemos, deverá desde o primeiro dia, destruir radical e
completamente o Estado e todas as instituições do Estado. As conseqüências naturais e
necessárias destas destruições serão:
a) A derrota do Estado;
b) O pagamento das dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada devedor o
direito de pagar as suas, se o desejar;
c) O pagamento de todos os tipos de impostos e da dedução de todas as contribuições, seja ela
direta ou indireta;
d) A dissolução do exército, da magistratura, da burocracia, da polícia e das prisões;
e) A abolição da justiça oficial, a suspensão do quanto juridicamente se denominava direito, e
do exercício desses direitos. Portanto, abolição e queima de todos os títulos de propriedade,
atos de herança, venda, doação, todos os processos, em uma palavra, de todo o papel jurídico
e civil. Por todas as partes e em tudo, o eixo revolucionário em lugar do direito criado e
organizado pelo Estado;
f) A confiscação de todos os capitais produtivos e instrumento de trabalho a favor das
associações de trabalhadores, que deverão fazê-las produzir coletivamente;
g) A confiscação de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como os metais
preciosos dos indivíduos para a aliança federativa de todas as associações operárias, Aliança
que constituirá a Comuna.
Em compensação pelos bens confiscados, a Comuna dará o suporte necessário a todos os
indivíduos, que poderão mais tarde pelo seu próprio trabalho ganhar mais se puder e se quiser;
h) Para a organização da Comuna, a Federação das barricadas em permanência e a função de
um Conselho da Comuna revolucionária pela delegação de um ou dois responsáveis por cada
barricada, um pela rua ou bairro, responsáveis investidos de mandatos imperativos, sempre
responsáveis e sempre revocáveis. Assim organizado o Conselho Comunal, poderá eleger seus
comitês executivos, separados para cada ramo da administração revolucionária da Comuna.
i) Declaração da capital rebelada e organizada em Comuna depois de ter destruído o Estado
autoritário e tutelar, o qual tinha o direito de fazer pelo seu escravo, como todas as outras
localidades, renunciar ao seu direito, ou antes a qualquer pretensão de governar, de se impor
às províncias.
k) Chamado a todas províncias, comunas, e associações, deixando-as todas seguir o exemplo
dado pela capital de reorganizar-se revolucionariamente primeiro, e delegar logo, em um
ponto de reunião, seus responsáveis, todos também, investidos de mandatos imperativos,
responsáveis e revocáveis, para constituir a Federação das associações, comunas, e províncias
rebeladas em nome dos mesmos princípios, e para organizar uma força revolucionária capaz
de triunfar da reação. Envio não de mandatários revolucionários oficiais com todo tipo de
medalhas, senão propagandistas revolucionários a todas as províncias e comunas, sobre tudo
entre os camponeses que não poderão ser revolucionados nem pelos princípios, nem pelos
decretos de alguma ditadura, senão unicamente pelo mesmo eixo revolucionário, ou seja, as
conseqüências que produzirá a infalivelmente em todas as comunas o fim total da vida
jurídica, oficial do Estado. Abolição do Estado nacional outra vez no sentido de que todo país
estrangeiro, província, comuna, associação ou inclusive indivíduo isolado, que se havia
levantado em nome dos mesmos princípios, serão recebidos na federação revolucionária sem
preocupação pelas fronteiras atuais dos Estados e ainda que pertençam a sistemas políticos ou
nacionais diferentes, e as próprias províncias, comunas, associações, indivíduos que tomem o
partido da Reação estarão excluídos. É, portanto, pelo mesmo eixo da propagação e
organização da revolução para a defesa mútua dos países rebelados como triunfará a
universidade da revolução fundada na abolição das fronteiras e na ruína dos Estados.
7. Não pode haver revolução nem política, nem nacional, a menos que a revolução política se
transforme em revolução social, e a revolução nacional, precisamente por seu caráter
radicalmente socialista e destrutivo do Estado, se converta na revolução universal.
8. Dado que a revolução deverá fazer por todas as partes pelo povo, e posto que a suprema
direção tem que ficar sempre no povo organizado em federação livre de associações agrícolas
e industriais, o Estado revolucionário e novo, organizando-se de baixo pra cima pela via da
delegação revolucionária e abrangendo a todos os países rebelados em nome dos mesmos
princípios sem preocupação pelas velhas fronteiras e as diferentes nacionalidades, tenderá por
objeto a administração dos serviços públicos e não o governo dos povos. Constituirá a nova
pátria, a aliança de todas as reações.
9. Esta organização exclui qualquer idéia de ditadura e poder dirigente tutelar. Porém para a
mesma realização desta aliança revolucionária e para o triunfo da revolução contra a reação, é
necessário que em meio da anarquia popular que constituirá a vida mesma e toda a energia da
revolução, a unidade de pensamento e da ação revolucionária forme um órgão. Esse órgão
deve ser a associação secreta e universal dos Irmãos Internacionais.
10. Esta associação parte da convicção que as revoluções nunca as fazem, nem os indivíduos,
nem se quer as sociedades secretas. Produzem-se por si mesmas, pela força das coisas, pelo
movimento dos eventos e eixos. Se vão preparando durante muito tempo na profundidade da
consciência instintiva das massas populares, logo explodem, suscitadas em aparências a
geralmente por causas fúteis. Tudo o que pode fazer uma sociedade secreta bem organizada, é
primeiro facilitar o nascimento de uma revolução, propagando entre as massas idéias que
correspondam aos instintos das massas e organizar, no exército da revolução – o exército
sempre deve ser o povo –, senão uma sorte de plano maior revolucionário composto de
indivíduos entregues, energéticos, inteligentes, e, sobretudo amigos sinceros, nem ambiciosos,
nem vaidosos, do povo, capazes de servir de intermédio entre a idéia revolucionária e os
instintos populares.
11. O número desses indivíduos não deve, pois, ser imenso. Para a organização internacional
em toda Europa, bastam cem revolucionários fortemente e seriamente aliados. Duas, três
centenas de revolucionários bastarão para a organização de um país maior. O número desses
indivíduos não deve, pois, ser imenso.
Mikhail Bakunin, 1868.
Caro senhor Comunismo antiautoritário,
Gosto de estudar a AIT, fazendo isto a realidade fica muito mais complexa do que a historiografia positivista faz parecer, e que, muitas vezes, mesmo em nossas fileiras, é reproduzida a torto e a direito.
Como o senhor está a fazer, quando tenta reduzir uma das alas da Internacional a sua figura titânica. Sobrepondo textos de momentos distintos da Internacional (1869 sobre 1872), sobrepondo a organização secreta de Bakunin a uma ideologia que era muito maior que ele (Bakunin) e sua organização.
Schwitzguébel, pretendo publicar uma pequena biografia dele aqui, daqui um tempo, é uma figura icônica da AIT, um operário da relojoaria suíça, que nunca compos as organizações secretas de Bakunin, tendo contato com este só, se não me engano, em 1869, um ano depois deste texto que o senhor tenta fazer engoli-lo, junto com ele toda esta ala, junto com todo este movimento. Mas que, contudo, apesar de não conspirar secretamente, era um militante ativo da organização que o outro setor (dito marxista) mais combateu, a chamada: Fédération jurassienne. Caso queira debater estatutos busque os estatutos desta organização para melhor debater coletivismo.
Abraços fraternais,
MM